A cegueira noturna é um problema comum em países asiáticos como Bangladesh, Vietnã, Índia, Indonésia e Filipinas, provocada pela baixa ingestão de vitamina A. É que a base da dieta dessa população é o arroz, um alimento barato e fácil de cultivar, mas que não possui as quantidades necessárias do nutriente. Só que em 1976 isso mudou. Graças a um projeto humanitário chamado Golden Rice, a engenharia genética e seu conjunto de técnicas de manipulação do DNA conseguiu fabricar um alimento geneticamente melhorado e capaz de produzir grandes quantidades de betacaroteno, o precursor da vitamina A. Estava criada então uma nova era da biotecnologia, em que termos como OGMs, ou, organismos geneticamente modificados, começaram a ser conhecidos e discutidos pela sociedade em geral.
Só que a receptividade não foi, digamos, das melhores. Embora a premissa de ajudar pessoas (normalmente mais pobres) a se alimentar melhor e atingir a ingestão diária necessária de nutrientes vitais fosse louvável, o medo do desconhecido fez com que muita gente desconfiasse dos transgênicos, enquanto ativistas começaram uma forte campanha que afetou a reputação desse tipo de ciência – e foi até capa de revistas como a Time Magazine.
Claro que o uso comercial da biotecnologia para aumentar a produção agrícola e gerar mais lucros sob o slogan de precisamos “alimentar o mundo” é mesmo um problema questionável, mas usar a possibilidade de manipulação e modificação genética para enfrentar problemas é bom, e isso precisa ser melhor debatido pela sociedade em geral.
“Nosso erro [como cientistas] é que só nos preocupamos com ‘papers´ e publicações em revistas científicas e o primeiro passo seria divulgar a ciência para que todo leigo pudesse entendê-la”, afirma Aruã Prudenciatti, fundador e CEO da Crop Biotecnologia, startup que desenvolveu em tomates uma molécula para o tratamento de colesterol ruim. Segundo ele, enquanto apenas 21% das pessoas leigas concordam que o OGM pode ser bom, esse número salta para 88% quando a resposta vem apenas de cientistas e pesquisadores. A falta conhecimento da população em geral sobre o que é engenharia genética pode ser uma das razões para tamanha discrepância.
De transgênicos aos clones
Se a discussão em torno de alimentos já é grande e gera debates acalorados, imagina envolve seres vivos modificados geneticamente. Pois é. E o assunto não é novo, não: este ano completa 25 anos desde a edição genética feita na famosa ovelha Dolly, lembra dela?
Hoje, no entanto, a engenharia genética já avançou e algumas possibilidades que antes eram apenas obra de ficção científica já são parte do dia a dia dos laboratórios, especialmente graças à técnica CRISPR que facilitou a possibilidade de edição molecular, que permite mapear e inativar genes ao longo do material genético, regular a expressão genômica, deletar genes e até corrigir partes com algum “defeito”, por assim dizer.
“Hoje é possível realizar a genotipagem de pacientes com fibrose cística [uma doença genética crônica que afeta pulmões, pâncreas e sistema digestivo] e calcular mutações e a frequência da doença na população. Também dá para usar a mesma técnica e calcular quais medicamentos podem ter maior eficácia dependendo da mutação do paciente, a chamada farmacogenética. Há muitas possibilidades, pois os geneticistas se interessam cada vez mais pelo genoma humano”, confirma Liya Regina Mikami, especialista na área de Biologia Geral, com ênfase em Genética, e docente da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná (FEMPAR).
Só que existe uma linha tênue entre manipulação genética terapêutica e reprodutiva, ou seja, aquela que desvia para a criação de um novo ser humano em laboratório, em versões “melhoradas”. E saiba que não é uma realidade distante de nós hoje em dia a criação de humanos em laboratórios. E é por isso que o debate dos dilemas éticos e do estado da arte de até onde a tecnologia pode interferir no corpo dos seres humanos é urgente.
Para ajudar nessa tarefa, o sexto e último episódio da Podsérie “E se” traz uma rica discussão sobre os limites do uso da biotecnologia, com a participação do Aruã, que é engenheiro de bioprocessos e biotecnologia, e da Liya, que é geneticista e pesquisadora. Para ouvir o capítulo E se… a engenharia genética criar uma nova espécie de humanos? Basta clicar aqui.
E se o assunto te interessou de vez, assista ao replay da live com José Antônio Diniz de Oliveira, diretor executivo e co-fundador da ConecteGene, falando um pouco mais sobre genômica aplicada à saúde. Foi um papo muito interessante, acompanhe.
Ouça os outros episódios da Podsérie “E Se…”
- Episódio 1 – E se… a inteligência artificial substituir você?
- Episódio 2 – E se… a internet das coisas for controlada pelo crime?
- Episódio 3 – E se… a cibernética permitir que a consciência sobreviva em uma máquina depois que você morrer?
- Episódio 4 – E se… a Internet do Comportamento moldar seu cérebro?
- Episódio 5 – E se… a ciência de dados tomar todas as decisões por você?