Nas próximas postagens, ilustrarei um pouco nossa realidade e desafios através de programas genuinamente brasileiros de Medicina Hospitalar (MH). Ao iniciar por Rio Grande do Sul e Santa Catarina, presto aqui uma homenagem aos dois estados onde se deflagrou o movimento organizado de médicos hospitalistas que hoje atinge o Brasil de “sul a
norte”.

Serão detalhados agora três programas, destacados levando-se em conta o bom conhecimento que tenho de oito iniciativas na região sul com hospitalistas. Estimulo que complementem e acrescentem ao final, através de Comentários. Após mais uma rodada de cases (próxima região a definir), discutirei genericamente dificuldades ou aspectos importantes a serem melhorados na abrangência destas duas áreas. A intenção é percorrer o país.

Hospitalistas no Hospital Santa Izabel de Blumenau

O HSI é um hospital filantrópico, que foi entregue a população catarinense em 1916. Na época, contava com dois salões com 20 leitos cada. Hoje, conta com mais de 20 mil metros quadrados de área construída e possui cerca de 250 leitos. O programa de MH do HSI surgiu em 2009, tendo sido a semente plantada por Roger Pirath Rodrigues, médico do corpo clínico que fez sua especialização em Porto Alegre, quando foi um dos fundadores do Grupo de Estudos e Atualização em Medicina Hospitalar (2004). A convite de Roger, participei no primeiro semestre de 2009 do primeiro evento em SC a discutir MH, ocorrido no próprio HSI. Logo após, com a colaboração de Vilson Alberti Santin, diretor administrativo e financeiro, Roger e Marianne Ramos de Lima e Silva, hoje hospitalistas, iniciaram o planejamento do programa, o colocando em pleno funcionamento ainda no segundo semestre. Foi muito importante a atuação do Sr. Santin, o administrador, que demonstrou intensa habilidade na cogestão do processo de implantação, não cedendo as pressões que vem transformando “hospitalistas” em meros médicos de retaguarda / auxiliares administrativos em outras instituições brasileiras. Em 2010, realizamos todos o I Encontro Catarinense de Medicina Hospitalar, no Hospital do Pulmão, em Blumenau, já com resultados preliminares do pioneiro projeto e podendo observar outras iniciativas semelhantes brotando em Santa Catarina.

Como era antes no HSI

Pacientes clínicos do SUS eram vistos por médicos variados do corpo clinico do hospital, sem um padrão de equipe estruturada e sem profissionais, além de médicos em treinamento, com obrigação de não somente “passar visita”.

Como funciona a MH do HSI

Estruturou-se uma equipe com quatro part-time hospitalists que divididos garantem coberura diurna integral a pacientes clínicos do SUS e residentes de Clínica Médica. Co-manejam pacientes cirúrgicos.

Resultados

Segundo Roger e Santin, os hospitalistas estão cumprindo seu papel e satisfazendo. Foi feita por eles uma análise de coorte retrospectiva, comparando antes e depois.  A variável estudada foi custos hospitalares, através da média de repasse por AIH do SUS. Foram incluídos 509 pacientes do período pré-hospitalista e 423 pacientes do período pós-hospitalista. Como houve redução do tempo de internação, aumentou a rotatividade de pacientes. Considerando apenas o repasse de AIH´s, houve uma economia de cerca de 100.000 reais, no período de 6 meses. Não foram avaliados gastos com antibióticos, tecnologias e outros serviços auxiliares. Não foi observado aumento da reinternação ou mortalidade dos pacientes, apesar da limitação de não terem sido consideradas para esta conclusão eventuais hospitalizações subsequentes em outras instituições da região. Outro resultado importante que obtiveram diz respeito ao ensino médico, nitidamente favorecido pela presença maior do orientador no dia-a-dia da organização e de seus residentes.

Hospitalistas no Hospital Pompéia de Caxias do Sul

O Pompéia é uma instituição hospitalar filantrópica de 277 leitos, sendo 105 nas unidades de internação adulto do SUS. É um hospital terciário que se propõe a atender pacientes de alta complexidade, onde há uma emergência de referência que atende cerca de 1000 pacientes por mês. O programa de MH do Pompéia foi definitivamente implantado em agosto de 2011.

