Entendimento exige muito diálogo. Isto é particularmente verdade no setor da Saúde, no qual muitos atores se inter-relacionam, cada qual com interesses bastante distintos, mas com o objetivo comum de crescer. Há, no entanto, um sério agravante: o que está em jogo vai muito além do bem estar financeiro dos hospitais, operadoras, indústrias e outros players, pois neste setor, o que mais importa é a saúde dos pacientes.Com isso em vista, a Revista FH reuniu para o IT Mídia Debate dois elos do setor cujo diálogo deve se intensificar ainda mais nos próximos anos.,13,Hospitais e instituições assistenciais de um lado e desenvolvedores de soluções de tecnologia da informação (TI) do outro. No centro da mesa, a ciência de que o ?hospital digital? trará muitos ganhos para profissionais e pacientes, mas também de que há muitos desafios a serem superados. Perguntas não faltam. Que soluções podem realmente atender demandas tão particulares como as dos gestores hospitalares? Como integrar ferramentas de diferentes fabricantes? E como estendê-las de departamentos operacionais para o corpo clínico? É possível incentivar médicos, enfermeiros e outros profissionais a adotarem a tecnologia? Como capacitá-los para isso? De que forma traduzir suas necessidades em conceitos compreensíveis não só para os fabricantes, mas também para os próprios departamentos internos de TI? Como atender ambas as partes? Para o consultor na área de planos de saúde e hospitais e sócio diretor da 2iM, Cesar Abicalaffe, muitas vezes o que está sendo produzido pelos desenvolvedores de TI não atende aos gestores, o que gera grande ansiedade.,13,O ?gap? está justamente no levantamento e compilação de informações, geradas em diversas ferramentas, e não apenas no sistema de gestão corporativo (ERP). ?Quando os gestores vão buscar as informações no sistema o esforço é muito grande. São relatórios extensos que exigem muito para se trabalhar.?Com as organizações hospitalares crescendo a passos largos, e cada vez mais auditorias exigindo controles internos, a importância de consolidar dados cresce para atender iniciativas de compliance. A necessidade das organizações profissionalizarem o processo de gestão é maior que nunca, ponderou o diretor geral da MV, Luciano Regus, que aponta para a tecnologia como um grande aliado.?Uma organização que busca crescimento sustentável e estável deve ter uma TI muito alinhada com essa questão. Os diretores estão se especializando muito em gestão, e nós de TI temos que chegar mais junto para conseguir suportar temas estratégicos: geração de receita, gestão de custos, qualidade estratégica?, delineou o executivo, que também reconheceu que há um ?paradigma de que muitas vezes a TI fica muito presa à infraestrutura e falta sensibilidade, formando um vazio que só vai ser preenchido ao longo dos anos?. E será inevitável: a TI vai passar a ter um papel cada vez mais importante nas organizações de saúde, assim como o compliance, concordou a diretora de marketing e vendas da Philips Healthcare para a América Latina, Ana Luiza Oliveira. ?A pressão de mercado vai acontecer e a gestão vai ser mais necessária?, disse, mas há uma diferença fundamental. ?Esses aspectos são muito vivos dentro da indústria, mas a questão da vida é diferente. Fazer um saco de biscoito na Nestlé é diferente.,13,O aspecto clínico traz à gestão uma outra dimensão.?O diretor médico de informática do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), Kaio Bin, concorda com os pares da indústria, mas prefere ver a questão de um ponto de vista mais prático. Para ele, o principal ponto na relação entre fornecedores e consumidores de TI na Saúde é a transparência. ?Não tem coisa pior ao negociar com um fornecedor do que quando me sinto tapeado, enganado, e fica alguma coisa no ar?, ponderou.Segundo ele, não são raros os casos de fornecedores que simplesmente evitam o diálogo, mesmo durante negociações comerciais. ?É muito importante essa transparência, porque sem isso não tem confiança, nem parceria. O fornecedor tem que entender que quem contrata não é burro, sabe dos problemas do mercado. Queremos ajudar. Se nosso parceiro cair, caímos junto. Não queremos que ele caia, mas sem saber o que ele tem, como posso ajudar??,13,Água fria,13,Mobilidade e automação operacional são as tecnologias que causarão maior impacto no segmento de saúde nos próximos anos, ou pelo menos assim pensam a maioria dos 167 CIOs respondentes da pesquisa Antes da TI, a Estratégia na Saúde, realizada pela IT Mídia em parceria com consultores de mercado. Mas será que esses realmente são temas prioritários, e em que ordem eles aparecem nos planos de investimento dos gestores?Antes de falar em gastos é preciso voltar a alguns conceitos preliminares, acredita Regus, da MV. Os projetos, por exemplo, precisam amadurecer, privilegiando as etapas iniciais de definição dos processos. Isso porque os hospitais possuem estruturas muito distintas, ainda mais se consideradas diferenças regionais entre São Paulo e o resto do Brasil.
