O recente Balanço Observatório Anahp e o próprio relatório anual da entidade são duas fontes muito ricas para quem deseja analisar indicadores, identificar suas influências nos resultados, e delinear tendências para o segmento de saúde nos próximos meses. No cenário dos hospitais privados, por exemplo, o balanço revela que o caixa dos prestadores de serviços seguiu bastante apertado no último ano, resultado da combinação do aumento de glosas, maiores atrasos nos pagamentos e aumento nos prazos de recebimento. Veja:
⮚ As glosas atingiram seu maior nível histórico, tanto as iniciais quanto as finais, chegando a 8,6% e 7,6%, respectivamente. Ao analisar o indicador somente com hospitais afiliados da Anahp, a glosa inicial pula para 11,9%, refletindo o que temos acompanhado no mercado.
⮚ Os atrasos em pagamentos devidos chegaram a R$ 2,5 bilhões, 6% da receita bruta do período, um aumento de R$ 0,6 bilhões em relação ao ano passado e quase o dobro do padrão histórico de 3,5%.
⮚ Já o prazo médio de recebimento seguiu em alta, atingindo 76 dias para os hospitais Anahp (+3 dias em relação a 2022), tendência que deve seguir nos próximos períodos.
Esses desafios financeiros são consequência da pressão contínua exercida por operadoras nas negociações com prestadores. Essa pressão é resultado da conjuntura desafiadora caracterizada pela alta sinistralidade e baixo resultado líquido operacional, impactando diretamente o fluxo de caixa.
Desta forma, prestadores reduziram seus investimentos no período. De acordo com o relatório, apenas 27% a 37% do investimento previsto em 2023 pelos players foi efetivamente realizado.
Apesar desses obstáculos, prestadores afiliados à Anahp têm buscado otimizar suas operações, aumentando a taxa de ocupação (chegando a 76,9% em 2023) e a rotatividade dos leitos (apresentando tempo médio de permanência de 4,1 dias em 2023). Com a maior rotatividade e ocupação, a representatividade de diárias e taxas dentro da receita bruta aumentou para 25%, um aumento de 180 bps em relação ao ano anterior.
Esforços significativos foram direcionados para ampliar a eficiência de pessoal próprio e automatizar processos, resultando em uma redução na representatividade de custo com pessoal de 42% para 36,7%. Na Alvarez & Marsal Healthcare, inclusive, temos ajudado muitos de nossos clientes a trazer maior valor agregado ao paciente, com ações para aproximar o pessoal de enfermagem ao paciente, reduzir tarefas redundantes e automatizar processos de baixo valor agregado.
Finalmente, o relatório também demonstra aumento da representatividade de materiais e medicamentos, incluindo OPME, em 280 bps, enquanto honorários médicos aumentaram em 130 bps. Com um grande foco recente na redução do custo de pessoal, impulsionado por movimentações regulatórias, a representatividade dessas linhas aumentou, mas a despesa como um todo por paciente caiu para R$ 5.500, uma redução de R$ 600. De qualquer forma, esses custos podem ser otimizados com trabalhos de gestão eficiente, alinhamento de interesses e modelos de remuneração em busca de otimizar as operações.
Em resumo, apesar dos desafios enfrentados, os hospitais privados têm demonstrado resiliência e capacidade de adaptação, uma vez que a receita por paciente dia chegou a R$ 6.500 no último ano, aumento de apenas R$ 100 e próximo aos patamares de 2020 (de R$ 6.600), mas indicando melhoria na margem por paciente dia.
Saúde suplementar: um panorama adicional de 2023
O relatório apresenta um resumo dos principais indicadores relacionados às operadoras de planos de saúde, evidenciando as persistentes pressões e desafios financeiros enfrentados pelo setor. Destaca-se que o reajuste dos planos empresariais alcançou o mais alto nível da série indicada, atingindo 18,3%, impulsionado principalmente por contratos de pequeno porte.
O resultado líquido retornou a ter um saldo positivo, atingindo 1,1%, porém permanece como o mais baixo da série indicada (2014-2023), com exceção do ano anterior. É relevante destacar que 31% das operadoras ainda registraram resultados negativos. Quanto ao VCMH (Variação do Custo Médico Hospitalar), apesar de ainda acima do IPCA, apresentou sua menor taxa desde 2014, 8,78%, (desconsiderando 2020, por conta da pandemia), segundo estudo divulgado pelo balanço.
O número total de beneficiários finalmente ultrapassou o pico de 2014, alcançando um total de 51.200. Esse resultado foi impulsionado no último ano por planos com algum mecanismo de regulação de utilização, à medida que planos sem esses mecanismos reduziram sua participação de 40,6% para 39,9% do total.
Essa tendência representa um movimento significativo no setor e é provável que tenha um impacto direto nos prestadores de serviços. Observamos que 64% dos planos ativos agora incluem coparticipação, em comparação com 60% do total de planos. Prevemos que essa tendência continuará nos próximos períodos com a busca dos clientes por equilíbrio financeiro com planos mais acessíveis, diante do alto nível de reajustes aplicados.
Perspectivas para os próximos meses
Pelo cenário apresentado, é possível antever algumas perspectivas importantes para os próximos meses. Com base nesses indicadores e tendências, é fundamental que os hospitais privados persistam na busca por soluções para mitigar a pressão exercida pelas operadoras em suas finanças, otimizando seu ciclo de receita, mantendo um enfoque contínuo na eficiência operacional e na melhoria da experiência do paciente.
Nesse contexto, é esperado um contínuo esforço na redução de custos, principalmente por meio da otimização e automação de processos. Além disso, uma gestão mais eficaz de materiais e medicamentos, bem como dos ativos médicos, deve ganhar ainda mais destaque nas discussões sobre eficiência. É fundamental encontrar um equilíbrio entre essas iniciativas e a qualidade e o nível de serviço prestado, pois isso será primordial para diferenciar os prestadores de serviços de saúde.
Por fim, é relevante ressaltar que estaremos atentos à divulgação do Observatório Anahp 2024 completo em maio. Este relatório oferecerá dados mais abrangentes e atualizados sobre o cenário da saúde no Brasil, o que será fundamental para embasar decisões estratégicas e identificar oportunidades de otimização no setor de saúde.
*Caio Moreira é diretor de Healthcare da A&M (Alvarez & Marsal).