Durante estas últimas semanas, muito tem se falado sobre a febre amarela e sobre o risco de uma epidemia que possa assolar o país. A História tem muito a nos ensinar a respeito. No início do século XX, a febre amarela era uma doença comum nas cidades brasileiras. A primeira tentativa de vacinação em massa da população brasileira foi empreendida pelo médico-sanitarista Oswaldo Cruz e acabou em tragédia. Trata-se da Revolta da Vacina.
No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro, apesar de ser a capital da República, possuía diversos problemas urbanos: coleta de lixo precária, rede insuficiente de águas e esgotos, grande quantidade de subabitações. Nesse tipo de ambiente, eram comuns doenças como o sarampo, o tifo, a tuberculose, a hanseníase. Nessa época, alastravam-se epidemias como as de varíola, peste bubônica e, sobretudo, febre amarela.
O presidente da República à época, Rodrigues Alves (1902-1906), e o prefeito do Rio, Pereira Passos decidiram então pela modernização da cidade com a demolição de casarões, a ampliação e alargamento das avenidas com iluminação, uma novidade para a época. A reforma urbana ficou conhecida como bota abaixo, em razão da demolição que ora se empreendia em grande medida na cidade. Foi também contratado o médico sanitarista Oswaldo Cruz, recém chegado do Instituto Pasteur, da França, a fim de executar um grande projeto sanitário: a vacinação em massa da população.
Oswaldo Cruz foi convidado a assumir, então, a Direção Geral da Saúde Pública; criou as Brigadas Mata Mosquitos, grupos de funcionários do Serviço Sanitário que invadiam as casas para desinfecção e extermínio do mosquito transmissor da febre amarela, o famoso Aedes Egypt. Iniciou também a campanha de extermínio de ratos, os principais transmissores da peste bubônica, espalhando pesticidas pela cidade e obrigando o povo recolher o lixo deixado nas ruas ou dentro de casa.
A fim de acabar de vez com a varíola, Oswaldo Cruz convenceu os congressistas a aprovarem a lei da Vacinação Obrigatória, que permitia às brigadas sanitárias, entrarem nas casas da população, utilizando-se até mesmo da força policial, caso fosse necessário. A população logo se revoltou; afinal, não sabia para que servia a vacina e a cidade estava de pernas para o ar. Além disso, o alto custo de vida da época e o desrespeito para com o povo fizeram com que este se revoltasse contra a situação vigente.
Na época, havia boatos de que a vacina deveria ser aplicada nas partes íntimas do corpo e as mulheres deveriam se despir diante dos vacinadores. Isso tudo agravou o descontentamento da população que logo se revoltou contra o governo. Entre os dias 10 e 16 de novembro de 1903, a população fez da cidade um campo de batalha. Houve a depredação de lojas, bondes foram incendiados, barricadas foram organizadas contra as equipes de vacinadores. No dia 14 de novembro de 1903, os cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha também se revoltaram contra as medidas tomadas pelo governo e passaram a apoiar a população.
A Revolta fez com que o governo suspendesse a obrigatoriedade da vacinação e a declarar estado de sítio. A Revolta da Vacina deixou um saldo trágico: 30 mortos e mais de 100 feridos. Centenas de pessoas foram presas e algumas deportadas para o Acre.
* Ricardo Barros é mestre em Educação pela Faculdade de Educação da USP, Historiador e Pedagogo e Professor de História, do Colégio Paulista.
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