Dentro do universo de profissionais que atuam nas organizações de saúde, não é incomum se observarem mudanças de perfil de atuação e novas expectativas acerca de funções antes inexistentes. Com os profissionais de Farmácia que atuam nessas organizações, principalmente hospitais, isso é particularmente interessante de se perceber.
Atuando em hospitais desde o século XVIII, inclusive no Brasil (através das Santas Casas), a farmácia era considerada estratégica na manipulação dos poucos recursos materiais existentes em benefício dos doentes ali internados (manipulação de produtos e, principalmente, preparação de drogas a partir de ervas cultivadas na própria instituição). Com o processo de industrialização em escala mundial, os medicamentos começaram a ser utilizados já prontos para uso, dispensando a manipulação e a dose individualizada. Com isso, praticamente deixou de existir a figura do farmacêutico hospitalar.
Na década de sessenta houve um ressurgimento dessa figura nos Estados Unidos, agora imbuído na função de ?expert? em relação aos estudos farmacológicos das drogas, e passando a ocupar novamente seu espaço no processo assistencial, principalmente no estudo das interações entre drogas-pacientes e seus resultados clínicos. No Brasil, a re-incorporação nesses moldes só voltou a ser celebrada em finais da década de setenta, a esta altura tendo sido dada grande ênfase à formação do profissional em farmácia para atuar em análises clínicas, com prejuízos na capacitação e exercício da atividade farmacêutica aonde ela talvez seja mais importante: no dia a dia com os pacientes.
A recuperação do espaço de atuação e, novamente, sua função determinante na rotina hospitalar, vem se dando de forma arrastada e lenta. A despeito da legislação vigente, muitos estabelecimentos hospitalares ainda não contam com farmacêutico nos horários determinados pela lei, e entre os hospitais que mantém em funcionamento o Serviço de Farmácia Hospitalar, boa parte deles se resume à dispensação e controle de estoques, por absoluta falta de interesse das altas direções em investir na formação/capacitação de equipe, adequação de espaços físicos, informatização, e delegação de responsabilidades, dentre outros. No contexto da assistência à saúde, é natural que a liderança em processos que dizem respeito à interação droga-paciente seja uma atribuição deste profissional, naturalmente capacitado a fazer a eleição dos melhores itens àquele paciente e àquela organização, preferencialmente com a participação e anuência da equipe multi-assistencial. É também natural que a função de farmacovigilância (que responde nos Estados Unidos pela terceira maior causa de morbidade dentre todas as causas intra-hospitalares), seja conduzida pelo farmacêutico, que tem a formação natural para tal. Entretanto, distorções acerca dessas atividades são freqüentes, e podem abalar zonas de conforto de alguns setores dentro da organização. Em nosso meio é muito comum que decisões de uma Comissão de Farmácia e Terapia, por exemplo, sejam solenemente ignoradas pela alta direção por conflitar com interesses bem estabelecidos.
Além disso, é interessante notar que vivemos um paradoxo dentro do complexo farmacêutico-industrial no país: somos a sétima economia do planeta, o quarto maior mercado consumidor de medicamentos, a nação com a maior biodiversidade em espécimes vegetais (muitos dos quais ainda por serem identificados) com finalidades terapêuticas, e no entanto ainda importamos a maior parte das drogas que usamos.
Por essa e por outras, que a farmácia hospitalar está sempre em transformação. Mas a sua atuação clínica-assistencial jamais deverá ser negligenciada por nenhum membro da organização. Ao contrário: quanto mais atuante o setor, melhores são os indicadores de transparência e governança clínica. Afinal, a razão de ser da boa prática assistencial será sempre o paciente.
Parabéns a todos os farmacêuticos, principalmente os hospitalares, pelo seu dia. E que consigam prosseguir em sua missão de auxiliar de forma crucial para uma melhor assistência nas nossas unidades de saúde.