Entre tantos encontros com lideranças do setor hospitalar pelo Brasil, estive recentemente com uma que atua na gestão de instituição privada não filantrópica, corpo clínico aberto, etc e tal. O mesmo grupo a que este hospital pertence administra um outro, filantrópico, menor, com cerca de 100 leitos, em cidade de interior do mesmo Estado. A organização principal do grupo, situada na capital, tive a oportunidade de conhecer mais de perto uns anos atrás, quando escutei histórias interessantes de um ?rei do corpo clínico?.
?Vamos colocar hospitalistas no filantrópico, que está se voltando quase inteiramente para o SUS?, contou. ?Pena que no outro, pelas características, é impossível?.
Será verdade?
Alguém realmente acha que o grosso das organizações hospitalares nos EUA (onde hospitalistas são cada vez mais comuns, em instituições das mais diversas características) se parece mais com nossos hospitais públicos ou privados filantrópicos do que com nossos hospitais privados e lucrativos?
Não há dúvidas de que existem, no Brasil, menos e menores barreiras para o aproveitamento imediato de hospitalistas no SUS (part-time hospitalists, contratos de ½ turno, muito provavelmente). Alze Tavares, pioneiro de São Paulo, registrou isto em entrevista para o Saúde Web em 2012.
No entanto, não apenas é possível em hospitais privados não filantrópicos, de corpo clínico predominantemente aberto, como existem facilitadores próprios desde perfil de instituição para resultados altamente relevantes.
Reflitamos sobre situações reais:
– O hospital privado “puro sangue” já conta com um médico no corpo clínico que, ao longo dos anos, conquistou espaços e privilégios interessantes: beneficia-se de mecanismo de drenagem de pacientes, a partir do que consegue, em um dia típico, 25-30 pacientes para si. Considerando que dedicasse, em média, 15 minutos por paciente, comprometeria mais de 6 horas de seu dia estritamente com visitas, solicitações de exames e de avaliações/acompanhamentos para terceiros, prescrições e informações para o paciente e familiares. Dizem que é mais ?eficiente? do que isto. Seriam 30 minutos suficientes para um atendimento padrão mínimo de qualidade e segurança? Uma boa prática hospitalar moderna pode ser resumida a isto, independente do modelo?
Queixas da instituição em relação ao seu trabalho: Não se envolve em mais nada. Não cumpre normas, padrões ou protocolos institucionais. É campeão em estar em desacordo com as orientações da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar. Sequer satisfação do porquê prefere fazer do seu jeito ele dá; imaginá-lo, então, participando construtivamente dos debates geradores das recomendações e rotinas seria impossível. Se não bastasse, determina um dos mais longos tempos médios de permanência da instituição (?faz mal uso do taxímetro?, foi uma expressão usada). Seu desempenho piora nos finais de semana, afinal de contas tenta levar tudo sozinho, tem dificuldades de trabalhar em equipe.
Vejamos se o colega não é um hospitalista:
Tem o cuidado de pacientes clínicos hospitalizados como sua principal atividade profissional? Sim!
É um generalista com foco em pacientes hospitalizados? Sim!
Assume pacientes clínicos da admissão à alta hospitalar, coordenando o cuidado e, inclusive, definindo as peças envolvidas? Sim*
* alguns pacientes ele segue atendendo após a alta hospitalar, mas: a) Não é uma exigência que hospitalistas tenham atuação exclusiva no hospital. b) vários de seus pacientes são encaminhados à terceiros ao término da internação.
Co-maneja paciente cirúrgicos hospitalizados em parceria com alguns cirurgiões? Sim!
Por definição, é um hospitalista! Além de ?rei do corpo clínico?!
Resta-me dizer, no entanto, que é um mau hospitalista, em vários aspectos, muito especialmente porque abdica de qualquer atuação além das relacionadas ao atendimento direto e muito tradicional ao paciente. E o hospital não é vítima: tolera comportamentos que não poderia, fosse ele hospitalista ou qualquer outro tipo de médico. Dá privilégios ao profissional que nenhum defensor responsável do modelo de Medicina Hospitalar estimula. Já escrevi inúmeras vezes neste Blog: o direcionamento de pacientes para hospitalistas não deve ser compulsório, salvo em instituições ou situações muito peculiares. E muito menos deve respeitar pactos escusos. Na prática, programas de MH cresceram nos EUA por encaminhamento voluntário de médicos não dispostos a ir junto ao hospital com seus pacientes, ou parcela de seus pacientes complexos. Saiba mais: O modelo de Medicina Hospitalar e a ética. Privilégios não bem justificados podem, com ou sem hospitalistas, gerar conflitos absolutamente compreensíveis. Percebe-se ainda que o hospital não cobra contrapartidas obviamente necessárias, e também insisto em repetir que as organizações devem se preparar melhor para exigir de seu corpo funcional, de hospitalistas ou não, padrões mínimos de comportamento e desempenho.
