A situação dos resíduos dos serviços de saúde no Brasil
Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realizada pelo IBGE, no Brasil, em 2008, mais de 50% dos municípios ainda dispunham seus resíduos em lixões. A gestão e a disposição inadequada dos resíduos sólidos causam impactos socioambientais, como degradação do solo, comprometimento dos corpos d’água e mananciais, intensificação de enchentes, contribuição para a poluição do ar e proliferação de vetores de doenças.
Não existem dados oficiais sobre a quantidade de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS), gerados no Brasil e sua destinação final. A coleta executada por grande parte dos municípios é parcial, o que contribui significativamente para esse desconhecimento. No entanto, um indicador importante é que, na amostra de municípios realizada em 2010, o SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento identificou que, em mais de 90% das cidades, já existe uma coleta diferenciada de RSS, o que é fundamental para reduzir seus riscos.
As estimativas apontam algumas destinações, conforme as porcentagens a seguir: 35,1% são incinerados, 5,8%, tratados por autoclave e a mesma porcentagem por micro-ondas; 11,5% são destinados à vala séptica; 26% para aterros, mas 13,2 ainda são jogados em lixões e o restante é reciclado ou tem destinação desconhecida, o que representa risco à saúde pública e dos trabalhadores envolvidos nas atividades afins.
Conforme a Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – RDC n.306, de 7 de dezembro de 2004, o gerenciamento adequado desse tipo de resíduo pode reduzir significativamente os impactos ao ambiente e à saúde. Para isso é necessário um conjunto de procedimentos de gestão que devem ser implementados para minimizar a produção de RSS, além de proporcionar um encaminhamento seguro e eficiente, com a proteção dos trabalhadores, a preservação da saúde pública e do ambiente.
A Acreditação e o equacionamento dos resíduos dos serviços de saúde
A Acreditação busca expressar através de seus requisitos, 11 fundamentos reconhecidos internacionalmente e que podem se traduzir em melhores práticas e resultados. Dentro destes fundamentos estão o “Foco na Segurança”, ou seja, a promoção de um ambiente seguro para todas as partes interessadas e a “Responsabilidade Socioambiental”, com a incorporação de meios que visem a minimização dos impactos negativos potenciais de suas atividades na sociedade. Uma das formas de traduzir esta preocupação é a atenção aos resíduos dos serviços de saúde.
A análise é de Jaqueline Gonçalves, assessora técnica da ONA – Organização Nacional de Acreditação, que participa ativamente da elaboração dos manuais. Ela explica que, desde 1999, quando a ONA publicou o primeiro Manual Brasileiro de Acreditação, a gestão de resíduos – que inclui o lixo hospitalar – esteve presente nos requisitos de avaliação para a Acreditação. Nas primeiras versões do manual, a gestão de resíduos era abordada em uma subseção do instrumento de avaliação denominada “Manutenção Geral, Controle de Resíduos e Potabilidade da Água”. Em 2004, os resíduos passaram a ser abordados em uma subseção específica intitulada “Gestão de Resíduos”. Esta mesma estrutura se manteve até a revisão de 2010, quando os resíduos passaram a ser abordados de uma forma sistêmica em todas as subseções do Manual Brasileiro de Acreditação, incluindo sua incorporação na responsabilidade da Administração da organização de saúde, com a definição e comprometimento com uma “política de gestão de resíduos”.
Experiências bem sucedidas
Os resultados obtidos com a adoção dessas práticas reforçam a importância da gestão sistêmica estabelecida pela Acreditação e demonstram que o cuidado e a destinação correta dos resíduos têm reflexos positivos em toda a cadeia do serviço de saúde. É o caso do Biocor Instituto, hospital de Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, que tem um gerenciamento monitorado por indicadores, apresentando resultados considerados excelentes ao longo do tempo. Na visão do sistema integrado de gestão do Biocor, que foi um dos pioneiros na Acreditação ONA Nível III (Acreditado com Excelência), em 2005, os resíduos estão dentro do escopo do Manual ONA e demais normas das suas certificações.
Com a gestão totalmente focada nas decisões baseadas em resultados (indicadores), o gerenciamento de aspectos e impactos ambientais no Biocor obteve a redução no volume de resíduos biológicos gerados, com aumento do volume de resíduos recicláveis e equilíbrio dos resíduos comuns frente as tendência positivas dos demais resíduos, inclusive aqueles encaminhados a incineração, conforme o gráfico ilustrativo. A boa gestão associada ao descarte correto de resíduos permite o incremento de ação social, com a doação de parte dos resíduos recicláveis em benefício de uma associação local.
INCLUIR GRÁFICO
Como reflexo da gestão integrada, a relação da geração de resíduos ao longo do período em que o programa está em andamento foi inversamente proporcional à implementação de ações que culminaram, por exemplo, em um aumento médio anual de 10% no número de cirurgias, mesmo percentual registrado também nas internações e nos atendimentos de urgência registrados anualmente. A taxa de ocupação atualmente, está acima de 92%.
No Hospital das Clinicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR), que começou seu processo de certificação em 2003, o Programa de Gerenciamento de Resíduos de Serviço de Saúde foi implantado em 2004 pela Comissão de Gerenciamento de Resíduos, com o objetivo de reduzir a produção, visando à preservação e proteção da saúde pública, dos recursos naturais e do trabalhador. A Comissão acompanha os contratos para coleta, tratamento, transporte e destinação final de resíduos, mas o sucesso do programa é atribuído, também, ao apoio da Direção, a parceria com a Hotelaria Hospitalar e a sensibilização e envolvimento dos profissionais de saúde.
Em 2009, a Comissão promoveu diversas capacitações, atingindo 97% dos locais de trabalho e um total de 2.089 pessoas. No ano seguinte foi registrado o encaminhamento de 161.030,61 kg de resíduos infectantes e perfuro-cortantes para autoclave e 14.907,30 kg de resíduos químicos para incineração. Além disso, 810 litros de óleo de cozinha foi destinado à reciclagem, com retorno em forma de sabão em pasta e detergente.
A doação de materiais recicláveis teve um aumento de 21% de 2009 para 2010, sendo encaminhados aproximadamente 113.250 kg para associação de catadores, atendendo o Decreto Federal 5.940/06. Em 2011, com a conclusão da implementação do projeto, foram adquiridas 3.772 lixeiras, com identificação visual adequada e 106 carros coletores para armazenamento temporário de resíduos. Foi feita também a reforma do abrigo externo de resíduos, com áreas separadas para os resíduos infectantes e comuns e ampliação para acondicionamento dos resíduos recicláveis.
Como resultado dessas iniciativas, em quatro anos registrou-se a redução de 65% no volume total dos resíduos e o Programa de Gerenciamento de Resíduos do HC foi escolhido em 2010, pelo Ministério da Educação e Banco Mundial como modelo para os Hospitais Universitários Federais do Brasil. Recentemente uma comitiva de várias nações, acompanhada por uma equipe do banco, veio ao Brasil para conhecer o programa e avaliar a possibilidade de reproduzi-lo em seus países.