Um dos maiores problemas para os peritos médicos, identificar uma pessoa a partir de uma ossada encontrada anos após um crime, poderá ser resolvido a partir de uma pesquisa conjunta do Laboratório de Antropologia Forense, da USP de Ribeirão Preto, em conjunto com a Universidade de Toronto, no Canadá e de Sheffield, na Inglaterra. O avanço dessa nova técnica, Microarray para marcadores SNPs (Single Nucleotide Polymorphisms) do DNA, que já permitiu a análise de 60% das 532 amostras de DNA que foram coletadas pelos cientistas brasileiros, foi apresentada pelo diretor do Centro de Medicina Legal de Ribeirão Preto e responsável pelo Laboratório de Antropologia Forense, Marco Aurélio Guimarães, durante o I Congresso Paulista de Medicina legal e Perícias Médicas, que começou quarta-feira (20), no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo.

Marco Aurélio explica que não só em desastres como do avião da TAM, em Congonhas, e da Air France, no meio do Atlântico, os peritos enfrentam grande dificuldade para identificar restos mortais. “Os canaviais da região de Ribeirão Preto são o lugar escolhido para muitos assassinos esconderem os corpos de suas vítimas”, conta, “e como a cana cresce muito depressa, são encontrados corpos abandonados há tanto tempo que não restam mais do que os ossos”. Também quando há um acidente de trânsito com queima do veículo, os peritos precisam trabalhar com ossos de corpos carbonizados e enfrentam problema semelhante.

A proposta de refazer o rosto de uma pessoa, como se fosse um retrato falado, a partir da chamada “genética da face”, usando os marcadores genéticos relacionados com os diferentes formatos da face, envolve cientistas ingleses e brasileiros. Os britânicos entraram no projeto tanto porque Marco Aurélio fez o pós-doutorado em Sheffield com Martin Evison, organizador do projeto, como porque o Brasil tem uma peculiaridade única, a miscigenação. A maioria dos brasileiros tem genes caucasianos, negróides, orientais e também dos índios.

Os pesquisadores vão tentar partir do DNA para determinar se o cadáver não identificado era de uma pessoa de crânio globoso, como dos caucasianos, ou alongado, como dos negróides, qual o formato do nariz, da boca, resultando numa espécie de “retrato falado” feito por computador, que poderá servir para familiares reconhecerem pela semelhança se determinado corpo é do parente desaparecido.

Como o brasileiro geralmente tem características de várias origens, as amostras locais foram escolhidas para o trabalho científico cuja evolução será apresentada no I Congresso de Medicina Legal e Perícias Médicas, mas o resultado final só deverá ser conhecido no final do ano que vem.

EVOLUÇÃO FOI MUITO GRANDE

O especialista conta que a evolução da identificação é muito recente. Até 2005 o que se fazia era verificar se o cadáver apresentava restos de pele e tentar recuperar as digitais, já que não havia sequer profissionais habilitados a fazer a identificação dentária “e os cadáveres tinham poucos dentes”. Hoje, diz o médico, a fluoretação da água e a melhoria da situação econômica faz com que as pessoas morram ainda com grande parte da dentição e mesmo nas classes mais baixas é comum haver restaurações de dentes, que podem se identificadas pelas fichas dos dentistas.

Uma ajuda muito grande para quem tenta identificar cadáveres é a difusão da informação sobre pessoas desaparecidas. Em Ribeirão Preto, a população se acostumou a informar o desaparecimento de pessoas não só à Polícia, mas também ao Laboratório, que tem um protocolo seguido à risca, que inclui fotografia dos restos, coleta de digitais, quando possível e o traçado do perfil antropológico.

Depois de limpa, através do exame da ossada é possível definir o sexo, estimar a idade, a ancestralidade (caucasiano ou negróide), a estatura. “Podemos saber se a pessoa era destra ou canhota e se teve características peculiares, como um calo ósseo, o que indica ter uma fratura quando criança, por exemplo”. Uma pesquisa com as ossadas de três corpos carbonizados num carro que explodiu, permitiu identificar que uma das vítimas estava na faixa de 25 anos, outra tinha 34 e a terceira 52 anos, o que levou à identificação precisa, mesmo se tratando de três homens.

Essas informações são guardadas permanentemente, pois não é incomum que anos após um cadáver ter sido enterrado como indigente, os familiares se apresentam e, pela ficha, é possível desencadear uma identificação positiva.

“Mais fácil será, porém, se for possível desenhar o rosto aproximado do desconhecido”, diz o médico, “já que a identificação pelo DNA comparativo de algum suposto parente é técnica muito comentada, mas ainda cara e deve ser usada apenas de forma regrada e excepcional”. No Estado de São Paulo há um laboratório de Medicina Legal capacitado a fazer esse levantamento. “É importante o trabalho em desenvolvimento que, uma vez pronto, levará os especialistas de Ribeirão Preto a repassarem o know how para quem trabalha com Perícias Médicas no restante do País”, conclui.