Ontem apresentei sobre o modelo de assistência em enfermarias através de hospitalistas na 7ª edição de Gestão de Doentes Crônicos e Idosos, evento promovido pelo International Quality & Productivity Center (IQPC), em São Paulo. Já explorei o assunto em muitos locais Brasil afora, mas foi a primeira vez que contei com participação expressiva de representantes de operadoras e planos de saúde. Há muito sentia esta necessidade.
Não perdi a oportunidade de assistir todas as outras palestras e discussões do dia. Muitos participantes concordaram quanto à necessidade de mais e melhor posicionados médicos generalistas para atender a população em franco crescimento de crônicos e idosos. Generalistas para atuarem como coordenadores do cuidado. Falaram muito em promoção e valorização de geriatras neste contexto. Cabe lembrar que muitos hospitalistas nos EUA são geriatras de formação, tal como Aleta Borrud*, da Mayo Clinic.
Concordei com a ideia de que, sendo este generalista capaz de atuar sem prejuízos tanto no ambiente hospitalar quando ambulatorial, que o faça, preservando mais continuidade. Talvez ainda seja factível em pequenas cidades, onde quebra inevitavelmente ainda ocorrerá quando da necessidade de encaminhamento para serviços de maior complexidade, em outro município, exigindo o desenho de processos eficientes que garantam acesso, transporte e transferência de informações adequados. Mas outros vários participantes do evento demonstraram como vem sendo difícil de praticar, ilustrando de diversas formas as justificativas e a própria fragmentação maluca da prática assistencial predominante. Ficou como opção a Medicina Hospitalar, que embora determine uma quebra de continuidade importante, se bem aplicada garante, ao menos, um bom nível de organização do cuidado hospitalar, sempre uma etapa crítica.
Empolga-me saber de novas instituições empregando, e aparentemente muito bem, médicos hospitalistas. Ainda mais quando sou pego de surpresa. Ao apresentarem o programa de gerenciamento de pacientes crônicos do Hospital A. C. Camargo, inseriram o hospitalista como ferramenta chave. Contam com quatro profissionais. Em se tratando de um hospital predominantemente oncológico, não esperava nada diferente do predomínio do comanejo cirurgião-hospitalista (conheça case da Mayo Clinic*) ou subespecialista-hospitalista. Principalmente em parceria com os cirurgiões, hospitalistas do A. C. Camargo assumem o manejo clínico de alguns doentes. Em outros casos, e o exemplo usado foi de um paciente cirúrgico que teve alta hospitalar e reinternou por TVP, não havendo pendências cirúrgicas, assumem integralmente. Outra situação onde participam é com doentes que internam com critérios convencionais preditivos de longa permanência. Por fim, atendem intercorrências clínicas não somente dos seus, mas também de pacientes de terceiros. Uma analogia feita por um colega em roda de conversa no intervalo, a fim de defender a polivalência do profissional, foi a seguinte: hospitalistas e Cirque du Soleil. Na companhia circense, a mesma pessoa uma hora aparece no palco como atração principal, na outra como figurante. Brilhante! É isto! Perfeito! Tanto parecem estar fazendo bem que retêm os mesmos médicos de quando iniciaram o programa lá. Combinamos que um dos hospitalistas entrará em contato para explorarmos melhor este case aqui no Blog.
De outra organização obtive relato do tipo de coisa que tanto critico. Ao caso clínico: paciente internado para um colega bastante ocupado vinha causando preocupação na enfermeira por estar “um pouco hipotenso”. Não há na instituição critérios objetivos para ativação do plantão de “hospitalistas” (lembrar que podem existir para qualquer plantão). Havia sido visto e prescrito pelo médico assistente no dia anterior pela manhã, e durante a tarde andou fazendo febre, alteração comunicada por telefone ao responsável. No dia seguinte, após certa pressão da enfermeira, já que o colega negava a necessidade de avaliação pelo plantão (“estou chegando, nem está assim tão hipotenso”), ele concordou em chamar o profissional de retaguarda. Foi avaliar o paciente médico bastante atualizado em identificação precoce da sepse e respectivo manejo. Como apresentava hiperlactatemia, o plantonista optou por passagem de acesso venoso central em veia subclávia para reposição volêmica. Após múltiplas tentativas, houve um grave acidente de punção e o paciente quase morreu disto. Era de conhecimento do MA o fato de apresentar estenose da veia subclávia no lado multipuncionado, razão da dificuldade. Moral da história, copiando David Klocke, gestor médico na Mayo Clinic: “Administrators must set minimum standards for physicians who practice in their hospital whether they are traditional doctors or hospitalists”. Em outras palavras, ou o colega bastante ocupado se adéqua a padrões mínimos (era para ter iniciado a abordagem da infecção no dia anterior), ou não deveria ter a pessoa internada consigo. Devemos evitar, dentro do possível, com ou sem hospitalistas, um total desconhecido avaliando pessoas no hospital justamente quando mais vulneráveis. Continuidade e segurança do paciente no hospital não significam ter todos os parafusos apertados, mas ter todos os parafusos apertados preferencialmente pela mesma pessoa, buscando máximo equilíbrio entre isto e sobrecarga de trabalho, fadiga/falta de lazer e privação do sono*.
* em anexo vídeo aulas