As adaptações feitas durante a pandemia trouxeram muitos aprendizados, principalmente para a indústria farmacêutica. Muitas empresas que eram resistentes a algumas medidas no passado acabaram forçosamente se adaptando. Imagino que tenhamos de fazer um contraponto de novos modelos, relações de trabalho e produtividade obtida.
Na indústria farmacêutica, a visitação médica é uma atividade essencial para garantir a prescrição e, consequentemente, as vendas. É um modelo antigo, mas que sempre possibilitou bons resultados. A gente sabe que muitas das informações que o médico recebe – das orientações, das oportunidades de discussão e atualização – dependem dessa relação que os profissionais de saúde têm com a força de venda da indústria farmacêutica.
No passado, tivemos experiências em tornar esse contato um pouco virtual, fazendo envio de material e o relacionamento com o médico de modo online. Lembro que percebemos que o médico gostava da presença e da interação cara a cara com o representante.
Porém, agora a indústria farmacêutica foi obrigada a buscar alternativas, pois precisou manter o contato com o médico sem ser presencial. Dentro da possibilidade, o médico ainda prefere o contato pessoal com o representante. Mas a vivência traz aprendizado. A indústria farmacêutica precisou se adaptar ao contato virtual do representante com a classe médica.
A preocupação de demissão no setor existe, contudo não acredito em uma diminuição radical do número de representantes, mas sim numa dinâmica diferente. O modelo será mais misto, entre o virtual e o presencial, e os profissionais terão que mudar sua forma de trabalho.
Percebo que a atuação será parte presencial, numa frequência um pouco mais espaçada; mas, por outro lado, o médico terá que se habituar ao contato virtual com o representante, que sempre estará por trás de todos contatos. A máquina não fará isso, ela será o caminho para que as pessoas conversem e interajam. A gente transforma o modelo sem abrir mão do representante de vendas da indústria farmacêutica.
Precisaremos de uma adaptação dos profissionais que criam as mensagens, dos profissionais que levam as mensagens e dos profissionais que recebem as mensagens, na forma como isso vai ser processado em cada um desses canais.
Esse setor está entre os que mais investem em treinamento e desenvolvimento de equipe de força de vendas. Seguindo essa tendência de investir no desenvolvimento das pessoas, a tecnologia passa a ser o pilar mais importante. Existe todo conhecimento técnico e científico que o representante precisar ter para que possa interagir positiva e produtivamente com os profissionais de saúde, mas, agora, ele precisa da tecnologia para fazer isso chegar. A indústria farmacêutica será pioneira na interação, no desenvolvimento e na aplicação da tecnologia nas relações humanas entre seus stakeholders.
Acredito que os profissionais se conscientizaram de que a transformação digital passa a ser importante para o exercício do trabalho – e mais uma vez reforço que transformação digital não é simplesmente o profissional que sabe mexer com tecnologia. Conhecer tecnicamente os processos tecnológicos é um ponto, mas a mudança de pensamento é o que vai proporcionar mais empregabilidade. Hoje o fator que diferencie o profissional com mais empregabilidade é aquele que tenha capacidade de interação e de desenvolver relações com a tecnologia, fazendo a interface entre as duas pontas.
As empresas exigirão rapidamente que os profissionais mostrem essas habilidades. Por serem novas, talvez os processos de seleção tenham que partir de percepções. A entrevista por competências dificilmente vai atender, pois nesse cenário as pessoas nem sempre têm essas experiências. Assim, as empresas devem criar mecanismos de como avaliar se o candidato tem requisitos e boa base construída para que possa ter probabilidade de atuar nesse novo cenário.
Teremos mudanças, obviamente. É um período de muito aprendizado e de testes de novos modelos. Não tenho dúvidas que a indústria farmacêutica particularmente tem capacidade de adaptação, principalmente como estrutura corporativa e como adaptação de cada um dos seus profissionais. É um setor que, por vezes, vira exemplo de como se reinventar para outras indústrias. Talvez seja uma oportunidade de colocar a indústria farmacêutica na vanguarda, principalmente dos novos modelos de relação humana.
Sobre o autor
Miguel Monzu é sócio consultor especializado no setor de saúde da FESA Group, consultoria de gestão de talentos e desenvolvimento organizacional.