Contra perda de patente, aposta em doença rara
Por Simeon Bennett | Bloomberg Businessweek
Em 2005, a Shire enfrentou um cenário que hoje é familiar à maioria das companhias farmacêuticas globais. Seu medicamento mais vendido, uma pílula para o tratamento do déficit de atenção chamada Adderall XR, estava para perder a proteção de patente, ameaçando metade de seu faturamento. A resposta da Shire foi pagar US$ 1,6 bilhão pela Transkaryotic Therapies, uma companhia deficitária com mais dívidas que vendas, e um punhado de medicamentos para o tratamento de doenças genéticas raras que afligem o número reduzido de 2.000 pessoas no mundo.
A ação da Shire caiu 11% em dois dias, pois os investidores questionaram os critérios do negócio. Desde então, porém, o preço das ações mais que triplicou, transformando-se no papel de segundo melhor desempenho entre as 30 maiores companhias farmacêuticas do mundo. Os medicamentos que ela conseguiu com a compra da Transkaryotic, alguns com preços superiores a US$ 300 mil ao ano por paciente, estão entre os mais caros do mundo. Os produtos geraram vendas de quase US$ 3 bilhões e o crescimento tem sido de mais de 10% ao ano. “Foi uma aquisição fantástica para a Shire”, diz Adrian Howd, analista do Barenberg Bank, que mostrou-se indiferente ao negócio quando ele foi anunciado. “Na época, pareceu um passo bem audacioso longe de sua área de conhecimento. Acho que inicialmente ninguém viu o potencial pleno do negócio.”
Agora, concorrentes maiores também querem participar da ação. A Pfizer e a GlaxoSmithKline (GSK) também enfrentam a perda de bilhões de dólares em receitas nos próximos anos, uma vez que seus medicamentos de altas vendagens enfrentam a concorrência dos genéricos, que são mais baratos. As duas companhias criaram unidades de doenças raras nos últimos dois anos e fizeram aquisições para alimentá-las. Em abril, a Sanofi concluiu a aquisição, por US$ 20,1 bilhões, da Genzyme, a maior fabricante de medicamentos para doenças raras do mundo.
As farmacêuticas estão sendo atraídas para as doenças raras pelas chamadas leis dos medicamentos órfãos nos Estados Unidos e Europa, que oferecem isenções fiscais e exclusividade de mercado por até dez anos para fabricantes de medicamentos para desordens que afetam números relativamente pequenos de pessoas.
Isso permite a farmacêuticas como a Shire manter preços altos e equipes de vendas menores e mais baratas porque, em alguns casos, seus tratamentos são a única opção. “Os benefícios claros que elas oferecem significam que os preços dos medicamentos podem ser relativamente altos”, diz Howd. “Eles são mercados pequenos e localizados, com um número limitado de pessoas, de modo que você não precisa oferecer uma infraestrutura grande.”
O plano da Shire para permanecer à frente da manada é “ampliar as fronteiras” dos tratamentos para doenças genéticas raras, diz o presidente-executivo Angus Russell. “A próxima fronteira será o ponto em que essas doenças migram para o cérebro”, diz Russell. Ele cita uma rara complicação cerebral da síndrome de Hunter, uma desordem que provoca deficiência de enzimas e mata a maioria das crianças atacadas antes delas terem idade para votar. O único tratamento disponível hoje envolve a perfuração de buracos no crânio para a injeção de medicamentos.
A solução da Shire: um dispositivo implantável que liberará os medicamentos no cérebro. “Todos os médicos mais importantes nos disseram que isso seria impossível”, afirma Russell. “Mas provamos que podemos injetar medicamentos ali como se fosse uma aplicação intracerebral direta.”
A Shire está testando o processo em 15 pacientes com síndrome de Hunter (que afeta apenas 2.000 pessoas no mundo) e outros 15 com Sanfilippo A, um mal relacionado. Após dois anos de testes, a Shire diz que nenhum dos pacientes apresentou efeitos colaterais graves. Dados mostrando a eficácia do tratamento estarão disponíveis já na metade de 2012, diz Russell. Se tudo der certo, o tratamento poderá acrescentar US$ 500 milhões em vendas anuais para a Shire, segundo Ken Cacciatore, analista da Cowen.
Fonte: Valor Econômico, 09/12/11
Video: Bob Harrell, Director of Integrated Marketing at Shire Pharmaceuticals, discusses how innovation and advanced technologies like gene sequencing will affect healthcare.
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