Usada em mais de 75 países e aprovada desde 2006 pela Food and Drug Administration (FDA), a lenalidomida mudou a vida dos pacientes diagnosticados com mieloma múltiplo (MM) e síndrome mielodisplásica, 2ª doença oncohematológica em incidência no mundo. No Brasil, pacientes que necessitam de tratamento adequado contra o câncer lutam pelo registro da substância, que aguarda há mais de quatro anos a liberação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
O funcionário público de Ituverava (SP), Weber Brunelli, de 44 anos de idade, recebeu diagnóstico de MM no final de 2007, depois de apresentar sintomas como perda de peso e cansaço. A partir de 2008 o paciente começou tratamento com a talidomida, tendo apresentado uma pequena melhora e, em seguida, mesmo utilizando outro medicamento, o bortezomibe, este não conseguiu controlar a doença e, para piorar, provocou paralisia nas mãos. Foi neste instante que sua médica receitou a lenalidomida.
“Tomo o lenalidomida desde novembro de 2011 e, em fevereiro de 2012, felizmente, ganhei o direito de receber o remédio via liminar e hoje a doença está estabilizada. Para mim os resultados estão excelentes. Continuo produtivo, não perdi um dia sequer de trabalho. O medicamento não tem os efeitos colaterais da talidomida como constipação e dores nas veias das pernas, entre outros”, explica Brunelli.
Como a lenalidomida não possui o registro na ANVISA, Brunelli precisou entrar na justiça contra o convênio para obter o medicamento. Após muitas idas e vindas na justiça, recebe mensalmente o valor do remédio e a Interfarma realiza a importação. Mas Brunelli explica que seria muito mais fácil se o medicamento fosse liberado no País. “Poderiam nos poupar de todo esse desgaste, mas se é preciso brigar para ter direito à vida, não nos resta outra saída, vamos em busca de nossos direitos”, completa.
Segundo a Fundação Internacional do Mieloma (IMF, em inglês), há mais de 700 mil novos casos por ano desse tipo de câncer. Só nos Estados Unidos surgem 21 mil casos por ano. No Brasil, não há estatísticas exatas, mas segundo Dr. Angelo Maiolino, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), presidente da Associação Ítalo-Brasileira de Hematologia e diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), surgem 10 mil novos casos/ano. são cerca de 30 mil pacientes em tratamento no Brasil, sendo que 80% deles têm mais de 60 anos de idade. Com o envelhecimento da população dentro e fora do País o número deve crescer.
A falta da aprovação coloca em risco quem sofre de doenças como o mieloma e a mielodisplasia, alerta o médico. “A lenalidomida é uma opção insubstituível, principalmente após uma recaída. Sem essa alternativa terapêutica você tira a chance do paciente viver mais e melhor”, diz o especialista.
Além de agir diretamente na doença, o médico destaca outros benefícios para o paciente que usa a lenalidomida: não provoca dormência em mãos e pés, com muito menos constipação, sonolência e fadiga. O uso é oral, ou seja, não é necessário ir até a clínica ou hospital para ser medicado. O Dr. Maiolino comenta ainda que “não existe a menor dúvida de que as novas drogas como bortezomibe e lenalidomida mudaram a realidade do mieloma múltiplo no mundo“.
Mudança de paradigma
A lenalidomida mudou no mundo a realidade do mieloma múltiplo e da síndrome mielodisplásica (SMD). “Enquanto novas drogas são testadas, os pacientes brasileiros não têm acesso àquelas já consagradas para o tratamento deste câncer no resto do mundo”, explica Maiolino.
Durante a 4ª edição do Highlights of ASH in Latin America, evento que reuniu em maio hematologistas brasileiros, latino-americanos e norte-americanos em Foz do Iguaçu (PR), também lamentaram e contestaram a lentidão da ANVISA.
“Enquanto o transplante de medula óssea continua a ser um elemento chave no tratamento da doença, novas drogas como a lenalidomida e o bortezomibe permitem cuidar do paciente de uma forma muito mais eficaz. A lenalidomida é a segunda na classe dos agentes que são chamados IMiDs, medicamentos imunomoduladores”, explicou na ocasião Dr. Rafael Fonseca, professor associado e chefe do Departamento de Medicina Interna da Escola de Medicina da Clinica Mayo (Arizona/EUA). E completou: “Trata-se de um análogo da talidomida, porém muito mais efetivo, com taxas elevadas de respostas e baixas taxas de neuropatia periférica. O futuro é promissor para os pacientes de mieloma, embora a doença permaneça incurável”.