Em recente estudo da consultoria Frost & Sullivan, o setor de saúde no Brasil foi apontado entre os de elevado potencial de longo prazo na produção e utilização de tecnologias e sistemas que, por exemplo, se comuniquem sem mediação humana. Porém, o levantamento conclui que a área ainda depende de inovações tecnológicas e trâmites governamentais.
Para isso, intensificar o relacionamento entre universidades, institutos de pesquisa e empresas, por meio da realização de projetos cooperativos e cofinanciados é um caminho necessário, de acordo com Marcos Rebello, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Em entrevista a FH, Rebello afirmou que a agência preocupa-se em combinar esforços públicos e privados no setor de saúde. ?De internalizar tecnologias, inovação e promover pesquisa e desenvolvimento para transformá-los em produtos, processos e empregos?.
Ele acrescentou que a construção de ambientes de cooperação, aproximando empresas e centros de pesquisa continuará contando com recursos do governo. ?A Lei de Inovação e a Lei do Bem, além do Brasil Maior só tem evoluído a questão em termos dos benefícios que provêm à empresa e pesquisadores?.
Também no sentido de aproximar da cadeia centros de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo) criou uma categoria especial de associados isentas de obrigação contributiva. ?Terão assento para compartilhar entre si e com as empresas associadas as tendências e a aplicação aos equipamentos brasileiros e respectivos processos produtivos?, afirma o diretor institucional da Abimo, Márcio Bósio.
Ele ressalta que, apesar da desindustrialização causada pela entrada de produtos estrangeiros no país, as exportações brasileiras do setor cresceram 265% desde 2002. ?Provando que o empresário está comprometido e investe decisivamente na inovação?, afirma o diretor.
Radiografia
Como parte do apoio ao complexo industrial da saúde, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financia indústrias da saúde através do programa Profarma que traz diretrizes estratégicas em P&D. Até dezembro de 2010, data do último levantamento, o banco registrou o custeamento de R$ 492 milhões em projetos de inovação, R$ 805 mi para iniciativas de produção, R$ 37.243 mi para exportação e R$ 346 mi em reestruturação.
Os investimentos dividem-se entre os subsetores farmacêutico, com R$ 1,55 milhão, equipamentos médicos R$ 76.339, biotecnologia R$ 31.016, e kits de diagnóstico, com R$ 17.794.
Já o Fundo Setorial de Saúde da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) banca projetos cooperados com as indústrias Medical Tec, Life Med, Gene ID, EBR Medical, Quibasa, Angelos (odongológicos), Eletrospitalar e Tinpel.
As empresas foram aprovadas na última chamada realizada pelo órgão, no edital 05/2010 com R$ 20 milhões do Ministério da Ciência e Tecnologia para P&D em produtos médicos e biomateriais, que impactam o SUS, sendo que, cerca de R$ 6 milhões (30%) do valor total deveria ser aplicado em empresas do Norte e Nordeste do País.
No entanto, das 77 propostas recebidas, apenas 11 foram aprovadas. Muitas foram barradas diante da exigência do governo por aportes financeiros das empresas como contrapartida ao apoio. Além de confundir os empresários da indústria da saúde, que desconheciam a obrigatoriedade nesse tipo de tomada subvencionada de recursos, também dificultou a aprovação o fato de as empresas não se enquadrarem à portaria 1284/2010 ? que prevê legalidades da pessoa jurídica -, como revela a chefe substituta do Departamento de Instituições de Pesquisas Tecnológicos da Finep, Claudia Perasso. ?Verificamos que a maioria das empresas é de pequeno e médio porte e têm dificuldades para aportar recursos, mesmo os 5% exigidos para as pequenas?.
A média empresa deve entrar com 50% e a grande 100% do valor subvencionado pelo governo. ?A maioria delas estão na região Sudeste, no interior paulista, em Campinas e São Carlos. São as que têm mais vocação, seguidas da região Sul e Centro Oeste?.
Claudia explica que a Finep levou o assunto ao Ministério da Saúde e chegou-se a conclusão que não dá para exigir o aporte financeiro. ?Teremos de fazer chamadas abertas para dar chance às pequenas empresas, que têm idéias inovadoras em seus segmentos?.
Assim, será divulgado no final do ano um novo edital aberto às pequenas para produtos médico-hospitalares com verbas para implementação em 2012.
Porém, os entraves de participação delas não são apenas de cunho financeiro. Como a Finep mantém uma rede de Instituições de Pesquisa Científica e Tecnológicas (ICT) no setor de equipamentos médico-hospitalar, Claudia verificou que os pequenos culturalmente não buscam as universidades e não têm P&D estruturado. ?Temos estimulado a chamada das empresas em parcerias com os ICT, inclusive divulgando para associados da Abimo. Uma forma da empresa crescer é se associar a uma ICT porque o produto médico exige ensaios, certificados, normas da Anvisa, aptos para mercado nacional e internacional?.
