Dois elos de um mesmo sistema caminham rumo à entrega de valor e, neste caso, o produto final é completamente intangível e de unânime importância: a saúde. E para que essa entrega, de fato, seja valorosa, fornecedor e prestador têm de se conhecer e deixar de lado a relação estritamente comercial, para ceder lugar a uma efetiva parceria. Essa decisão que, sem dúvidas, converge para o que é melhor ao paciente, pode ser tomada a qualquer momento. No entanto, o contexto atual de aumento nos custos, escassez de recursos e amadurecimento da gestão hospitalar se faz oportuno. E exatamente para entender como se dá essa relação sustentável que o IT Mídia Debate reuniu lideranças que já a incorporaram em seu dia a dia. Fã do economista e professor Michael Porter, o superintendente corporativo do Hospital Samaritano, Luiz De Luca, ressalta um dos preceitos do norte-americano que reestilizou modelos das décadas de 60 e 70, ?o fornecedor não deve ser usado como barganha, mas sim como parceiro?. E a entidade centenária soube explorar o conhecimento que a indústria é capaz de dispor como a exclusividade de alguns acordos, o que na opinião de De Luca, é estratégico para a entrega da tão almejada qualidade assistencial. Chegar ao cliente com o portfólio de produtos e soluções não costuma ser a porta de entrada de projetos consistes. Entender as necessidades do prestador a cada momento, munido de flexibilidade, é o que tem feito a diferença. ?O fornecedor tem que estar alinhado aos valores da instituição?, afirma o diretor do Hospital 9 de Julho, Alexandre Rosé. Portanto esperar a inovação da indústria ser ofertada também não é a melhor saída. Saber responder as perguntas certas, ou seja, analisar as reais demandas e gargalos para, então, buscar a solução no mercado parece ser uma alternativa. ?O approach para uma parceria deve vir de um lado e de outro?, afirma o presidente da Logimed, Alexandre Dib. A empresa é dedicada a melhorar os processos que envolvem a cadeia de suprimentos hospitalares e a faturar sobre o valor agregado ao cliente. Atento à percepção do usuário, De Luca está desenvolvendo profissionais aptos a transformar capacidade encontrada no setor em competência e vantagem competitiva, mas, para isso, ele frisa: ?o gestor tem que ter uma abordagem inteligente?. Do outro lado da mesa, a estratégia da alemã Siemens, por exemplo, é identificar o que o paciente espera do cliente em prospecção e o que ocliente espera dela. ?Quando entro em um hospital e clínica de diferentes portes tenho também diferentes ?mindsets?. Levamos para a mesa de negociação o que é importante para aquele cliente em específico, e não caímos em uma negociação simplesmente de preço?, comenta Paulo Gropp, gerente nacional de vendas Healthcare da Siemens Brasil, cujo faturamento de 80% é catalisado por 20% de sua carteira. E, segundo o executivo, os decisores pertencentes a essa seleta base são constantemente acompanhados. Processo decisório e suas dificuldades Outro comportamento que já foi praxe e que agora já não se enquadra em processos amadurecidos de gestão é o de decisões unilaterais. ?Toda vez que um fornecedor tenta chegar direto para o superintendente corporativo começou pelo caminho errado?, diz De Luca de maneira contundente. Dentre os debatedores é consenso de que o fornecedor precisa entender as interfaces da organização e passar pelas instâncias gerenciais. Em geral, as instituições referências do segmento costumam unir as necessidades dos usuários à proposta de contrato em jogo e discuti-las em comitês específicos, envolvendo equipes internas. Entretanto, durante o debate ficou evidente que essa relação ideal está mais distante dos hospitais públicos brasileiros e dos pequenos e médios fornecedores, que abrangem mais de 80% das empresas nacionais de produtos médico-hospitalares e odontológicos, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (ABIMO). Atual superintendente do Hospital M´Boi Mirim, José Carlos Teixeira, sentiu tal disparidade na pele depois de já ter sido responsável pelo centro cirúrgico do Hospital Israelita Albert Einstein. ?Em uma instituição como o Einstein é fácil de implantar tecnologias disruptivas e construir valor para toda a cadeia. Já em uma realidade como a do M´Boi Mirim, o gestor precisa ser mais criativo e as parcerias público privadas (PPPs) se mostram como um caminho?, aponta o executivo que dirige o hospital municipal no modelo de Organização Social de Saúde (OSS). A afirmação de Teixeira desperta para um ponto importante da movimentação e consolidação do setor. Com o avanço da gestão de OSSs pelo parceiro privado nada impede que a entidade pública de hoje se torne uma gestão privada amanhã, que os dirigentes troquem de instituição e que o acesso e parceria com esses hospitais seja uma oportunidade para se chegar ao privado. Na opinião dele, há um caminho inexplorado pela indústria, a de colocar tecnologia nos hospitais escola e públicos onde está presente a maior parte dos estagiários e residentes do País. Ainda na seara do público, mas agora abordando não só as OSSs e PPPs, há também a questão regulatória. Para Dib, da Logimed, a Lei 8.666, de junho de 1993, representa outro grande entrave para as entidades públicas, pois estabelece uma série de normas licitatórias no processo de aquisição, que acabam por burocratizar o segmento. Quebrar parcerias bem estabelecidas, pautadas pela confiança, é difícil, mas o universo de 6,3 mil