A batalha da CPMF não se encerrou. Terminou a temporada das encenações políticas de todos os tipos, em que emergem ameaças catastrofistas, estatísticas de conveniência, propostas e contrapropostas quase sempre insinceras.
Fez bem o governo em devotar alguma reflexão à dimensão do problema e suas opções de solução. A precipitação, além de não ser boa conselheira, poderia perturbar gratuitamente os mercados e fechar as possibilidades para um entendimento de alto nível nos campos congressual e partidário.
Crises fiscais demandam boa construção, não se lhes exigindo ação rápida como nas turbulências dos mercados cambial e monetário. Evidentemente, que tal cuidado não deve ser confundido com incúria ou desídia.
Os efeitos da extinção da CPMF devem ser encarados com responsabilidade. A perda de uma arrecadação de R$ 40 bilhões anuais é grave e repercute sobre o equilíbrio fiscal. Ninguém se iluda pensando que o problema será resolvido com recordes de arrecadação. Esses resultados são impotentes como remédio para questão, quando são considerados a partilha de renda com as entidades subnacionais, as obsoletas vinculações de receita e os renitentes aumentos de gastos correntes.
A propósito, esses recordes, em boa medida decorrentes de uma maior eficácia da máquina arrecadatória, baniram, na linguagem das finanças públicas, a expressão “frustração de arrecadação” — muito freqüente tempos atrás. Excepcionalmente, ela pode estar de volta. Crises fiscais não apreciam posturas ingênuas.
Como não existe uma fórmula pronta para resolver o problema, é razoável que se busque uma solução equilibrada e criativa. Caso se deseje a manutenção do superávit primário, não será possível uma saída unilateral, limitada a receitas ou a despesas.
As alternativas de novas receitas passam por elevação de alíquotas do IOF e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e por aumento de algumas incidências específicas do IPI, do PIS/Cofins e da Cide. A mensuração dos impactos arrecadatórios, as repercussões sobre preços e a viabilidade política é que irão governar as escolhas. É um espaço estreito, com poucas possibilidades de inovação. Talvez seja a hora, portanto, de ousar com algumas soluções criativas, como já se fez no passado em situações análogas.
Amiúde, no Brasil, se estabelecem grandes e intermináveis confrontos judiciais em matéria tributária, em razão sobretudo da excessiva constitucionalização do tema. No momento, destacam-se, como grandes questões em litígio, o chamado crédito-prêmio de exportação e a base de cálculo do PIS/Cofins.
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, na palavra do seu titular e em vários debates por ela promovidos, tem defendido o disciplinamento da transação tributária, prevista no art. 156, inciso III, do Código Tributário Nacional, ainda que apenas como norma de caráter geral.
As discussões no âmbito do Ministério da Fazenda não se encerraram. Trazer a matéria à discussão já é suficiente, entretanto, para conferir mérito à iniciativa daquele órgão. Recorrer, por sua vez, ao instituto da transação específica pode ser um caminho para superar o litígio e produzir receitas.
Na linha do modelo adotado, com sucesso, para superação da polêmica judicial sobre a constitucionalidade da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (1999) ou sobre a tributação dos fundos de pensão (2002), bem que se poderia construir uma solução que pudesse resolver o litígio judicial sobre o crédito-prêmio de exportação e sobre a inclusão de receitas financeiras na base de cálculo do PIS/Cofins, equacionando o passado e restabelecendo o fluxo de recolhimento.
Em ambas as matérias, tenho um entendimento favorável à Fazenda Pública. No caso, todavia, o que conta não é a convicção sobre a matéria, mas o reconhecimento do impasse. Trata-se da opção em favor de uma atitude realista e pragmática.
Lei específica para cada caso poderia estabelecer as condições e exigências para adesão dos contribuintes. É provável que essa fórmula gere algumas receitas importantes para assegurar o equilíbrio fiscal de curto prazo, além de eliminar pendência que onera, em tempo e preocupação, contribuintes e o próprio Poder Judiciário.
A despeito do que se disse, é preciso ter em conta que medidas no campo das receitas não serão suficientes para suplantar as dificuldades advindas da extinção da CPMF. Serão necessários cortes de despesas.
Não é tarefa fácil, pois não existe despesa órfã, aqui ou em qualquer outro lugar do mundo. Cada uma delas tem pais zelosos que defendem com unhas e dentes sua preservação.
É necessário deter o crescimento espantoso dos gastos com pessoal. O setor público precisa pautar-se pela eficiência. A farra das emendas parlamentares macula o nosso já imperfeito federalismo fiscal e é hipótese permanente de desperdício e corrupção.
Já está na hora de acabar com esse iníquo modelo que conspurca a missão parlamentar. O Poder Legislativo precisa ser mais cerimonioso com os gastos atribuídos aos gabinetes dos seus membros. O Poder Judiciário precisa abdicar do expansionismo imobiliário, do qual resultam suntuosos palácios.
Citei apenas tipos de cortes de gastos para ressaltar, também, a dificuldade em efetivá-los. De igual modo há que se considerar a resistência a aumentos de tributos. Algum tipo de sacrifício haverá. Pior, contudo, será debilitar nosso frágil equilíbrio fiscal, mormente quando se anunciam instabilidades no cenário internacional.
* Artigo de Everardo Maciel, consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal publicada no jornal Gazeta Mercantil em 27 de dezembro de 2007.
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