A cadeia de valor da saúde passa por uma transição significativa, que deve se intensificar e levar a uma relevante e definitiva transformação do setor. Por mais distintas que sejam as causas desse fenômeno e independentemente dos segmentos em que ele venha a ocorrer, as mudanças tendem a passar, em grande medida, pela consolidação do mercado. A metamorfose em curso é global, motivada por fatores como evolução tecnológica, envelhecimento populacional, aumento da expectativa de vida, gastos crescentes com a saúde, entre outras questões. No caso brasileiro, além dos elementos externos, há características domésticas que acentuam a necessidade das transformações: baixa produtividade, gaps generalizados de gestão, demanda por recursos para investimentos e visão de negócio concentrada no curto prazo são alguns dos problemas diagnosticados, questões que devem ser sanadas ao longo do inexorável processo de consolidação. O que agrava a situação do mercado de saúde brasileiro é a injustificável ? por que não dizer ? desarticulação dessa cadeia, na qual poucos players se enxergam como potenciais aliados e a maioria como adversários. Nessa disputa acirrada todos perdem: operadoras e planos de saúde se mostram cada vez mais incapazes de arcar com a escalada de custos; hospitais penam para levar adiante os planos de modernização e de expansão; laboratórios vivem um novo processo de intensificação concorrencial; e fabricantes de medicamentos, materiais e equipamentos não conseguem explorar todo o potencial oferecido pelo mercado nacional. Enfim, não é exagero dizer que as perdas afetam até os profissionais da área. Os sintomas não deixam dúvidas quanto ao quadro que leva à consolidação. O exame de realidades vividas no setor de saúde de outros países revela facilmente a presença de grupos com perfil consolidador que veem no ambiente brasileiro a oportunidade de empreender, aproveitando-se do conhecimento e da participação de mercado das empresas locais. Somam-se às condições macro e microeconômicas favoráveis à expansão do mercado de saúde no Brasil ações e diretrizes do conjunto de stakeholders públicos ou privados que estimulam tal tendência. Nenhum elemento pode ser desprezado, mas, na agenda aparentemente mais óbvia e imediata, destacam-se a obtenção de recursos para o crescimento, os ganhos de escala e os ajustes na operação para aumentar a rentabilidade e, consequentemente, a sustentabilidade dos negócios. Além disso, é grande a expectativa de que as PPPs (parcerias público privadas) passem, de fato, a alavancar transformações também na esfera pública, complementando os investimentos necessários para aumentar a capacidade física e tecnológica das empresas e para promover um upgrade de gestão. Cresce a percepção de que a janela de oportunidade para investimentos no Brasil, antes escancarada, se fecha. Isso se deve, em parte, ao ceticismo provocado por resultados pífios no campo econômico, após um período de grande vitalidade, e pela retomada, ainda que modesta, do crescimento em mercados maduros, mais precisamente dos Estados Unidos. Todavia, nem mesmo o inevitável processo de consolidação é capaz de se sobrepor ao fato de que empresas bem administradas, com visão clara de médio e longo prazos e que entregam resultados a acionistas e colaboradores, são e sempre serão atrativas e competitivas. Do ponto de vista dos investidores, o mercado de saúde no Brasil é atrativo. É consenso que poucos países oferecem tantas oportunidades: as despesas do setor privado superam as do setor público, mas a penetração dos serviços privados ainda é baixa, atingindo apenas cerca de 25% da população. As compras governamentais, por sua vez, são significativas e há enorme demanda por expansão de investimentos públicos. Além disso, enquanto os mercados desenvolvidos sofrem com o envelhecimento populacional, o Brasil ainda tem pela frente uma década para aproveitar o bônus demográfico (população em idade ativa maior do que a inativa). Independentemente do segmento do mercado, quase nenhuma companhia tem abrangência nacional. Mesmo os investidores que fazem restrições a ambientes muito regulados reconhecem a atratividade do setor no atual momento e não são poucos os que analisam novas oportunidades. Constantemente, somos convidados a avaliar o potencial dessas operações. Há uma diferença considerável, contudo, entre a ambição de obter recursos para a expansão do negócio e a materialização desse desejo. A organização está pronta para receber os aportes? Quais são os planos de expansão? Que contrapartidas oferece ao investidor/financiador? Algumas dessas respostas, se não todas, passam também pela análise de operações de fusão e aquisição, entre concorrentes ou não. Aspectos como posicionamento e participação de mercado, complementaridade de portfólio e integração regional são fortes indicadores de que, por vezes, a associação de negócios ou empresas não é somente o caminho mais lógico e efetivo para a captura de valor, mas também o mais curto e inadiável quando o tempo é escasso. O volume de fusões e aquisições verificado na última década no Brasil (clique no gráfico) já repercute no comportamento dos empreendedores, e a associação entre concorrentes é hoje uma realidade madura, com menor resistência e desconfiança entre pares. Contudo, isso não significa que é fácil convencer as partes sobre a avaliação de mercado de cada empresa e sobre quanto caberá a cada sócio no novo negócio. Esse é um grande desafio, já que a visão do empresário ? muitas vezes também o fundador do negócio ? pode vir carregada de emoção, e isso não é contabilizado na formação dos preços. Por vezes, é preciso compreender que possuir uma fatia de um negócio maior pode ser bem mais interessante do que ser o único dono de um negócio menor. Aspectos ligados à sucessão da empresa e ao encaminhamento de questões societárias de negócios eminentemente familiares elevam sobremaneira a complexidade dos temas mencionados acima e dificultam, em muitos casos, o andamento de um processo dessa natureza. Por fim, como se tudo isso não fosse suficiente, há um elemento complicador característico das empresas do setor de saúde poucas vezes visto em outros segmentos: o conflito de interesses decorrente do fato de uma mesma pessoa poder usar vários ?chapéus?, como os de sócio, executivo, representante de classe, prestador de serviço e profissional de medicina. Vencidas as barreiras, passa-se à etapa de analisar em detalhe o negócio, a administração, a saúde e os riscos da organização. Em geral, investir na gestão qualificada, na transparência das informações e na relação com investidores é um aspecto que, por estar em sintonia com as boas práticas de mercado, representa um diferencial importante, capaz de afetar o valor da transação. O indispensável trabalho de mensuração de riscos potenciais ou prementes, conhecidos ou não, é normalmente objeto de discussão e pesa na definição do preço e na estruturação da transação. Ao final, a consolidação surge como um elemento capaz de difundir e elevar os padrões de governança e gestão das empresas. Longe de pretender ser a panaceia para todos os males, a consolidação representa um fator de promoção das transformações tão necessárias e urgentes no setor de saúde no Brasil. Trata-se de aproveitar os benefícios e as lições aprendidas com situações semelhantes vividas em outros mercados. O vento da mudança está aí e pode impulsionar ou arrastar a embarcação. Uma tripulação preparada fará a diferença. * Artigo publicado pelo sócio e líder de Health Services da PwC Brasil na última edição da revista FH de 2013, que contempla o estudo Referências da Saúde
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