Em novembro, um jovem que havia declarado ter sido portador de leucemia ao preencher uma ficha de adesão, em 2003, recebeu sentença favorável do Superior Tribunal de Justiça. O STJ estabeleceu que a Companhia de Seguros Aliança do Brasil e o Banco do Brasil deveriam pagar uma indenização de R$ 10 mil reais, por dano moral.
Na época, a empresa que contratara o estudante de publicidade como estagiário, oferecia no rol de seus benefícios um seguro contra acidentes pessoais com a Aliança do Brasil, vinculada ao BB. De boa fé, o rapaz relatou a doença e a seguradora se recusou a aceitá-lo, alegando doença preexistente, mesmo com a entrega do atestado médico, que comprovava a sua cura. O jovem, então, ajuizou ação indenizatória contra a seguradora e o Banco do Brasil, entendendo que a recusa era ilegítima. Entre seus argumentos, dizia que o seguro poderia até excluir a cobertura para a leucemia já curada, mas não poderia excluí-lo por outros riscos.
A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, afirmou: ?Conquanto o direito securitário tenha notório viés econômico, é inegável que também apresenta acentuado componente social.
Invocando os princípios da liberdade de contratar, a seguradora e o banco contestaram. Depois de idas e vindas ao longo de nove anos, com sentenças que favoreciam os réus, finalmente, um recurso especial no STJ fez valer o direito do cidadão. A exemplo do que ocorre no âmbito da Saúde (sentenças que impedem a recusa por doenças preexistentes e estipulam prazos de carência de dois anos, entre outras), o Supremo também não está mais permitindo a rescisão de seguro de vida de idoso que contribuiu por muitos anos, seguindo, analogamente, a Lei 9.656/98 – que regulamenta o exercício dos planos de saúde – e seu artigo 14: Em razão da idade do consumidor, ou da condição de pessoa portadora de deficiência, ninguém pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde. E, na mesma linha, proibindo a rescisão unilateral aplicada aos planos de saúde.
Além disso, o art. 39, incisos II e IX do Código de Defesa do Consumidor diz: É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais.
Felizmente, toda forma de discriminação tem sido vetada pelo Judiciário e os contratos de má-fé, abusivos e de mão única estão fadados ao insucesso.
Indignar-se é saudável
Na análise do recurso citado, a relatora destacou a indignação do jovem, que nem havia apelado para fazer cumprir a obrigatoriedade do contrato (o que já justificaria seu pedido de indenização), mas sim, pelo fato de sua situação ter sido exposta aos colegas de trabalho e chefias: ?a sua condição de ex-enfermo, que em princípio diria respeito somente a ele, foi exposta à coletividade com especial conotação limitativa?.
Os dez mil reais da indenização podem parecer uma quantia irrisória, a ministra considerou o valor justo, apresentando diferentes justificativas. Como a questão aqui não é simplesmente financeira, mesmo que seja uma pequena quantia, ela representa um grande avanço da justiça.
?A recusa da contratação, portanto, é possível, mas apenas em hipóteses verdadeiramente excepcionais. Rejeitar um consumidor, sem oferecer-lhe alternativas viáveis para a contratação, mediante o envio de mera missiva-padrão com a justificativa, em uma única linha, de doença preexistente, não é razoável?, concluiu a relatora.
Mesmo com os avanços da Justiça brasileira e dos órgãos de defesa do consumidor, que criaram medidas de proteção, não podemos abandonar nunca o sentimento de indignação diante do que não é justo e de formas indignas de tratar um ser humano, que não pede para adoecer e nem escolhe a doença. A indignação é uma forma saudável de mostrar que estamos vivos e atentos.