O governo brasileiro poderia economizar um montante expressivo na compra de medicamentos para a aids. A avaliação é do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), que reúne 13 entidades e há dez anos acompanha o tema. O aumento de custos de medicamentos protegidos por patentes é um problema para o financiamento de ações de combate a aids, argumenta o grupo, que defende medidas como o licenciamento compulsório.
De acordo com o GTPI, os gastos com antirretrovirais tem crescido ano a ano. Além do aumento de pessoas em tratamento, que hoje são 313 mil, pacientes com resistência ao vírus exigem tratamento mais caro. Com ampliação da oferta de medicamentos em 2014 pelo Ministério da Saúde, que é vista com restrições, a avaliação é que os custos pressionarão as ações de combate a aids e o próprio orçamento da saúde, que ficará restrito para outras ações, como a prevenção.
Segundo o GTPI, cerca de 66% do orçamento anual para combater a aids, de R$ 1,1 bilhão em 2013, foram investidos em medicamentos. Para 2014, o orçamento previsto é R$ 1,3 bilhão. Para baixar os custos, o grupo sugere a emissão de licença compulsória, por meio da qual o governo, amparado na legislação brasileira e internacional, pode comprar medicamentos genéricos, pagando royalties ao laboratório detentor da patente. A medida foi adotada em 2007 para o efavirenz, o que representou a economia de R$ 200 milhões. O comprimido de U$ 2,8 passou a custar U$ 0,53.
?Todos os antirretrovirais que são patenteados poderiam ter licença compulsória emitida. Hoje o coquetel tem 20 medicamentos, sendo dez internacionais que ficariam mais baratos com uso desse mecanismo?, disse a coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Produção Intelectual, Marcela Vieira. Para ela, o governo deveria buscar economizar com os remédios patenteados para poder continuar investindo em melhorias no atendimento à população.
No entanto, o governo brasileiro tem optado por parcerias com os laboratórios e depois do efavirenz o licenciamento compulsório não foi mais adotado. Um exemplo é o acordo firmado pelo ministério com a farmacêutica americana Bristol para produção no Brasil do atazanavir, que será produzido, mas em um processo de transferência de tecnologia que se estenderá até 2015.
?Existe uma pressão política dos países onde estão sediadas as grandes farmacêuticas para que os países em desenvolvimento não usem essas medidas, inclusive com ameaças de retaliação comercial?, criticou Marcela. Os países desenvolvidos querem ainda nenhum tipo de flexibilização de patentes, acrescentou. ?É muito mais [uma decisão] política do que técnica?.
Distribuição
O GTPI divulgou ainda um comunicado sugerindo que o sucesso do programa brasileiro pode estar em risco. O documento questiona a realização de teste rápido para HIV em grandes eventos, que pode acabar constrangendo os pacientes na frente de pessoas conhecidas, caso o resultado dê positivo, e a disponibilização do teste, a baixo custo, em farmácias, a partir de 2014. Para o GTPI, o aconselhamento pré e pós-testagem são fundamentais para pacientes com HIV positivo que podem ter uma reação inesperada ou se afastar do tratamento.
Outra preocupação é com a oferta de medicamento para pessoas diagnosticadas com HIV que não desenvolveram sintomas da aids. Embora a antecipação do tratamento possa salvar vidas, pois pacientes morrem no primeiro ano após o diagnóstico, o GTPI alerta que o tratamento deve ser focado na melhoria da qualidade de vida do paciente e não na prevenção da transmissão.
?O tratamento traz vantagens como o aumento da expectativa de vida, mas também efeitos colaterais?, disse a coordenadora do GTPI, Marcela Vieira. Entre as desvantagens cita a lipodistrofia, que é a distribuição irregular de gordura pelo corpo, a perda da visão e doenças crônicas como o câncer. ?Parece uma decisão trivial, mas o tratamento para HIV tem que ser uma decisão pessoal. O portador de HIV não pode ser induzido ao uso do medicamento para prevenir a transmissão?.
Na avaliação do grupo de trabalho, o ministério também retrocede no combate ao preconceito e ao estigma. Um exemplo foi a retirada do ar em maio deste ano de campanhas educativas voltadas para o público onde a epidemia mais avança: meninos gays e meninas entre 14 e 19 anos. A campanha tratava da homofobia, do uso de preservativos e da gravidez na adolescência.