Hospitalistas solitários são cada vez mais raros nos EUA. Começou assim. Os passo seguintes foram bom senso, parcerias, organização e muitos PDCA’s para ajustes dos programas.
– Para o hospital filantrópico pensaram o seguinte: cerca de metade dos leitos são clínicos, demanda que hoje é tocada por dois profissionais, em 2-3 horas. Nego-me a fazer o cálculo de tempo médio por paciente. Por que será que reclamam de ineficiência? Como conseguem???
Mas ?seus problemas acabaram?… A ideia é contratar 3 médicos para que fiquem meio turno (part-time hospitalists). E melhorar a gestão.
Trabalhassem estes hospitalistas das 7:00 às 12:00, determinaria uma estimativa de míseros 12 minutos por paciente. E da mesma forma, abdica-se de qualquer atuação além de visita e condutas médicas tradicionais. ?Sejamos pragmáticos, o objetivo é giro. Giro, eficiência, giro?, justificou o empresário da saúde.
O fato é que, no varejo de nosso ?SUSão?, o modelo tem sido muito assim, e efetivamente tem crescido. Ruim? Não! Aliás, não tenho dúvidas de que, substituindo o que têm por bons trabalhadores braçais, mais amarrados à instituição, e alguma gestão, melhorarão bastante. Um ?pulo do gato?, no entanto, poderia ser dado com mais tempo para trabalho cognitivo e reavaliações, maior participação dos médicos da linha de frente na construção e no melhoramento de processos da gestão assistencial. Isto, na minha experiência, inclusive internacional, é a chave do sucesso. Precisamos de líderes também no ?front?.
“Many successful programs receive support from their hospital, medical group, or managed care organization with the expectation that their non-clinical time will add value to the enterprise (through work on practice guidelines, utilization management, information systems, and other important system-oriented activities)” ? Society of Hospital Medicine (SHM)
“hospitalists often have broad non-patient care responsibilities within the hospital ? leading projects, staffing committees, etc. The hospitalist staffing model must provide sufficient ?protected time? for these activities” ? Principles for a sustainable and successful hospitalist program, American Medical Association
“Only by giving hospitalists time away from clinical activities will institutions allow their physicians to develop into respected leaders or teachers” ? SHM (e aqui estão falando também no valor do hospitalista como educador na equipe multiprofissional)
Quem pensa que empregar os médicos é pré-requisito para boa gestão está enganado. Pode representar um facilitador…
Mas saibam também que, de acordo com 2011 Today’s Hospitalist Compensation & Career Survey, mais da metade dos hospitalistas no EUA não são empregados dos hospitais. As possibilidades de vínculos e formas de remuneração variam muito. Interessa mais onde se quer chegar, do que a modalidade de contrato em si.
Sob o viés de quem, como regra geral, acredita mais em empresas privadas do que públicas, concordo discordando de meu amigo Alze. No SUS é mais fácil implantar e desenvolver experiências ?meia boca? com hospitalistas, pairando sempre o risco da insuficiência da gestão, do desvio das verbas e do baixo engajamento do corpo funcional. Têm os hospitais privados do tipo ?puro sangue? a chance de resultados excepcionais, sem a necessidade de nenhuma revolução, sem espaço para “reis do corpo clínico” entre hospitalistas, criando maneiras para a convivência saudável entre o modelo tradicional e este novo, além de entrelaçamentos a partir dos quais ajudaremos uns aos outros.
Anos atrás, li texto de meu guru Gonzalo Vecina Neto onde minimizava o impacto positivo que hospitalistas poderiam trazer, por eles próprios ou modelando comportamentos de forma sistêmica nas organizações. Em recente palestra que deu no I Seminário Piauiense de Gestão em Saúde, sem usar da palavra hospitalista, fez uma poderosa defesa do modelo, ou de UTIs e Emergências com intensivistas e emergencistas altamente engajados, a partir do que hospitais poderiam sugar ao máximo de suas disponibilidades e expertises. O questionei sobre a mudança e ele disse: ?Só não inteligentes jamais reconsideram?. Sorri.
Leituras complementares:
What?s the ideal number of patients to see?
Excessive Workloads for Hospitalists Are Common and Put Patients at Risk