Com a iminência da votação pelo Congresso da regulamentação da Emenda Constitucional nº 29 (EC 29), a questão do financiamento para a saúde voltou à pauta. Infelizmente, sempre que assunto tão importante é discutido, os pontos fundamentais do tema são contornados e novos fatos dominam a cena para prejudicar a objetividade do debate e protelar decisões que realmente fariam diferença, mas que, ao mesmo tempo, podem contrariar alguns interesses.
Na situação atual em que se encontra a saúde, dinheiro de qualquer fonte será uma boa notícia. Se os parlamentares e o Governo decidirem que a criação de um novo tributo é viável para o país, o setor de saúde e a população que depende da rede pública agradecem e farão bom uso desses recursos, desde que eles cheguem ao destino. O que não é aceitável neste momento é utilizar o projeto da Contribuição Social para a Saúde (CSS) para substituir ou impedir a regulamentação da EC 29, essa sim uma iniciativa que vai provocar mudanças estruturais com resultados permanentes.
Sem a regulamentação da EC 29, pouco importa a quantidade de fontes de dinheiro para a saúde. Simplesmente porque atualmente não existem regras para definir o que são procedimentos de saúde e o dinheiro para hospitais e pacientes pode ser usado para uma variedade interminável de ações governamentais, como obras de saneamento básico. Pudemos observar, por exemplo, recursos da antiga CPMF (que, como no projeto da CSS, deveriam ser integralmente destinados à saúde) sendo utilizados para incrementos no bolsa-família.
Por isso, mesmo que o orçamento da União destine sua maior fatia para a rubrica “saúde”, não quer dizer que aqueles bilhões todos sejam realmente investidos em atendimento médico para a população.
Nossa carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo, chegando a quase 40% do PIB. Os brasileiros passam grande parte do seu tempo trabalhando para acertar as contas com o leão.
Mesmo diante desse sacrifício, de acordo com pesquisa do Instituto Sensus realizada em setembro, 46,1% dos brasileiros não se opõem à criação da CSS. É uma demonstração de que a população enxerga as dificuldades na área de saúde e uma parcela significativa está disposta a colaborar. No entanto, é certo que esse percentual diminuirá sensivelmente se as pessoas forem alertadas de que não há garantias que seu dinheiro será destinado integralmente para procedimentos de saúde. Esse é o cenário sem a regulamentação da EC 29.
A saúde sofre, sim, com escassez de dinheiro, por isso a criação de uma nova fonte de financiamento é bem-vinda e apoiada por profissionais do setor; e até pela população como foi visto. Mais importante, no entanto, é garantir o bom emprego dos recursos já existentes e daqueles que forem, eventualmente, criados no futuro.
Nesse sentido, é preciso discutir a gestão do orçamento e a administração das unidades de saúde. Priorizar recursos para áreas mais necessitadas e evitar paralisia e desperdício na execução dos investimentos. Um bom exemplo é a falta de correção da tabela do SUS, sistema do qual dependem cerca de 75% da população.
Seguindo essa tabela, o governo cobre, em média, cerca de 60% dos gastos hospitalares. A falta de investimento nesse quesito compromete os parceiros privados da rede pública, como as Santas Casas e Hospitais Beneficentes, que respondem por 1/3 dos leitos hospitalares do país. Anualmente, essas unidades realizam mais de 185 milhões de atendimentos ambulatoriais em pacientes da rede pública. Tudo isso ocorre com um déficit financeiro de 40% que, ao longo dos anos, produziu uma dívida que as entidades não conseguem mais suportar. É preciso, urgentemente, direcionar verbas para corrigir essa distorção.
É recomendável também incluir na atual discussão o incentivo às Organizações Sociais de Saúde (OSS), entidades privadas sem fins lucrativos encarregadas de gerenciar hospitais públicos. Trata-se de um modelo que tem apresentado seguidamente resultados positivos na gestão dos recursos e qualidade dos serviços. Em São Paulo, unidades com essa forma de gestão atenderam 25% a mais de pacientes com economia de 10% de recursos.
As soluções para o financiamento para a saúde são mais complexos que a simples criação de um novo imposto. Para serem permanentes, deverão ser bem planejadas e, eventualmente, contrariar interesses. É a hora, portanto, de enfrentar definitivamente o problema.
*José Reinaldo Nogueira de Oliveira Junior é advogado e presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo
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