Traduzindo: nem todos estão prontos para falar de automação ou mobilidade, quanto mais escolher em qual investir primeiro.?Infraestrutura em um hospital é uma questão muito crítica?, concordou Ana Luiza. ?Para pensar em mobilidade, por exemplo, o hospital precisa ter WiFi de altíssima qualidade. Somos fornecedores de software, mas às vezes, quando vamos dar palpite, o hospital precisa ouvir.?Ana conta que a Philips Healthcare lançou, durante a última Feira Hospitalar, um portfólio de mobilidade cujo objetivo é quebrar a resistência contra as tecnologias móveis. Considerando que atualmente 60% dos celulares vendidos no Brasil são smartphones, o próximo passo é tornar os aplicativos mais simpáticos para os usuários. ?Se tivermos infraestrutura, não há porque não deixar a tecnologia mais palatável e aumentar a adoção.?Abicalaffe prefere abordar outro aspecto. Se a automação e a mobilidade são inevitáveis em um futuro de médio e longo prazo, o que exatamente será automatizado? Sem esta consciência clara, os erros serão inevitáveis. ?O que efetivamente deve ser feito, que tipo de dados e processos serão automatizados para trazer alguma resposta efetiva para quem precisa tomar decisão, seja médico ou gestor??, disse.,13,Um dos caminhos para a resposta desta pergunta vem do Icesp. ?Quando cheguei ao hospital, a antiga diretoria era muito inovadora, queriam tablets na enfermaria, mas não havia nenhum processo. O primeiro passo que o Icesp tinha que dar era consolidá-los, fazer que todo mundo visse a importância da TI.?Antes disto, explica Kaio Bin, o departamento de TI era uma espécie de bode expiatório. Somente no momento em que a consciência da importância estratégica da TI nos processos de assistência ganhou corpo é que ?as coisas começaram a andar com mais velocidade?. Quando foram disponibilizados eletronicamente, os dados surtiram efeito para a gestão do hospital e, depois, migraram naturalmente para a mobilidade e automação.Atualmente, o Icesp sustenta um processo de mobilidade que triangula equipes de emergência do hospital. Qualquer membro da equipe de assistência pode ?convocar? a equipe médica por telefone, que responde ao chamado em até três minutos. Apesar disso, e por mais óbvia que pareça, nem toda tendência tecnológica está fadada ao sucesso. ?O tablet não virou moda e não foi bem avaliado pela equipe de enfermagem porque elas não gostaram de não sentir o teclado e o mouse. Mas um dia a gente pode caminhar para isso?, disse Bin.,13,Formação,13, ,13, Os executivos que participaram do IT Mídia Debate concordaram em um ponto a respeito das dificuldades no diálogo entre fornecedores e instituições: a falta de uma formação híbrida dos profissionais que contratam e também dos que desenvolvem sistemas para essa área. De um lado, médicos sem noção exata dos limites e recursos dos sistemas de TI; de outro, desenvolvedores com pouca ou nenhum conhecimento das necessidades práticas de um processo hospitalar.?Ter colaboradores que entendam do negócio saúde é fundamental?, ponderou Abicalaffe. Regus traça um perfil médio ideal para o profissional de TI hospitalar: bom conhecimento de gestão de TI, um pouco de medicina e também gestão empresarial, de modo a traduzir a linguagem de resultado. Afinal, também deve ser considerado o lado da eficiência operacional da organização que precisa alcançar lucro e controlar custos. Kaio Bin chega a traçar um paralelo entre a formação dos profissionais brasileiros e de outros países. Na Inglaterra, disse, é muito comum, durante o período de formação do médico, haver aulas de administração e gestão empresarial, enquanto no Brasil costumam se tratar de ?disciplinas optativas e quase sempre vazias?.?TI é uma área operacional?, defendeu Bin. ?O gestor tem de reconhecer que não entende nada de tecnologia. Tenho uma gerente especialista em TI, e nosso fator em comum é a linguagem processual.?Regus concorda. Para ele, é preciso reconhecer falhas e criar processos que tornem o relacionamento mais fácil.,13,O caminho seria contar com médicos na equipe de desenvolvimento. No caso da MV, o chefe médico de produtos desenvolveu softwares por dez anos. Ana