Meu jovem, eu aconselho você a não fazer medicina. O setor está cada vez mais mercantilizado e menos personalizado. Você não vai gostar?. Esse foi o conselho dado ao, na época, vestibulando Charles Ghelfond, por um médico italiano radiologista amigo de seu pai. Contrariando a recomendação, Ghelfond se formou em medicina e decidiu que além de cuidar de pessoas, sua especialidade também seria surpreender as expectativas. Vale lembrar que a segunda característica ele só iria descobrir depois. Para contar sua trajetória, o médico recebeu a reportagem da revista FH, em seu laboratório, na capital paulista, numa manhã de julho.
Voltando ao início da história. Para se ter uma ideia de como o médico italiano era contrário a ideia de cursar medicina, Ghelfond conta como foi a recepção. ?Os meus pais haviam organizado uma festinha para mim quando souberam que passei no vestibular. Esse amigo deles foi a nossa casa vestido de preto dizendo que estava de luto por causa da minha decisão?.
No entanto, o amigo da família fez a única recomendação que futuramente seria atendida pelo médico: ?já que você quer fazer medicina, pelo menos se especialize em radiologia?, disse ele em tom enfático, quase como uma ordem.
Ele seguiu o conselho, mas esse foi um dos poucos que Ghelfond adotou em sua vida. Não por birra ou por se gabar, mas porque a prática de ouvir os seus instintos tem sido a mais eficaz diante dos fatos que a vida lhe mostrou.
O interesse pela área de imagens surgiu no terceiro ano da faculdade. Naquela época, aos finais de semana quando deixava a sala de aula da PUC-SP, em Sorocaba, no interior do estado, ele voltava para casa, na capital paulistana, visitava o amigo dos pais no consultório dele. ?O que me levou a gostar de radiologia era que não havia distinção entre os pacientes que eu via na faculdade e os atendidos no consultório particular. Os dois tinham de ser atendidos da mesma forma e com a mesma máquina?, conta Ghelfond.
Formado, ele foi fazer residência em radiologia no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. No fim da sua residência, começou a trabalhar no consultório do médico italiano, onde ficou por dois anos. ?Era atendimento para doentes privados, não havia nenhum convênio com operadoras ou seguradoras?.
O radiologista sabia que seus dias trabalhando em uma clínica particular eram contados. Isso porque ele previa que ocorreria um fim do perfil do doente particular e que as pessoas migrariam para um modelo de convênio ou seguradora de saúde.
Em meados de 86, Ghelfond deixou o trabalho com o médico italiano e abriu seu primeiro consultório na Avenida Angélica. ?Era uma sala com 40m², onde, inicialmente, se fazia somente ultrasson pela falta de espaço e também recursos financeiros, pois eu não tinha dinheiro para comprar um raios-X ou algo maior?.
Na época, Ghelfond também não tinha dinheiro para comprar um aparelho de ultrassonografia, mas sabia se virar. O primeiro equipamento foi comprado de um fornecedor que lhe concedeu crédito visto que o profissional provia de recursos nem para pagar a primeira parcela. ?Ele acreditou em mim. Tínhamos um acordo de pagar em 12 parcelas. Depois de três meses, eu quitei a dívida total, pois tinha conseguido trabalhar e o mercado estava ávido por ultrassonografia?.
Médico sobre rodas
As coisas iam bem no consultório de Ghelfond, mas sua agenda ainda não estava completamente preenchida. Então, marcava os exames nos hospitais e clínicas de São Paulo e redondezas e colocava seu aparelho de ultrasson móvel no porta malas do seu Opala azul. ?Eu chegava aos hospitais e as pessoas diziam: o médico sobre rodas está chegando?.
Assim ele fez a sua fama, mas um dia roubaram o seu carro com o equipamento dentro do veículo. Ele se emociona, dá um longo gole d´água, e conta que ficou desesperado. Por sorte, uma semana depois, o carro foi encontrado e o equipamento estava intacto no porta-malas.
Em 1988, ele conseguiu fazer o que chama de ?colcha de retalhos? e fundou o Centro de Medicina Diagnóstica Dr. Ghelfond e em 1990 foi para o prédio também na Avenida Angélica, ocupado pela instituição até hoje.
Em outra situação, novamente teve seu equipamento roubado. O executivo emprestou o carro a um assistente que foi assaltado. Levaram o carro e o aparelho, mas por sorte, Ghelfond, já estava melhor posicionado no mercado, e possuía outras unidades.
Atendendo baleias
Atravessar a cidade em um Opala azul, com equipamento de ultrasson no porta-malas e ser roubado duas vezes não é algo que fuja do comum para o radiologista. Da mesma forma, fazer um ultrasson em uma baleia no parque de diversões Playcenter, suspeita de ter engravidado em cativeiro não é algo digno de espanto.
?Periodicamente em São Paulo, havia um show de baleias adestradas. O encantador dava um comando por apito e fazia um circuito. Em um dado momento o mamífero não atendeu aos comandos. Havia uma dúvida: a baleia estava grávida ou doente??.
O veterinário do parque sugeriu um ultrasson na baleia. Entraram em contato com Ghelfond que topou a tarefa de fazer o exame no animal. No primeiro momento, ele tentou passar um pouco de gel, mas como o paciente em questão era uma baleia, utilizou todos os galões de gel e com um esfregão o líquido era passado e o médico seguia atrás com o aparelho.
De fato a baleia estava grávida. ?A única coisa que realmente me surpreendeu foi o fato de ter sido o primeiro caso de uma baleia ter reproduzido em cativeiro?.
É assim que o presidente do Centro de Diagnóstico Dr. Ghelfond se posiciona diante da vida. Seja um paciente em tratamento particular ou uma baleia em cativeiro, ele segue com seu propósito de início de carreira: tratar todos os pacientes da mesma forma. Hoje, ele não se aproxima mais de aquários, a não ser para olhar, e não entra mais no Opala azul para visitar pacientes. Mas continua dando expediente em seu centro de diagnóstico na capital paulista.
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