Há um tom de otimismo facilmente perceptível na voz de Carlos Goulart, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico-Hospitalares, ou, para encurtar, Abimed. A entidade reúne as maiores empresas de equipamentos e produtos médico-hospitalares atualmente no País. Afinal, há boas notícias: na média, em torno de 50% dos produtos que o setor comercializa são produzidos no Brasil.

?O que acontece é que há um esforço das grandes empresas de fazer agregação de valor local. Siemens, Toshiba, GE, Philips, todos já estão em diferentes graus produzindo grande parte dos produtos aqui?, conta Goulart em entrevista concedida às vésperas da Jornada Paulista de Radiologia (JPR 2014), feira de negócios realizada pela Sociedade Paulista de Radiologia e considerada a principal vitrine do setor na América Latina.

O executivo estima que o mercado nacional chegue a R$ 2 bilhões por ano, com crescimento médio anual de até 17% nos últimos anos. ?A visão que temos com as nossas empresas [membros da Abimed] é que o mercado ainda tem capacidade de crescer por volta de 10% ao ano?, diz, baseando-se em ?uma demanda ainda não totalmente atendida?.

Goulart explica que a população brasileira, como se sabe, envelhece rapidamente, há um ritmo acelerado de ascensão econômica e o mercado de trabalho acelerado aumenta a demanda por planos de saúde e, consequentemente, por exames radiológicos. Mesmo no caso de grandes centros em que a concentração de equipamentos no setor privado supera a de países desenvolvidos como a Alemanha, é preciso lembrar que a população se desloca para receber atendimento, e que o SUS muitas vezes atua em conjunto com instituições filantrópicas. Portanto, há espaço para crescer em todos os âmbitos.

?É verdade que em radiologia o mercado privado é muito maior. Mas temos notado um crescimento sistemático da participação do setor público?, conta Goulart. ?A gente está falando de produtos de altíssimo nível. Os percentuais variam: para produtos com maior demanda e menos sofisticação a participação do [setor] público é maior.?

Mas se a fabricação ainda é diretamente dependente da demanda das instituições brasileiras (a saber, equipamentos pequenos e médios), também é perceptível que parte destes fabricantes já sonha em exportar o que fabricam por aqui.

Acesso
Durante a JPR 2014, o Saúde Web conversou com Daurio Speranzini Jr, vice-presidente e gerente geral para América Latina da GE Healthcare, dona de um dos maiores estandes do evento ? em que mostrou alguns dos equipamentos fabricados no País, como é possível ver nesta galeria.

Estande da GE Healthcare na JPR 2014. Imagem: Marcelo Vieira

Segundo o executivo, 70% das vendas feitas pela GE Healthcare no Brasil já são de equipamentos montados em Minas Gerais, na cidade de Contagem, e que esse esforço faz parte da estratégia da empresa de aumentar o acesso para além daqueles ?20 ou 30 grandes grupos. São produtos adequados, robustos, para atender especificidades do Brasil como altas temperaturas e rotina pesada de uso, por exemplo, com a mesma qualidade?.

Foi em 2010 que a GE iniciou sua produção nacional, primeiro com equipamentos de raio-x e PET/CT, depois ressonâncias em 2012 e, ainda em maio de 2014, ultrassons. A aquisição da XPro em 2012 e da Omnimed no ano seguinte também são citadas por Daurio como parte da estratégia de nacionalização da produção para ganho de acesso, cujo último sustentáculo são os incentivos fiscais ? como os financiamentos por meio do BNDES.

Outra frente de atuação da GE é no treinamento de mão de obra local não só para produzir e comercializar equipamentos, mas também para mantê-los funcionando. Em parceria com o Senai, a empresa começa a oferecer em junho treinamentos também em áreas clínicas e, no futuro, de gestão para membros de departamentos administrativos e financeiros.

?Vendemos equipamentos complexos. Tentamos fazê-los mais simples, mas ainda assim são complexos?, diz Daurio. ?Falta muito treinamento em todos os sentidos.?

Assim, a GE Healthcare espera, se não manter o bom resultado alcançado no primeiro semestre deste ano (24% de crescimento), ao menos manter-se acima dos dois dígitos para todo o ano. Resultado bem acima do mercado total de saúde (7%) e do PIB brasileiro, estimado agora em torno de 3%.

