A República Federativa do Brasil, fundada no Estado Democrático de Direito, na atuação conjunta e harmônica dos Poderes, Estados-membros, agentes políticos e da sociedade, mostra-se de fundamental importância para criação de políticas públicas integradas por meio do diálogo e união de esforços no combate e enfrentamento às mais diversas situações, inclusive as de calamidade pública que possam se instalar, não importando quais sejam.

Neste diapasão, infelizmente, encaixa-se, a situação que ora vivenciamos, a pandemia de covid-19. Tratam-se de tempos de instabilidade política, sanitária e econômica, que em razão da moléstia contagiosa, ceifou milhares de vidas humanas, causou inúmeros transtornos sociais, como a explosão do desemprego, a falência de empresas e forçou a utilização extraordinária de recursos públicos, colocando em cheque a continuidade do Sistema Único de Saúde (SUS).

O Direito à saúde – serviço público essencial -, está previsto no art. 196 da Constituição Federal, o qual dispõe que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, que deve provê-la com eficiência mediante políticas públicas, tanto na sua faceta preventiva, quanto no atendimento imediato de forma a preservar o bem maior que é a vida. Assim sendo, frente ao cenário brasileiro de superlotação dos Hospitais do Sistema Único de Saúde, da insuficiência de aparatos médicos e, especialmente, de EPIs e respiradores – item essencial aos internados em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) – a resposta institucional dos Estados para a compra de ventiladores e de procedimentos coordenados com a correta distribuição e alocação de recursos deu-se de forma caótica.

Cumpre observar que não é só a incongruência de posições dos gestores públicos no combate a pandemia que preocupa os brasileiros, mas também a tomada de conhecimento da população de que os gastos despendidos pelos governos na compra de aparelhos necessários ao combate da covid-19 demonstram a possível hipótese de irresponsabilidade dos gestores em contratações públicas feitas com a flexibilização ou dispensa de licitação, processo esse que visa garantir a compra de produtos ou serviços adequados às necessidades da coletividade, a efetiva entrega do bem ou serviço que foi adquirido pela Administração Pública, bem como fortalece a transparência dos gastos públicos, os quais, posteriormente, serão objeto de apreciação pelos Tribunais de Contas.

Recentemente, foram divulgados inúmeros estudos demonstrando que os valores despendidos na compra de ventiladores e respiradores pagos pelos Estados-membros e pela União apresentavam enormes variações de preço; a título de exemplo, foi constatado que o Paraná chegou a pagar o montante de R$ 40 mil reais por unidade, enquanto o Rio de Janeiro havia desembolsado quantias superiores a R$ 200 mil reais. A diferença entre os valores ocorre em razão de variáveis econômicas e contratuais, de acordo com a qualidade do produto e seu prazo de garantia. Adiciona-se a isso os custos de transporte e principalmente de manutenção, entre outros.

Contudo, existem casos que demonstram a estranha diferença, diga-se de passagem abissal, entre os valores pagos pelos mesmos produtos, sendo que vários aparelhos, no auge da pandemia, simplesmente, não foram entregues ou apresentaram defeitos. Ora, quando mais se precisou, por falta de diálogo institucional e incapacidade dos agentes públicos em formularem políticas institucionais, de forma coordenada, não houve condições de evitar a morte desenfreada de vidas humanas.

A realidade nua e crua é que a ausência de planejamento e de coordenação do governo federal e do Ministério da Saúde impactaram negativamente na condução das políticas sanitárias e nas orientações acerca das compras de respiradores e de outros equipamentos pelos estados e municípios para o combate à pandemia.

Em suma, num primeiro momento, como muito alardeado pela imprensa, simplificaram os efeitos da covid, de modo inadvertido, como se fosse uma ‘gripezinha’; adotaram um discurso fantasioso, como se não fosse tão grave a pandemia. Ora, se desde o início o Poder Público tivesse adotado políticas uniformes, serenas, maduras e equilibradas, provavelmente, não teríamos o volume de mortes que temos hoje – uma verdadeira tragédia anunciada – Infelizmente.

Uma saída, poderia ter sido a criação de um manual que tivesse sido adotado pelos estados e municípios, para realizarem aquisições conjuntas de equipamentos necessários ao combate ao coronavírus (como os respiradores), logicamente, não de forma vinculativa, mas como sugestão; uma espécie de cartilha, a qual os estados e municípios que não acolhessem suas diretrizes, automaticamente, ficariam sob o imediato foco de atenção e fiscalização do Ministério Público e demais entidades fiscalizatórias competentes, tudo dentro da legalidade, moralidade e, principalmente, harmonia institucional.

Ademais, por incrível que pareça, o Governo Federal foi negacionista, não encarou de frente o problema da covid-19. Poderia ter disponibilizado mecanismos de financiamento, com linhas próprias e facilitadoras de crédito para importação de respiradores, mecanismos, enfim, simplificadores e desburocratizantes do emaranhado sistema negocial brasileiro. Em linhas gerais, o Governo Federal, em vez de ter fomentado e incentivado brigas constantes e inoportunas, de ter criado imbróglios políticos e institucionais, deveria ter se dedicado a coordenar, de forma urbana e efetiva, um meio responsável de combate à pandemia, de modo a fortalecer a uniformidade de políticas púbicas como um único meio de salvar vidas.

Isto posto, com o intuito de fazer valer a Constituição em seu mandamento republicano que exige a responsabilidade dos seus agentes no trato dos recursos públicos, faz-se necessário a atuação enérgica dos órgãos de investigação, para que sejam esclarecidas e motivadas as despesas realizadas no combate à pandemia, de forma a preservar os princípios da eficiência, publicidade, transparência e moralidade que se exige do gestor público, insculpidos na Constituição Federal de 1988.

Armando Luiz Rovai é doutor em Direito pela PUC/SP, Professor da Faculade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da PUC/SP. Foi Presidente da Junta Comercial da Junta Comecial do Estado de São Paulo. Foi Secretário Nacional do Consumidor – Senacon.

Sobre o autor

Bruno Talpai é mestrando em Direito do Estado pela USP, Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC/SP e Pós-Graduando em Ciência Política pela Fundação Escola de Sociologia de São Paulo – FESPSP.