Luiza, da Philips Healthcare, segue pelo mesmo caminho. A companhia conta com 400 médicos globalmente, focados principalmente em inovação, esforço necessário para uma divisão que produz atualmente cerca de 40% da receita global da companhia. ?A pesquisa na Philips é pesada e está impulsionando nossa inovação?, disse.Apesar das dificuldades, há luz no fim do túnel. Abicalaffe observa novos cursos surgindo. ?Informática em biomedicina, por exemplo. Há um movimento dentro das universidades de unir conhecimento em medicina e TI.? Mudança também percebida no próprio mercado pelo diretor geral da MV. Classicamente os gestores de TI dos hospitais fazem o relacionamento com os fornecedores, mas tem despontado uma safra de médicos responsáveis, tendência ?particularmente muito boa. Vamos entrar em um viés mais aprofundado da área assistencial, e isto ajuda muito?, complementa Regus.,13,Ponta a ponta,13,Talvez essa renovação profissional seja o impulso que falta para que os sistemas hospitalares, hoje em sua maioria focados em processos de gestão e faturamento, migrem também para as áreas assistenciais. O cerne da questão, para Abicalaffe, é que com os hospitais e o número de convênios médicos crescendo, ou seja, com a complexidade do mercado cada vez maior, o foco na operação adquira caráter de urgência. ?Existe um desalinhamento do que precisa ser feito pela preocupação com as receitas do negócio, e algumas instituições esquecem que o verdadeiro negócio é a saúde do paciente?, opinou o consultor.,13,E não seria um investimento sem retorno, ponderou Ana Luiza. Quanto maior o percentual de uso clínico de um sistema, maior a satisfação. Segundo ela, apenas 30% da carteira de clientes da Philips Healthcare utilizam recursos assistenciais do portfólio, mas são justamente eles os mais satisfeitos. Regus confirma a tendência na MV: um ?bom volume? de hospitais no Brasil, principalmente acreditados com ONA 3 e com ciclos de qualidade para análise de corpo clínico, estariam puxando a curva de adoção para cima. Claro que esse avanço não vem sem problemas, principalmente de ordem cultural. ?Deixar claro o valor que essas soluções agregam é essencial para quebrar barreiras, que só é conseguida através da entrega de resultados. No meu ponto de vista não tem muito chabu: tem que entregar. Não só para não perder a conta, mas para honrar a confiança. Por mais difícil que seja migrar um sistema hoje, o cliente sempre tem essa opção?, ponderou Ana.Para qualquer empresa, adotar uma nova solução implica treinamento, disse Luciano Regus. Para isso o prestador precisa estar preparado, pois não há um processo de mudança sem dificuldades.,13,Na prática,13,?Todos somos humanos com uma característica em comum: medo daquilo que não conhecemos?, ponderou Kaio Bin. Para ele, é natural haver resistências, mais ainda quando se trata do corpo clínico, que julga ser sua primordial responsabilidade cuidar do paciente, e não alimentar um sistema. ?Se for cirurgião ele precisa chegar ao centro cirúrgico, operar, medicar etc, e depois vai pra casa. Em algum momento ele usou um computador? Não precisou. Na graduação aprendemos a lidar com a vida humana nas condições mais escassas, e em nenhuma delas é preciso usar um teclado. Como convencê-lo de que ele precisa registrar??Outro fator: algumas instituições usam sistemas de TI para colher dados dos procedimentos médicos e se resguardar de eventuais erros.,13,Para o gestor do Icesp, os ?sistemas dedo-duro? desestimulam e são capazes de afugentar equipes inteiras.Mas nem tudo são problemas. Bin aponta como pontos positivos do processo de implantação a distância entre fornecedores e usuários finais ? com a instituição intermediando qualquer tipo de relação. Além disso, corpos clínicos fechados costumam ser menos resistentes pelo compromisso que assumem com a instituição. ?No Icesp os residentes são os mais desinteressados?, citou o gestor.Além disso, é necessário oferecer estímulos.,13,No Instituto do Câncer, por exemplo, o uso de prontuário eletrônico deslanchou quando os médicos começaram a pedir dados para apresentar em um congresso. ?Em 5 minutos as pesquisas estavam prontas. Foi quando a gente ganhou a força para implantar de vez?, contou.Por último há os fundamentais benefícios para os pacientes. Eles sentem diferença quando veem um sistema bem implantado, com informações disponíveis para todos os níveis do hospital. ?No começo eu achava que não fazia diferença, até que uma [paciente] disse que se sentiu mais segura?, disse. ?Acredito que os benefícios são infinitos, só falta fazer propaganda.?,13, ,13,