Estamos Prestes a Assistir as Contradições das Agências Sanitárias para Acelerar a Aprovação de Vacinas e Medicamentos

Fonte: Geografia Econômica da Saúde no Brasil

Quem está indignado com a falta de critério que governos “do mundo todo” estão aplicando para flexibilizar o distanciamento social ficará muito mais estressado com o que ocorrerá no processo de liberação das vacinas e novos medicamentos para tratamento da COVID-19.

Quem vai “mandar nisso” é o dinheiro !

Nesta terça encerramos um curso da etapa de gestão em saúde sobre o mercado da saúde público e privado no Brasil que, entre outras coisas, também tratou deste assunto. É importante a citação por dois motivos:

·         Não se faz gestão da saúde sem conhecer o mercado, a motivação dos atores envolvidos, os conflitos de interesses, e como os gestores “mais antenados no mercado” aproveitam as oportunidades que surgem no segmento: “onde tem gente chorando, tem gente vendendo lenço”;

·         E como em qualquer segmento do mercado, os interesses econômicos são soberanos – ultrapassam os interesses políticos, ideológicos, “sagrados” …

Sempre decepciona nestas jornadas de cursos ver que o que deveria ter mais inscritos (mercado) acaba sendo o de menor audiência … a maior parte dos gestores do segmento está inserida em um contexto pequeno e não se motiva em conhecer como a saúde se organiza no sistema público, as enormes diferenças que existem entre os tipos de mantenedoras, a distância entre os objetivos dos vários tipos de operadoras de planos de saúde, administradoras de benefícios, hospitais e outros tipos de serviços de saúde … perdem oportunidades de negócios e de carreira.

Vamos começar lembrando que uma vacina para toda a população mundial envolve, no mínimo, 8 bilhões de doses:

·         8 bilhões de qualquer coisa tem um valor econômico que motiva a ganância até dos simpatizantes da doutrina do Dalai-lama !

·         Envolve uma cadeia de valores gigantesca em um segmento (farmacêutico) de empresas gigantescas que atuam no risco e vão fazer tudo o que for possível para recuperar o que investiram o mais rapidamente possível.

E vamos deixar claro:

·         Não existe crítica a atuação deles … “nada a ver” !

·         Quem esteve no curso, quem já me assistiu dando aulas ou seminários relacionado ao papel da indústria da saúde ouviu repetidamente que estas empresas, por serem gigantes e muito visadas, funcionam muito mais baseadas em “compliance” e dependem mais da sua imagem que as outras … agem muito mais dentro dos limites das leis que as outras;

·         Se algo deve ser criticado é a lei e os “órgãos oficiais” … é disso que se trata !

O processo de aprovação de uma vacina, ou de um medicamento, nas agências sanitárias pelo mundo é baseado na segurança da população:

·         Uma vez que a pesquisa em bancada/cobaias apresentou o resultado esperado, é necessário testar em seres humanos, e isso é uma coisa muito séria: algo que deu muito certo em laboratório “pode ser veneno” no organismo humano ?

·         Pode gerar efeitos adversos – inclusive uma das suspeitas da origem de determinados vírus (entre eles o próprio COVID-19) é a falta de segurança da etapa de testes em laboratórios de pesquisas !

·         O resultado que gerou na bancada … será que vai acontecer também no corpo humano ? Pode ser que não, ou seja, que embora dê resultado no laboratório, o organismo humano tem mecanismos que impedem que o resultado esperado seja reproduzido – o organismo tem particularidades que só são conhecidas a partir do momento que se analisa o que ocorre após o contato dele com “a novidade”;

·         Será que vai produzir o mesmo resultado em todos os seres humanos ? Pode ser que funcione para determinadas pessoas e não funcione para outras … os efeitos podem cariar em função do sexo, raça, idade, comorbidades, cultura, condições do ambiente de cada grupo populacional … por isso as vacinas e medicamentos são classificados por % de eficiência … se tem 90 % de eficiência significa que em 10 % da população não serve para nada;

·         E por quanto tempo o efeito dura ? Quantas doses e por quanto tempo é necessário ?

