O que está ocorrendo com os médicos no sistema de saúde é apenas ?a ponta do iceberg?.
- A ?greve branca? dos médicos suspendendo atendimento de convênios ecoa em outras classes profissionais:
- Vários hospitais públicos, onde não existe a facilidade do ?turn-over?, são afetados por greves;
Nos hospitais privados a desmotivação dos funcionários fica evidente na qualidade do atendimento. Milhares de vagas de médicos estão abertas sem profissionais que se interessem em ocupá-las, e isso ecoa em milhares de vagas de profissionais multidisciplinares e administrativos onde os hospitais passaram a disputar os bons candidatos ?a tapa?.
Fiquei recentemente alguns dias internado e senti na pele (e não de modo figurado) o baixo nível dos profissionais menos especializados e, principalmente, a falta de supervisão dos profissionais mais graduados. Os mais graduados são tão poucos que não têm tempo para supervisionar de perto os demais: isso se chama ?risco ao paciente?.
A escassez de bons profissionais no segmento da saúde é fato, e não se restringe aos profissionais assistenciais: toda a cadeia de valores está comprometida. Na área pública o governo erra na saúde da mesma forma que erra em outros segmentos:
- Inaugura um serviço de saúde atrás do outro, e não investe no desenvolvimento dos servidores que já estão empregados há muito tempo nos serviços de saúde existentes;
- Além do problema visível de que os serviços de saúde antigos vão perdendo em eficiência, nas mãos de servidores que não se atualizam e vão perdendo a motivação gradativamente, existe um círculo vicioso invisível: o mais antigo pouco qualificado treina de forma inadequada o mais novo.
A área privada ?caiu numa grande cilada?: não consegue adequar seus preços aos crescentes custos, especialmente o da ?inflação tecnológica?.
Quando iniciei minha carreira trabalhei em uma empresa de previdência e aprendi o que significa atuária, e como se calcula o prêmio de um seguro em função do benefício.
A ?grande cilada? é que como os preços dos planos foram calculados para uma massa populacional e custos operacionais muito diferentes da realidade atual, deveriam ser objeto de reanálise e não de reajuste indexado da forma como ocorre. Reajuste linear definido (ou autorizado) da forma como tem sido feito ?é um crime?: o cálculo atuarial deixa de ser a base, e a saúde passa a ser tratada como ?commodity? !
Não é possível definir de forma genérica o impacto de uma alteração no Rol da ANS. Para cada operadora, para cada serviço de saúde, o impacto pode ser diferente. Então como se pode, por exemplo, autorizar um reajuste linear de preço para todos os convênios ?
A cada dia uma nova regulação, um novo material, uma nova técnica ? algo novo na medicina traz um custo que não existia antes. Não é questão de reajustar o preço do que estava na planilha de custo, e sim da incorporação de um novo elemento de custo. Mas o sistema teima em reajustar o preço como se reajusta o ?preço do pãozinho francês?.
Então o sistema força os dois lados de uma relação nada muito amistosa (provedor e prestador do serviço) a cortar custos onde eles conseguem o maior impacto: os salários. E o resultado é o que estamos assistindo:
- Ou falta médico, enfermeiro, etc., ou a vaga é preenchida por quem se sujeita, geralmente profissional iniciando carreira, com menos especialização;
- O profissional da recepção pensa duas vezes se é melhor trabalhar no hospital ou no hotel;
Os profissionais de tecnologia então nem se fala. Vão para a indústria ao invés de trabalhar em um ambiente de ?alta pressão 24 x 7?.
Se importar médico é solução para suprir as vagas em serviços de saúde vamos necessitar importar também profissionais de outras formações ? e não são poucos!
Vale a pena ouvir o que os próprios profissionais de saúde pedem há muito tempo:
- Incentivo para atualização dos que atuam no segmento (treinamento, reciclagem, oportunidade de crescimento), tanto na área privada quanto na pública;
- Reformar e reequipar serviços de saúde públicos existentes, além de inaugurar os novos;
- Redefinir preços em função dos custos reais, e não em reajustes lineares de preços ? e assim poder remunerar e dar condições de trabalho dignas aos profissionais que atuam no segmento.
Ao contrário da ?commodity? a saúde é ?cara? e vai ficando cada vez mais ?cara? ao longo do tempo. A escala não diminui o preço, infelizmente. Não dá para continuar compensando o custo de um novo teste exigido por uma nova regulamentação na base da limitação do salário ou no corte do investimento em desenvolvimento do profissional de saúde!