A palavra ortotanásia deriva do grego: orthos (reto, correto) e thanatos (morte) indicando um significado para uma morte ocorrida no momento certo, correto, nem antecipado, nem prolongado.
A Resolução CFM 1.805/06, cuida do tema em dois artigos. Um deles permite ao médico a limitação ou suspensão de tratamentos aos pacientes em fase terminal, cuja doença seja grave e incurável. Observando-se, no caso, a vontade do próprio paciente ou de seu representante legal.
O dever de informar também é imposto ao médico em relação ao paciente, no que tange à terapêutica existente. A decisão do profissional deve ser fundamentada e registrada no prontuário, assegurando ao paciente ou ao seu representante legal a obtenção de outra opinião médica.
Não obstante a tais anotações, lembramos ao médico a importância, para resguardar os seus próprios direitos, de que tudo seja devidamente documentado, vale dizer, além do prontuário do paciente, também por intermédio do Termo de Consentimento Informado e Esclarecido, devidamente assinado pelo paciente ou por seu representante legal.
O outro artigo da referida resolução determina a continuidade dos cuidados necessários para aliviar os sintomas do sofrimento, com assistência integral, conforto físico, psíquico, espiritual e social, bem como, com a alta hospitalar, se for o caso.
A resolução foi suspensa judicialmente por intermédio de uma ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, em 2007, cujo desfecho foi favorável ao CFM, em dezembro de 2010, ou seja, o texto voltou a viger e produzir plena eficácia no mundo jurídico.
Não se trata, pois, de regulamentação da antecipação e/ou provocação da morte (eutanásia), mas sim a observância do processo da morte – que ocorrerá no tempo certo – e, acima de tudo, com respeito ao paciente, vez que não serão empreendidos todos os esforços extraordinários para prolongar a vida, a qualquer custo, inclusive, de muito sofrimento do paciente (distanásia).
O Código de Ética Médica (CEM) veda ao médico, nas situações clínicas irreversíveis e terminais, a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários, propiciando aos pacientes cuidados paliativos apropriados, conforme dita um dos seus Princípios Fundamentais (XXII).
Nessa linha, dentre as vedações do art. 41, ainda do CEM, está a impossibilidade de abreviação da vida do paciente, mesmo a seu pedido ou de seu representante legal, bem como reforça o dever de oferecimento de cuidados paliativos, de acordo com a vontade do paciente ou seu representante legal e sem a busca obstinada de ações ou terapêuticas inúteis.
Estes comandos do CEM atendem, na sua integralidade, o respeito à dignidade do paciente, assegurada pelo inc. III, do art. 1º, da Constituição Federal ? CF, no seu processo iminente e irreversível de morte.
Da mesma forma, estará o médico respeitando outro comando constitucional que prevê ?ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante?, de acordo com o inc. III, do art. 5º, da CF.
Indefinição federal
A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), por exemplo, elaborou as próprias diretrizes para orientar os médicos de UTI´s acerca da assistência intensivista, com vistas à ortotanásia.
Os órgãos representativos da classe médica, como se verifica, são atuantes e preocupados com o tema.
A lei 10.241/99 do Estado de São Paulo (Dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado) assegura ao paciente, no seu art. 2º, o direito de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida (inc. XXIII) e optar pelo local de morte (inc. XXIV).
Já o nosso legislativo federal não trabalha com tanta eficiência.
Isso porque tramita no Congresso Nacional projeto de lei – PL 116/00, do senador Gerson Camata, há 11 anos, para alteração do Código Penal (CP) para exclusão da ?ilicitude? da ortotanásia.
O art. 136, do Código Penal – CP – tipifica crime de Maus Tratos:
Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina.
Há substitutivo de autoria do deputado José Linhares que, além da alteração do CP para a descriminalização da ortotanásia, com inclusão do art. 136-A, também dispõe sobre os cuidados devidos a pacientes em fase terminal de enfermidade. Referido substituto encontra-se, desde 15/12/10 (conforme informação obtida no site www.camara.gov.br, em 29/5/11), na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania ? CCJC.
Tal inserção é importante para colocar pá de cal em qualquer discussão sobre a criminalização da ortotanásia ? que no nosso entendimento não pode ser considerada crime – vez que a Resolução CFM 1.805/06 cuida tão somente da questão ética-disciplinar. Faz-se necessário, portanto, que lei federal expresse a descriminalização do procedimento.
Enquanto isso não acontece, é bom que o profissional de saúde esteja preparado e respaldado sobre como proceder nestes casos.
A norma de conduta principal é: respeite sempre os pacientes, inclusive no processo da sua morte.
A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento (Platão).