Sem prejuízo das orientações veiculadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis a respeito do tratamento voltado a provisões, as operadoras de planos privados de assistência à saúde (OPS) estão também sujeitas ao quanto a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regule a respeito.

Além das provisões constituídas mediante avaliação dos tomadores de decisão de uma entidade, a Resolução Normativa (RN) ANS n.º 393/15 determina que as OPS devem constituir provisões técnicas com vistas a assegurar o cumprimento de obrigações esperadas decorrentes da operação de planos privados de assistência à saúde.

A rigor, a constituição de uma provisão resulta tão-somente em afetação quantitativa do patrimônio de uma entidade reduzindo o seu valor. No caso específico de OPS, contudo, a Lei n.º 9.656/98, em seu artigo 35-L, estabelece que as chamadas provisões técnicas sejam lastreadas por ativos garantidores (essencialmente imóveis e aplicações financeiras), que devem ser registrados na ANS e não podem ser alienados ou gravados sem prévia autorização desta Agência.

A pandemia do coronavírus vem provocando efeitos devastadores na economia mundial, o que no setor da saúde é particularmente preocupante, já que encarregado de atender as pessoas infectadas.

Podemos enumerar ao menos 03 grandes problemas que vêm comprometendo a manutenção do setor de saúde em meio a toda crise que estamos vivenciando: (i) redução da capacidade de pagamento das OPS, em virtude do aumento dos índices de inadimplência, o que termina sendo refletido nos pagamentos para hospitais, laboratórios e clínicas; (ii) redução das receitas de hospitais, laboratórios e clínicas, dada a brutal queda de outras atividades que não o atendimento de pacientes suspeitos ou afetados pelo coronavírus; (iii) aumento de custos com insumos médico-hospitalares, especialmente EPIs, e com despesas de pessoal.

Com vistas a garantir a manutenção do setor de saúde nesse momento tão crucial para a sociedade brasileira, a ANS editou as Notas Técnicas n.º 08/20 e nº 09/20, além da Minuta de Termo de Compromisso a ser firmada pelas OPS com essa Agência, mediante os quais propôs medidas de flexibilização dos ativos garantidores, destacando-se: (i) a dispensa de manutenção de ativos garantidores para lastrear a Provisão de Eventos/Sinistros a Liquidar (PESL-SUS), o que, segundo a ANS, o que pode representar uma injeção de recursos no setor de saúde na ordem de R$ 1,4 bilhões; (ii) a desvinculação de aplicações

financeiras que lastreiem a Provisão para Eventos Ocorridos e Não Avisados (PEONA), cujos recursos passarão a poder ser movimentados, sem prejuízo da obrigatoriedade de manutenção de ativos garantidores lastreando 100% de tal provisão, o que, segundo a ANS, pode representar a liberação de até R$ 10,5 bilhões para serem utilizados pelas OPS.

No Termo de Compromisso, a ANS vincula a concessão dos benefícios regulatórios à assunção de alguns compromissos pelas OPS, merecendo destaque: (i) a manutenção de algumas categorias de beneficiários nos planos de saúde, mesmo que inadimplentes; (ii) o compromisso de pagamento pelos serviços de hospitais, laboratórios, clínicas e outros entre 04/03 e 30/06/2020; (iii) a adoção de algumas políticas de austeridade, como o compromisso de não distribuir dividendos e não aumentar a remuneração de administradores.

A determinação de que os recursos liberados para utilização sejam voltados ao pagamento de serviços de saúde é de extrema relevância neste momento, pois pode efetivamente contribuir com a preservação do setor e o atendimento à população.

Há que se atentar que a flexibilização que estamos comentando não dirá respeito às provisões técnicas, que deverão continuar sendo constituídas e mantidas em conformidade com regulamentação vigente. Não haverá, portanto, qualquer reversão e/ou baixa de PESL-SUS ou PEONA nem tampouco efeitos contábeis e/ou fiscais daí decorrentes (i.e. adição/exclusão na apuração do IRPJ, da CSL, da Contribuição ao PIS e da COFINS).

Da mesma forma, quando é instituído um gravame sobre um bem ou direito e este passa a constituir um ativo garantidor, inexiste repercussão, quer de ordem contábil, quer fiscal, inclusive no caso de vinculação de ativo a esta ou aquela modalidade de provisão técnica. O desdobramento disso é que também não se tem nenhum efeito contábil ou fiscal, na hipótese de um bem ou direito deixar de ser qualificado como ativo garantidor, isto é, de ser levantado o gravame, ou, mais ainda, este não estar mais vinculado a uma determinada provisão técnica.

Significa dizer que os recursos liberados para as OPS na forma proposta pela ANS o serão livres de qualquer ônus tributário, podendo ser integralmente empregados no custeio de serviços de saúde, mais essenciais do que nunca nos tempos atuais.

Sobre os autores

Renato Nunes, Advogado em São Paulo, Sócio de Machado Nunes Advogados, Especializado, Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP, Professor do INSPER e da FGV.

Teresa Gutierrez, Advogada em São Paulo, Sócia de Machado Nunes Advogados, Especializada em Direito Administrativo pela PUC/SP, Presidente da Comissão de Direito Sanitário da OAB/SP.