Tem se tornado cada vez mais freqüente os comentários acerca da possibilidade de, no Brasil, as empresas e entidades que operam planos privados de assistência à saúde poderem contratar resseguros para suas operações, a exemplo do que já acontece no mercado de seguros privados nacional e internacional.
Hoje, o setor de saúde suplementar, responsável por uma movimentação financeira da ordem de R$ 40 bilhões, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS sobre o exercício de 2006, vive um momento de suspense em torno desta oportunidade que tem de poder contar com mais essa ferramenta de controle e proteção de riscos para o mercado que é o resseguro.
Mas, o que é resseguro? Quais as vantagens de se contratar um resseguro? Quem poderá fazer uma operação de resseguro?
Diante de tais questionamentos, pretende este artigo iniciar uma discussão acerca deste tema tão novo e provavelmente tão desconhecido por uma boa parte dos gestores do mercado de saúde suplementar.
O que é resseguro?
Resseguro é o seguro dos riscos de uma seguradora, ou seja, é quando uma companhia de seguros decide repassar para um ressegurador uma parte do risco que excede a sua capacidade de retenção (FARIA, 2007).
Em saúde suplementar, o resseguro poderá ser entendido como o seguro das operadoras de planos de saúde, isto é, um contrato fundado na máxima boa-fé, celebrado entre uma operadora (chamada de cedente) e um ressegurador, o qual se responsabiliza em indenizar a cedente relativamente a uma parte ou a todo o dano que ela tenha que cobrir em decorrência de seus contratos com os beneficiários de planos individuais ou de empresas e entidades, coletivamente.
A principal função do resseguro na área de saúde, ou em qualquer outro segmento, é o compartilhamento de riscos, especialmente aqueles que dizem respeito à perdas excessivamente elevadas.
Mas, esta não é a única função do resseguro. O aumento da capacidade de produção de novos negócios e a suavização dos altos e baixos da variação aleatória da sinistralidade de uma companhia de seguros por meio da pulverização de riscos, segundo Elliott et al (2001), constituem um fator significativo para a contratação de apólices de resseguros, além de utilizá-las também como uma espécie de reforço no patrimônio líquido, auxiliando as seguradoras em suas dificuldades de capital.
Ao ceder uma parte do risco a que estão expostas aos resseguradores, as seguradoras, na verdade, reduzem o seu risco mas, por outro lado, de acordo com Baur e O’ Donoghue (2005), assumem o risco de crédito da outra parte contratante, ou seja, de que o ressegurador não possa honrar seus compromissos financeiros.
Vários fatores contribuíram para que o mercado de saúde suplementar brasileiro nunca tenha experimentado das vantagens da contratação de resseguros, dentre eles destacam-se: (a) a dificuldade das informações sobre sinistros e reservas técnicas; (b) a desvinculação das bases técnicas de precificação e controle de riscos dos planos de saúde daquelas preconizadas pelo mercado segurador, embora guardassem semelhanças importantes; (c) precariedade e falta de transparência com relação às informações econômico-financeiras; e (d) falta de uma orientação governamental sobre o mercado.
Felizmente, o mercado vive hoje uma realidade bem diferente. Sete anos após a entrada em vigor da Lei 9.656/98, já podemos observar uma série de mudanças estruturais no setor que favorecem a criação de produtos de resseguros específicos para os planos de saúde apoiada nos princípios básicos da ressegurabilidade.
Os principais fatores que contribuem para esta possibilidade são:
a) melhoria da qualidade e transparência das informações econômico-financeiras das operadoras;
b) uso consolidado da tecnologia da informação e da comunicação no gerenciamento de carteiras;
c) aperfeiçoamento das exigências sobre garantias financeiras obrigatórias;
d) padronização da Troca de Informações em Saúde Suplementar (TISS) entre prestadores e operadoras, além da contratualização entre esses agentes;
e) saneamento do mercado, com a liquidação das empresas insolventes e incapazes;
f) padronização dos produtos;
g) estímulo à realização de programas de prevenção de doenças e riscos e de promoção da saúde;
h) segmentação do mercado em estratos super definidos, tais como Medicina de Grupo, Autogestão e Cooperativas;
i) existência de sinais claros do início de estabilização regulatória e de segurança jurídica do mercado; e
j) obrigatoriedade de auditoria independente.
Principais tipos de resseguro
As operações de resseguro se dividem em duas categorias, segundo Elliott et al (2001): facultativo e contrato. Em ambas as formas, há a chamada cobertura proporcional e a não-proporcional (excesso de danos).
Nos resseguros proporcionais, o ressegurador paga um percentual do sinistro ocorrido sendo o coeficiente sinistro-prêmio o mesmo tanto para a seguradora quanto para o ressegurador.
Porém, é por meio do método de compartilhar as perdas usando um resseguro do tipo excesso de danos (não-proporcional) que vemos maiores possibilidades para o mercado de saúde suplementar.
