Se fosse desmentir cada boato que surgiu, não teríamos feito outra coisa?, o relato é do presidente da Interfarma, Antonio Britto, indagado sobre os inúmeros rumores que surgiram com a internação do Presidente Tancredo de Almeida Neves, à véspera da posse, em 14 de março de 1985. A ligação com o fato histórico é facilmente explicada: à época, o hoje executivo da área da saúde, era secretário de imprensa do presidente.
Gaúcho de Santana do Livramento, Britto quis seguir os passos de seu pai e formou-se em Jornalismo. Trabalhou no jornal Zero Hora, Rádio Guaíba, TV Gaúcha, do grupo RBS e na Rede Globo. Foi deputado federal e a convite de Ulysses Guimarães, presidente da Câmara de Deputados, foi parlamentar da Assembléia Constituinte, deputado federal, ministro da Previdência Social e governador do estado do Rio Grande do Sul.
Da experiência política, trouxe a visão da gestão de recursos e da necessidade da área da saúde. ?Pude compreender um pouco melhor quem está do lado do governo, por ter que lidar com a falta de recursos e com o tamanho do desafio que é a saúde. Por outro lado, o contato direto com a população mostrou como é a falta de acesso a serviços de saúde com qualidade, talvez, hoje, o maior problema brasileiro?, conta.
Britto nunca considerou a política como profissão ou carreira, mas já carregava a experiência do Movimento Estudantil quando chegou à Brasília. Foi como editor da área de política, na sucursal da TV Globo, que surgiu o convite de trabalhar com o presidente. ?Eu desenvolvia as atividades de jornalista político e profissionalmente tinha contato intenso com ele. Imagino que a partir daí tenha havido o interesse e a decisão do presidente Tancredo em me convidar?, relembra Britto, acrescentando que o convite foi oficializado por intermédio de Mauro Salles, coordenador da comunicação.
E como porta-voz do primeiro presidente civil eleito após uma ditadura de 21 anos (1964-1985) Britto participaria de um episódio de grande comoção nacional.
Fatos e versões
O ano de 1985 foi marcado pela redemocratização, onde o Brasil emergia cheio de esperanças após os Anos de Chumbo. Eleito por um colégio eleitoral, em 15 de janeiro daquele mesmo ano e apoiado por democratas, Tancredo Neves representava um novo capítulo na história do País.
Mas a atmosfera de renovação foi substituída pelo inesperado: à véspera de sua posse, o presidente dava entrada no Hospital de Base de Brasília e passava por uma cirurgia. A partir desse momento, com a divulgação pela imprensa da situação e considerando o momento político, palavras como conspiração, medo, dúvida, assassinato e golpe, se inseriram no cotidiano e no imaginário dos brasileiros.
?É preciso compreender que isso é próprio do ser humano, quer dizer, quando não existe uma boa explicação, quando alguma coisa é inacreditável, a tendência do ser humano é fantasiar, pois a realidade fica difícil de assimilar?, explica Britto sobre o clima que se instalou naquele março de 1985. ?Então, tentamos compreender esse fenômeno e não deixar se pautar por ele?, afirma, sobre o seu trabalho em conjunto com os outros assessores de comunicação.
Segundo os relatos históricos, nos bastidores, havia informações de que a saúde do presidente era frágil e de que talvez ele tenha retardado a própria ida ao hospital por conta do momento político, pois existia o medo dos militares se negarem a entregar o poder e a dúvida de quem assumiria o governo tornavam a situação ainda mais crítica.
Nos dias seguintes à internação do presidente, rumores circulavam e o quadro de saúde de Tancredo Neves foi alvo de todo o tipo de especulação. E era Britto que anunciava a evolução do quadro de saúde do presidente. Segundo ele, o desencontro das informações médicas divulgadas, com diferentes diagnósticos, podem ter sido gerado pelo momento político.
?Nossa linha foi sempre comunicar aquilo que os médicos transmitiam, pois nós não éramos médicos e não podíamos dizer qual era a doença. Os médicos, aparentemente, e no primeiro momento, pensaram que a doença era mais simples ou sabendo que ela era mais complexa, preferiram tranquilizar o País , o que não foi uma boa escolha?, avalia.
?À medida que a doença se mostrou mais difícil criou-se um festival de diferentes versões. Mas eu acho, que ao final o bom senso prevaleceu e os médicos compreenderam que nesse tipo de episódio não tem como desrespeitar o direito da população à verdade?, completa.
Também coube ao secretário de imprensa, Antonio Britto, fazer o comunicado oficial da notícia da morte do presidente, que faleceu no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo.
O executivo conta que foi um desafio separar o lado emocional do profissional, pois era um momento delicado e o tom da comunicação também poderia alterar a mensagem.
?Como qualquer ser humano, você tende, nessa hora, a se deixar tomar pela emoção. Mas por outro lado, o exercício profissional exige que você contenha a emoção para que seja entendido aquilo que será dito para a população. Foi um choque entre a vontade de chorar e a necessidade de ser controlar?, relembra.
O choro ocorreu após a comunicação oficial, quando o porta-voz saiu da sala de imprensa do Incor e reencontrou os colegas. ?Ali todos nós que estávamos há 38 dias naquela luta, todo mundo desabou. O momento para mim, particularmente, foi quando uma TV dentro hospital mostrava a Fafá de Belém cantando o hino nacional, já na madrugada do dia 22 de abril?.
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