hospitais brasileiros demonstra o quão pulverizado é o setor, que notadamente não possui um dono. Sair da lista dos badalados como os que pertencem à Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp) e ser criativo é a dica dos líderes dos hospitais que participaram do debate. Fim da linha Acordos bem contratualizados e indicadores de qualidade controlados são premissas básicas para a relação harmoniosa, pois caso o fornecedor não esteja desempenhando conforme o esperado a dispensa dos serviços se faz necessária, assim como em qualquer atividade profissional. Tanto a Siemens como a Logimed dizem monitorar os indicadores de qualidade que o prestador exige, o que acaba sendo um diferencial. ?Fazemos pesquisas de satisfação tanto no nível dos CEOs, assim como no dos usuários, pois podem ser bem diferentes?, explica Gropp, da Siemens. Espaço é o que não falta para a indústria diante do potencial para consumir e produzir no Brasil; a maestria agora é saber unir esses dois fundamentais elos da saúde para que, no final, o paciente sinta o zelo de um serviço construído à base da confiança e reciprocidade. Logimed Inserida em um grupo com 65 anos de história, a Logimed ? vertente de gerenciamento da cadeia de suprimentos médico-hospitalares do grupo Andrade Gutierrez, comandada por Dib (foto) – tem como premissa ?ganhar valor no resultado levado ao hospital?. Tal prática, diferenciada no mercado de distribuição, foi sentida pela Santa Casa de São Paulo que, com mais de oito mil atendimentos por dia, não conseguia pagar à vista os insumos e nem manter um controle efetivo do almoxarifado, distribuição de materiais e medicamentos. Encontrar alguém que se responsabilizasse pela compra, logística e distribuição dos insumos foi perfeito para a necessidade da entidade que passou a trabalhar com estoques para 15 a 20 dias ? ao contrário dos anteriores 30 a 60 – e controlar online os gastos por centro de custo. ?Em grandes números, na rede de hospitais, 26% do custeio era para materiais e medicamentos. Hoje este percentual é de 17%?, contou o superintendente geral da Santa Casa de São Paulo, Antônio Carlos Forte, à revista FH de novembro de 2012. Siemens ?Convívio de longo prazo na relação com o cliente? é o valor da companhia alemã enfatizado por Gropp (foto). A parceria com a faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) a fim de unir seu conhecimento avançado em imagem com o serviço de autópsia brasileiro, que é o maior do mundo, é exemplo disso. A aquisição, pela FMUSP, da ressonância magnética 7 tesla, da Siemens ? equipamento inédito na América Latina e detentor do maior nível de detalhamento em ressonância que existe ? traz ao País a possibilidade de ?consolidar um núcleo de P&D em diagnóstico por imagem ?, segundo o médico patologista da USP, Paulo Saldiva, coordenador do projeto em conjunto. Na área privada, a Siemens conta com uma equipe científica de desenvolvimento de parcerias com instituições interessadas em seu background como é o caso, por exemplo, do Hospital Israelita Albert Einstein, Sírio Libanês e Moinhos de Vento. Hospital M?Boi Mirim Menor taxa de infecção sanguínea, menor permanência do paciente na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e consequente diminuição no custo das fontes pagadoras foram resultados conquistados pelo Hospital Israelita Albert Einstein por meio de parceria com a B. Braun, cujo modelo foi replicado no Hospital Municipal Dr. Moysés Deutsch (M?Boi Mirim), Organização Social do Einstein. Os índices também melhoraram decorrente de um equipamento do fornecedor, que viabilizou a inserção do cateter venoso central com auxílio de um ultrassom, ou seja, sendo guiado por imagem. Outra solução pensada em conjunto com o parceiro que acarretou em ganhos assistenciais foi a mudança nos equipos de soro (parenteral) e de nutrição enteral. Além da diferenciação de cores entre eles, os cateteres não se conectam mais, ?para evitar que haja qualquer tipo de confusão entre eles?, conta Teixeira, tendo em vista o grande fluxo de pessoas da instituição pública. Hospital Samaritano ?A expertise da indústria em processos e tecnologia é algo que os hospitais têm que saber aproveitar?. É com esse olhar que De Luca conduz as parcerias da instituição como, por exemplo, a associação com a Johnson & Johnson Medical para aprimorar o fluxo de processos do centro cirúrgico e a participação dos líderes do hospital em um workshop – desenvolvido por meio de uma colaboração estratégica entre o Disney Institute e a Johnson & Johnson Medical – a fim de conhecerem as estratégias, conceitos, filosofias e táticas de sucesso aplicadas.
Hospital 9 de Julho O diretor Alexandre Rosé cita três relações duradouras, estabelecidas pela confiança entre as partes. A forte presença da Siemens no parque de imagem da instituição é uma delas. ?Fruto de um relacionamento de venda e pós venda fora do normal?, ressalta. Assim como a certeza da qualidade e atenção dos serviços prestados pela Stryker e, mais uma vez, a Johnson & Johnson aparece, fazendo jus a sua história, como uma companhia de soluções criativas e flexíveis, de acordo com Rosé. A empresa de origem americana foi parceira no desenvolvimento de produtos para a área de cirurgia bariátrica, que resultou em um incremento de 30% no volume desse tipo de procedimento no intervalo de um ano.
Fornecedor e prestador unidos por uma efetiva parceria
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