Este processo entre “a descoberta” e a liberação para produção de comercialização demora anos:

·         Não se sabe instantaneamente se um efeito adverso ocorre ao ministrar uma vacina – o corpo humano é a coisa mais complexa que existe;

·         Cada etapa é aferida pelo órgão sanitário competente – foram testados em amostras da população que deveria ? … o placebo foi utilizado adequadamente ? … as medições e registros utilizaram a metodologia correta ? …

·         Se em uma etapa não houver evidência de que foram rigorosamente cumpridos todos os requisitos necessários, o processo retorna para a etapa anterior, e o processo vai ficar ainda mais longo.

É só lembrar que tem vacinas que estão neste processo há muitos anos (por exemplo: Dengue), e o tempo vai passando as etapas vão indo e voltando … milhões investidos no processo e nada de vacina para a população !

Então, se o COVID-19 se apresentou para o mundo no finalzinho de 2019, um processo realmente seguro, como preconizam as melhores práticas defendidas pela medicina e rigorosamente aferidas pelos órgãos sanitários, não seria esperado encerrasse antes do final de 2021 … pelo menos … se tudo der certo, se todos estiverem envolvidos em não inserir dificuldades para travar o processo … se … se … se !

Mas como se trata de uma pandemia, e envolve uma cadeia de valores de trilhões de dólares no mundo … vamos presenciar um “afrouxamento” das regras jamais visto desde que as melhores práticas passaram a se tornar padrões de fato defendidos pela OMS.

E é “briga de cachorro grande”, que envolve interesses dos países mais ricos do mundo … aqui no Brasil já estamos presenciando a briga de interesses de farmacêuticas de países diferentes:

·         Uma com o governo federal firmando parceria com o instituto vinculado a ele, outra procura um governo estadual politicamente inimigo:

·         Não existe ideologia nisso … somente negócios.

Dizem inclusive, não se sabe se é verdade porque os órgãos oficiais não admitem, que as vacinas já estão sendo produzidas … no risco:

·         Se não forem aprovadas o financiador joga no lixo e perdeu uma aposta … faz parte do negócio dos investidores;

·         E que, por incrível que pareça, já estão preocupados com a falta de frascos … a fábrica está pronta e existem condições de armazenamento adequadas porque são institutos que possuem capacidade técnica de produção adequada (digo isso com conhecimento de causa … já prestei consultoria em um deles durante alguns anos … ninguém me contou … e foi na área de gestão de contratos, ou seja, falo com muita tranquilidade sobre o tema !).

A maioria das pessoas só pensa na vacina, mas ela envolve um mercado de embalagens muito especializado, de aquisição de outros insumos que são fornecidos por poucas empresas como a matéria-prima … e até ovos especiais … o contrato destes institutos com fornecedores deste tipo de ovos envolve um volume que daria para alimentar a população de um país por muito tempo … “haja ovos” para a necessidade técnica !

Será divertido, para não dizer trágico, ver o órgão sanitário cedendo às pressões políticas de um lado e de outro para queimar etapas, flexibilizar regras:

·         Vamos ver o principal executivo da agência gaguejando para responder perguntas que não vão querer calar;

·         E vale lembrar que as pessoas que representam politicamente os institutos não são do ramo … são políticos … estão lá há pouco tempo … as estruturas técnicas, os pesquisadores e profissionais de carreira é que fazem os institutos serem o que são … não os políticos que assumem a posição a cada troca de partido político do governo;

·         Hoje o discurso deles é que o progresso da vacina “está isso”, “está aquilo”, “é o melhor” …. vamos ver o que eles vão falar, ou quem eles vão colocar para falar, quando começarem a perguntar por que o processo de aprovação não seguiu as regras normais pelos órgãos reguladores !

É claro que o momento é diferente – vivemos uma situação inusitada – e exige flexibilização. A questão é: quanto os órgãos reguladores vão proteger aquilo que não pode ser mudado, e quando vão afrouxar por pressões políticas e econômicas.

E é bem oportuno comentar isso … o final da jornada da gestão em saúde da semana que vem (o último curso) é sobre modelos de remuneração baseados em valor e em compartilhamento de riscos … o desejo do mercado da saúde de pagar pelo resultado, pelo desfecho, premiar a qualidade assistencial e não a produção … este cenário de afrouxar o laço para apressar o processo de liberação de medicamentos e vacinas, que pode colocar em risco a segurança da população, “vai na contramão da história” !