Citando o saudoso psicanalista David Zimmermann: “Não é a saída, temos que encontrar a entrada”. Tudo que se diz, escreve, mostra e reclama da saúde no Brasil é verdade. Os usuários reclamam das dificuldades, e com razão. Os administradores explicam e justificam, cobertos de razão, os médicos e demais prestadores, os hospitais, os laboratórios, ninguém está sendo exagerado. Mas a saída, qual é?
Entrando na análise do sistema de saúde atual, um livro publicado por Michael Porter e Elizabeth Teisberg disseca profundamente a questão, e sugere soluções. Eles são americanos e no livro estudam sistemas de saúde em diversos países. Começam pela crítica ao atual modelo, que chamam de competição de resultado de soma zero. Os usuários querem pagar o mínimo possível e obter tudo, os planos e seguros querem cobrar o máximo e gastar o mínimo, os hospitais e laboratórios querem fazer tudo o que for possível, cobrando o máximo que puderem. Há indústrias de tecnologias em diagnóstico e tratamento gerando sempre novidades mais caras, raramente em substituição, geralmente em adição a outras já em uso. Os custos crescem acima de qualquer posssibilidade de financiamento. Nem sempre o resultado obtido é proporcional ao acréscimo do custo adicionado.
Em todo o sistema econômico a competição tem conduzido a aperfeiçoamentos com queda nos custos. Tomemos computadores como exemplo: cada vez melhores, cada vez mais acessíveis. Tem sido assim na saúde e na doença? Uma tentativa de ordenamento já se mostrou insuficiente: foi a de organizar em conjunto protocolos baseados nas melhores evidências científicas existentes para racionalizar, gastando somente o indispensável, usando melhor o dinheiro.
A nova proposta contida no livro, publicado em 2006 e traduzido no Brasil em 2007, é que se adote competição pelos melhores resultados para os usuários, que constituem o legítimo objetivo final de todo este imenso esforço. Caberia, neste novo modelo, a avaliação e divulgação de indicadores de resultados de cada ator envolvido nas ações da saúde. Os melhores seriam premiados com maior volume de encaminhamentos. Busca-se aqui competição pela qualidade. Se num local um tipo de cirurgia apresenta menor mortalidade, menos complicações, menor índice de infecção, menos tempo de UTI e permanência hospitalar, este serviço deve receber mais encaminhamentos. Os de piores resultados passarão a dirigir esforços para melhorar seus indicadores, condição de receber mais clientela. Outros sairão do mercado.
A ação que é proposta responsabiliza o prestador pela obtenção do melhor resultado, o pagador por identificar e encaminhar usuários para onde houver maior eficácia. E a população deverá responsabilizar-se por sua saúde. O novo modelo proposto pretende ações em todo o ciclo da vida, não apenas na doença. Trabalhar por hábitos de vida saudáveis, identificar fatores de risco, quando houver, e reduzi-los o quanto possível, adotar os tratamentos e medidas indicados com acompanhamento, tudo isso levará ao melhor estado de saúde de toda população, para que se viva mais e melhor.
Gastos são multiplicados por uso excessivo, uso insuficiente, uso desnecessário, uso aqui errado, uso repetido e duplicado. Muitas vezes, internações hospitalares se repetem e são onerosas, porque o tratamento ou as melhores medidas não foram adotados.
Os céticos poderão dizer que é utópico, irreal, muito bonito mas inatingível. No entanto, como está agora, não há como resolver. Mais dinheiro na lógica atual não será nunca o bastante. Melhorar o uso do dinheiro, quem sabe?
*Flávio José Kanter é médico e cooperado da Unimed Porto Alegre.
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