Pilares
Outra gigante com forte presença na JPR 2014 foi a alemã Siemens. Ali, acesso também parece ser a palavra de ordem: em raios-x analógicos, tomografias computadorizadas e ressonâncias magnéticas o nível das vendas de equipamentos de fabricação local chega a 80%. Isso significa valor agregado local ? com produção na fábrica de Joinville, em Santa Catarina ? e acesso a crédito do BNDES.

Estande da Siemens Healthcare. Imagem: Marcelo Vieira

Stefano Garbin, gerente de marketing estratégico da Siemens Healthcare, diz que a estratégia comercial da empresa se baseia em dois pilares: qualidade clínica para melhora dos diagnósticos e eficiência para redução de custos. ?Clientes tem diferentes ofertas de valor em diferentes lugares. Nós miramos todos eles?, diz o executivo. ?É verdade que existe uma concentração [nos grandes centros urbanos], mas nosso foco é aumentar a cobertura. Poucos países do mundo têm tantas pessoas, e saúde é um negócio de pessoas.?

De toda forma, resume Stefano, o grande desafio é aumentar o acesso com produção local e ao mesmo tempo manter a estratégia de ?fazer um produto mundial?. A Siemens fabrica equipamentos radiológicos no Brasil há cerca de dois anos com o objetivo primário de atender a demanda local para, depois, expandir as vendas para a América Latina. ?Ainda temos mais demanda [no Brasil] do que a fábrica pode aguentar?, revela.

A Siemens Healthcare não revela números de crescimento, mas o executivo diz que a divisão espera manter no País o resultado acima de dois dígitos obtido nos últimos anos.

Futuro
Aumentar acesso aos exames apostando em tecnologia e capacitação de mão de obra nacional são não só uma tendência do presente, mas parte fundamental do que o setor imagina para o futuro. Goulart, da Abimed, destaca as políticas industriais de incentivo à produção, mas não é capaz de deixar de fora do assunto questões básicas que ainda impedem um deslanchar acelerado da indústria.

?Custos trabalhistas, infraestrutura ineficiente, carga tributária excessiva e complexa… As empresas que estão se instalando aqui estão nos comparando com México, China etc. O Brasil tem um tremendo mercado, mas não podemos esquecer que questões básicas que afetam saúde e a indústria como um todo não estão sendo resolvidos. É grave e é um problema que nós temos que atacar?, diz.

É importante considerar que o diagnóstico por imagem não se resume aos equipamentos. Durante a própria JPR 2014, durante uma aula sugestivamente chamada de ?O Futuro da Radiologia?, o professor da Faculdade de Medicina da USP e médico do Hospital Israelita Albert Einstein, Edson Amaro Jr., foi enfático sobre a necessidade de ?ao lado de promover melhores práticas, temos que formar melhores radiologistas.?

Há ainda problemas no cenário de distribuição de radiologistas, mais comuns quanto maiores as cidades ? o mesmo valendo para a distribuição dos equipamentos. Além disso, segundo ele, o número de radiologistas cresce baseado em um modelo de medicina antigo, pois a telerradiologia deve em breve mudar a oferta de serviços e, claro, o mercado de trabalho.

Além das questões regulatórias (o CFM disciplina os limites do uso da telemedicina para fins de radiologia na resolução nº 1890/2009) que exigem cuidados de pessoas jurídicas que queiram adentrar neste mercado ainda em gênese, há, para Amaro, riscos de desvalorização e precarização do trabalho do radiologista. Por outro lado, estes serviços podem ser a solução para a má distribuição destes profissionais, problema com o qual o Ministério da Saúde já se depara.

?Radiologistas tem que tomar decisões mais rápidas. O custo da mudança é alto, gera barulho e dificuldades, mas também uma atmosfera de inovação e competição evolutiva, não destrutiva?, ponderou o médico no encerramento da aula ministrada durante a JPR. ?Risco de haver problemas, sim, mas essa força precisa existir?, disse, antes de mostrar em sua apresentação de slides uma metáfora para a radiologia brasileira: metade motocicleta, metade bicicleta, ou seja, potente, mas difícil de controlar.