Tendo em vista a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) realizou um estudo com base em dados da Unicamp sobre o setor de equipamentos médico-hospitalares e constatou a distribuição de pesquisadores e engenheiros de P&D é maior nas universidades brasileiras, cerca de 70%, enquanto no Japão é de 20% e nos Estados Unidos é um pouco mais de 10%. Os profissionais de P&D não passam de 20% na indústria do Brasil, sendo os outros 10% alocados em órgãos do governo (veja gráfico).
Um benchmark para o setor é a indústria de nutrição e saúde com estímulos à pesquisa científica com o Prêmio Henri Nestlé, por exemplo, e a farmacêutica que, em alguns casos, reverte até 20% do faturamento em P&D.
Na nacional Apsen, embora aplique tímidos 8% de sua receita, do total de pesquisas e estudos realizados 64% são voltados à inovação de fármacos, garante Rita de Cássia Salhani Ferrari, do departamento Médico e Científico.
Sob a ótica de que nem sempre é rentável para a empresa nacional pagar royalties altos e ver sua margem de lucro prejudicada, a Apsen prefere bancar com recursos próprios três projetos cooperados com a Unesp de Araraquara, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e a Universidade de Maringá. ?São pesquisas para desenvolvimento de produtos fitoterápicos, ainda em fase de testes. Um deles envolve uma parceria com um pesquisador farmacologista da Unifesp e um microbiologista da UFRJ?.
A aliança atual é mais propícia do que no passado. ?Percebo a redução do gap entre o pesquisador acadêmico e a indústria. Antes, as pesquisas eram de longo prazo e muitas sem interesse comercial. Hoje as linhas de pesquisa das universidades nos procuram e já trazem uma análise de mercado sobre o potencial do produto, pois as agências de inovação mudaram o perfil do pesquisador?.
Parcerias
A Tmed, em Pernambuco, é uma indústria que nasceu há 17 anos com vocação e apoio das linhas de fomento como as da Finep e tem três famílias de produtos fruto dessa trajetória. Atualmente, conta com projetos de protótipos apoiados pela Finep e Facep – órgão estadual de fomento – e outros três estudos com recursos próprios e do Criatec, um dos fundos de investimento do BNDES.
A empresa de soluções em monitoramento no leito desfruta da política de prioridade nacional do Ministério da Ciência e Tecnologia que reserva aportes para P&D no Norte e Nordeste em produtos médicos e biomateriais como parte do incentivo ao Complexo Industrial da Saúde.
O diretor Amando Guerra conta que já recebeu R$ 1,5 milhão do Criatec, cujo financiamento é gradativo e pode chegar a R$ 5 milhões de acordo com o plano de negócios da empresa em inovação tecnológica e crescimento, o que há um ano tem se consolidado no Sudeste brasileiro.
Ainda assim, o empresário diz que os programas do governo são poucos e as regras limitantes. ?Por outro lado, entendemos que há um ganho de competitividade no sentido de customização e adaptação às necessidades do mercado nacional, mesmo com investimento de médio e longo prazo?.
O P&D da Tmed tem 14 profissionais de mercado e alguns em fase de mestrado e doutorado nas áreas de engenharia biomédica, eletrônica e computação. ?Nunca tivemos uma taxa inferior de 10% do faturamento anual de R$ 5 milhões aplicados P&D?, assegura Guerra.
Para aumentar sua competitividade, a Tmed realiza planejamento tributário e está pleiteando um benefício para isenção de IPI a produtos voltados a Tecnologia da Informação, que já conta com legislação específica no País.
Visões
Na nacional Kolplast, a busca por inovação segue a rota da representação comercial de patentes internacionais, com exclusividade para marcas como a ThinPrep, uma citologia de base líquida automatizada da Hologic. Diretor da empresa, Benedito Fittipaldi afirma que não é possível estabelecer relacionamento com ICTs, embora há dois anos tenha desenvolvido três patentes para o espectro vaginal descartável em parceria com a Unicamp. ?Não tem como se aproximar da academia porque a universidade parece ter vergonha de ganhar com uma invenção. Porém, o setor público não consegue gerar recursos suficientes para mantê-la?.
Diretor da Associação Brasileira da Empresas Certificadas da Saúde, ele reconhece os benefícios do Brasil Maior, mas diz que não atendem todo o setor. ?As nacionais enfrentam o mesmo distanciamento da academia. Mesmo nas que se beneficiam, percebemos a timidez no valor das ações?.
Em sua análise, não só a Kolplast, mas empresas que desenvolvem produtos no Brasil são as que conseguiram associar-se às organizações do exterior. ?O financiamento da empresa é raro e o P&D está nas universidades que tem doutores com ideias inovadoras. Não há um processo em que o governo se comprometa a adquirir prioritariamente a produção nacional, um encorajamento à empresa para investir em pesquisa?.
Ele acrescenta que os órgãos financiadores não distinguem as empresas certificadas na seleção de projetos. ?O mercado não reconhece os pleitos das indústrias que seguem normas da Anvisa e são certificadas. Há um distanciamento da teoria e prática?.
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Pesquisa em saúde depende de pacote de benefícios
Lei da Inovação e o Brasil Maior tendem a aumentar a viabilidade técnico-científica e financeira para pesquisa e desenvolvimento no setor de saúde. Mas órgãos devem diminuir exigências e garantias para aprovação de projetos
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