Mas o médico não pode atender pacientes remotamente em substituição a um atendimento presencial.

Em tese, eu acredito que a tecnologia tem o potencial de permitir ao médico conduzir absolutamente todas as suas atividades remotamente, desde fazer um diagnóstico até entrar em campo e participar de uma cirurgia de alta complexidade. Eu sou um entusiasta da telemedicina. Mas tendo em vista o atual estágio de adoção de tecnologia, eu aceito ser menos ambicioso. Com a tecnologia que temos hoje, eu acredito que já seja possível pelo menos educar e orientar pacientes à distância com relação aos seus problemas de saúde específicos.

Uma dificuldade para os médicos tem sido definir os limites entre uma “orientação” e uma “consulta”. Pensando nisso, pensamos em sugerir algumas regras gerais, já que o código de ética médica e outras resoluções do CFM e CRMs são um tanto obscuras e sujeitas a diferentes interpretações. Lembramos que as orientações abaixo servem tanto para interações online (internet/smartphones), como para as velhas e conhecidas interações por telefone. Apesar de aparentemente diferentes, não existe fundamentalmente nenhuma diferença entre interações online e conversas por telefone. Todas são interações remotas.

Consultas

Uma interação remota deve ser considerada uma “consulta” quando resulta em um diagnóstico preciso e na prescrição de um tratamento definitivo (i.e, médico e paciente não se encontrarão mais no consultório). Consultas remotas são claramente proibidas no Brasil hoje e devem ser prontamente evitadas, independentemente de o médico e o paciente já terem tido ou não uma consulta prévia de consultório.

Orientações

Uma interação remota deve ser considerada uma “orientação” nas seguintes situações:

  •  A interação resulta em um conjunto de hipóteses diagnósticas que podem ou não ser acompanhadas da prescrição de um tratamento sintomático temporário para ser utilizado até que o paciente possa encontrar o seu médico novamente no consultório. Este é o caso típico de interações remotas conduzidas por pediatras.
  • A interação tem por objetivo fazer ajustes de doses de medicamentos em um tratamento que requer visitas regulares ao consultório. Este é o caso típico de interações por especialistas de doenças crônicas (neurologistas, cardiologistas, etc.)
  • A interação tem por objetivo transmitir ao médico resultados de exames. Ao receber os resultados, o médico pode redirecionar a conduta à distância, conquanto a nova conduta tenha sido considerada e explanada em consulta presencial prévia.
  • A interação ocorre entre médico e paciente que não se conhecem e nunca tiveram nenhuma consulta presencial, mas não resulta na definição de nenhum diagnóstico (embora hipóteses teóricas possam ser aventadas para efeitos de educação em saúde do paciente), nem na prescrição de nenhum medicamento ou conduta (embora condutas caseiras e medicamentos que não exijam prescrição possam ser sugeridos por um período de observação). Este é o tipo de interação que ocorre em revistas, sites de perguntas e respostas, programas de rádio e televisão, etc. Idealmente, tais interações devem ser acompanhadas da orientação de buscar um médico, através de uma consulta presencial, para que o paciente possa obter um diagnóstico preciso e receber condutas específicas para a sua situação.

É importante ter em mente que jamais um médico deve se sentir impedido de se comunicar com seus pacientes por medo de críticas ou de riscos regulatórios. Se negar a interagir com seus pacientes remotamente e restringir as interações apenas ao ambiente de consultório traz muito mais ricos do que benefícios ao paciente, que deixa de receber uma orientação (nem que esta seja a de retornar ao consultório), ficando à mercê de informações da mídia leiga, familiares e amigos.

Sempre foi papel do médico orientar e educar seus pacientes sobre saúde. Infelizmente, com uma remuneração cada vez mais baixa e consultas cada vez mais curtas, a educação de pacientes se tornou secundária no dia-a-dia de muitos médicos. Felizmente, a tecnologia está cada vez mais simples e cada vez mais apta a conectar médicos e pacientes, permitindo orientações à distância. Resta agora que pagadores (operadoras de planos de saúde e governo) percebam o valor de conectar médicos e pacientes online e remunerem os médicos por esse tipo de interação. Não apenas isso aumenta o engajamento de pacientes no tratamento, como aumenta resolutividade e a satisfação de médicos e pacientes. Além disso, quando bem utilizadas, as interações remotas entre médicos e pacientes diminuem internações hospitalares e diminuem custos. A tecnologia está disponível e a necessidade existe. É hora da comunidade médica assumir o seu papel no mundo online. Bem-vindos à era do médico virtualista!