Pelo resseguro por excesso de danos, o ressegurador paga todos os sinistros (ou uma porcentagem predeterminada dos mesmos) que estejam situados dentro de certos limites mínimo e máximo preestabelecidos. Neste caso, a parte do custo assistencial que estiver acima ou abaixo desses limites será de responsabilidade da operadora.
Trazendo ainda mais para a realidade do mercado de saúde suplementar nacional, Neto (2003) entende ser possível a contratação das seguintes coberturas de resseguros para planos de saúde: cobertura para eventos vultuosos, resseguro de quota para apoiar as operadoras no atendimento às exigências da ANS com relação às garantias financeiras e, por fim, cobertura para altos custos decorrentes de doenças graves.
Variações desses modelos poderão ser apresentadas como opções para a saúde, tais como a cobertura de eventos vultuosos de vários sinistros simultaneamente, excesso de custos assistenciais por pessoa (acúmulo de sinistros individuais) ou ainda, o “Stop Loss”, com a cobertura de sinistro por ano sobre a totalidade da carteira.
Espera-se, em função no novo mercado que se apresenta para os resseguradores (atualmente só o IRB Brasil Resseguros), que a subscrição (aceitação) das primeiras carteiras seja fundada em bases extremamente rigorosas e conservadoras, com o intuito de minimizar o risco e garantir um negócio profícuo para ambas as partes. Tal precaução, poderá encarecer demais o prêmio desses produtos inicialmente, mas, dependendo da criatividade das operadoras para viabilizarem tal negócio pode-se construir um modelo de demanda embasada nos fundamentos técnicos de que necessitam os resseguradores para subscrever riscos desta natureza.
Com este objetivo, a demanda por resseguros poderia ser gerada da seguinte forma, a fim de aumentar a ressegurabilidade das carteiras e garantir a maior pulverização de riscos possível: (1) Pelas operadoras, individualmente; (2) Por um pool de operadoras de qualquer segmento; (3) Por um pool de operadoras de  um mesmo segmento [Autogestão, Medicina de Grupo, Cooperativa, etc.]; (4) Por um pool de operadoras sem fins lucrativos [caixas de assistência, filantropias, etc.]; (5) Por um pool de operadoras com fins lucrativos; e (5) Por um pool de todas as operadoras.
Conclusão
Há muito que se aprender sobre o mercado ressegurador aplicado ao setor de saúde suplementar. Os desafios surgem de todos os lados, desde a desorientação da demanda por parte das operadoras, passando pela definição de regras claras e factíveis ao mercado, até a inexperiência brasileira de ressegurar carteiras de saúde.
No entanto, é muito bem vindo o interesse da ANS de apresentar um estudo técnico juntamente com o IRB Brasil Resseguros, para que mais esta importante ferramenta de gestão de riscos e de capital possa ser implementada e, sobretudo, esteja disponível à empresas mais organizadas e dispostas a lançar-mão do resseguro para as suas carteiras.
Referências bibliográficas
ELLIOTT, Michael W; WEBB, Bernard L; ANDERSON, Howard N; KENSICKI, Peter R; tradução de Roberto Luiz Martins de Castro; revisão de Maria Helena de Aguiar Huebra. Princípios de resseguro. Rio de Janeiro: Funenseg, 2001.
SANTIAGO, Edmund. Aporte del Reaseguro al Mercado de Seguros de Salud em América Latina y el Caribe. Buenos Aires: Mercado Asegurador, v.29, n.324, mar. 2007.
VELASCO, José A. Situación del Reaseguruo de Salud. Buenos Aires: Mercado Asegurador, v. 22, n. 251, set. 2000, p. 88-90.
MELLO, Regina Célia. Resseguro para planos de saúde. Palestra sobre gerência de riscos pessoais. Rio de Janeiro: IRB Brasil Resseguros, 2005.
NETO, Luiz Appolonio. Resseguro para operadoras de saúde. Rio de Janeiro: Revista do IRB, v. 63, n. 294, out/dez. 2003, p.9.
BAUR, Patrizia; O’ DONOGHUE, Antoinete B. Entendendo o resseguro: como os resseguradores criam valor e administram riscos. Zurique: Swiss Reinsurance Company, 2005.
FARIA, Lauro Vieira de. Abertura do resseguro, demanda de resseguros e impactos sobre o mercado segurador. Rio de Janeiro: Funenseg, 2007.
*Douglas Trindade é formado em Tecnologia da Informação, pós-graduado em gestão de Saúde Suplementar, especialista em seguros e Diretor Administrativo do Grupo ASSIM.
As opiniões dos artigos/colunistas aqui publicadas refletem unicamente a posição de seu autor, não caracterizando endosso, recomendação ou favorecimento por parte da IT Mídia ou quaisquer outros envolvidos nesta publicação.