Como era antes no Pompéia

Idem ao HSI – modelo tradicional

Como funciona a MH do Pompéia

Os hospitalistas iniciaram por um setor de internação de adultos do SUS. Houve necessidade de contratação de quatro médicos para exercerem a atividade, cobrindo 10 horas diárias, de segunda à sexta. Em finais de semana e feriados revezam, “passam visita” e cumprem sobreaviso. Durante as noites, o atendimento é realizado por residentes da Clínica Médica de plantão, havendo igualmente sobreaviso. O grupo passou a oferecer para o hospital um Time de Resposta Rápida para todos os pacientes do SUS, como “Add-on Service” (vide postagem anterior), em clara demonstração de como “o pessoal da MH” pode e deve se relacionar com o que já existe: MH como evolução, e não revolução.

Resultados

Tiago Daltoé, médico hospitalista e com mestrado em epidemiologia hospitalar, também um dos fundadores do Grupo de Estudos e Atualização em Medicina Hospitalar, está preparando para publicação dados que demonstram redução da duração média das internações, aumento de rotatividade, redução de taxa de infecção hospitalar no setor e de mortalidade hospitalar. No Pompéia, foi aplicado ainda um questionário estruturado para avaliar a implantação da MH na perspectiva da enfermagem. 90% dos enfermeiros(as) responderam que houve alguma melhora no atendimento prestado ao paciente.

Comentários adicionais

O exemplo de começar por um pequeno setor e crescer é bastante interessante e deve ser sempre considerado. O programa de MH do Pompéia vem se expandindo naturalmente, não por mandato.

Do grupo de part-time hospitalists, Tiago Daltoé já é hoje praticamente um full-time hospitalist. Venceu primeiramente barreiras pessoais (muito comuns), escolhendo então não pulverizar seu tempo e energia em vários locais. Acabou assumindo algumas funções adicionais no mesmo hospital, como em “Add-on Services” e comissões hospitalares. Este é um dos desafios dos nossos hospitais e da MH brasileira: replicar a experiência de Daltoé em larga escala.

Hospitalistas no Hospital Unimed Litoral de Camboriú

O hospital foi inaugurado no dia 16 de outubro de 2009. O empreendimento possui mais de 11 mil metros quadrados. Ao todo são 22 leitos de internações clínicas, sendo que este número deve, em breve, ser aumentado consideravelmente, segundo informações do site da instituição.

Como funciona a MH no Hospital Unimed Litoral

Os hospitalistas surgiram com o surgimento do hospital. São dois part-time hospitalists que cobrem manhã e tarde, de segunda à sexta. Nos finais de semana, um dos dois passa, mas sem horário fixo ou compromisso de tempo de permanência. Há plantonistas tradicionais na unidade durante as noites e finais de semana, demonstrando, na prática, como é possível atravessamentos entre o novo modelo e o tradicional, até que grupos absolutamente fechados tenham condições de garantir cobertura 24/7. O encaminhamento para a coordenação do cuidado pelos hospitalistas é voluntário, ou seja, o médico cooperado que quiser internar para si próprio o paciente pode fazê-lo. Segundo Diogo Machado, “muitos têm encaminhado espontaneamente para internar na equipe e passam uma ou duas vezes durante toda a internação para discutir o caso. O paciente fica sob responsabilidade maior dos hospitalistas e depois é devolvido ao colega”. Diogo refere também que outras vezes chegam pacientes sem médicos ao hospital. “Ficam na equipe e na alta se busca o que é melhor para o paciente”, ilustra o médico generalista. Os hospitalistas do Unimed Litoral não beneficiam apenas a si próprios e seus pacientes, atendendo intercorrências graves de todos os pacientes internados, mesmo daqueles onde resta garantida a coordenação do cuidado por médico que apenas “passa visita”.

Segundo Gibran Avelino Frandoloso, médico paranaense que se destaca pela participação em quase todos os eventos de MH já realizados no Brasil e na América Latina, a semente lá está plantada e novidades podem surgir muito em breve.