Nota da editora: Este artigo foi escrito por Vanuza Ramos, jornalista contribuidora do Changemakers® da Ashoka.
Uma simples bateria para um aparelho auditivo custa quatro reais, e dura cerca de sete dias, ao passo que o próprio aparelho custa três mil reais. Pode parecer pouco para o grande impacto que tais equipamentos têm na vida de uma pessoa com surdez mas, em países em desenvolvimento como o Brasil, esses valores significam exclusão de milhões de pessoas com deficiência auditiva. Contudo, uma grande mudança está ocorrendo desde que o empreendedor social Howard Weinstein desenvolveu uma tecnologia de baixo custo para a produção de aparelhos auditivos movidos a energia solar, num processo de fabricação que envolve formação e emprego de pessoas com deficiência.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde existem 278 milhões de pessoas no mundo com algum grau de deficiência auditiva, sendo que 90 por cento dos estimados 665 mil bebês recém-nascidos que apresentam algum tipo de deficiência auditiva até os três anos moram em países em desenvolvimento. Esses dados mostram como os países mais pobres ainda precisam melhorar seus Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) a fim de combater problemas de saúde relacionados a distúrbios sociais e econômicos.
Através do negócio social encabeçado por Weinstein e sua equipe de trabalho, por menos de 200 reais é possível adquirir aparelho auditivo e carregador solar com baterias para dois anos de uso. Dessa forma, são solucionados problemas de saúde de pessoas vítimas da pobreza e exclusão. Diminuir o preço dos equipamentos para surdez não significa apenas mitigar a exclusão social sofrida por surdos de vários países do mundo, e, sim, revolucionar a vida dessas pessoas, uma vez que, ao usar aparelhos auditivos, elas estarão de fato numa situação de igualdade com outras que simplesmente podem ouvir e ter acesso à educação e ao trabalho.
Solar Ear – O projeto teve início em 2002 na cidade de Otse, na República do Botsuana, quando Howard Weinstein recebeu uma proposta de trabalho de uma organização não governamental do Canadá, seu país de origem. Movido por questões pessoais e de solidariedade humana, Weinstein mudou-se para a África e criou a empresa Godisa Technologies e, em 18 meses, fabricou o primeiro aparelho auditivo movido a energia solar.
A grande novidade do negócio consiste no desenvolvimento de aparelhos auditivos de baixo custo e alta tecnologia, além de carregadores solares e baterias recarregáveis. Trata-se de um negócio social sustentável, reconhecido e premiado por promover o bem-estar social de pessoas com surdez em todo o mundo, pois facilita o acesso a equipamentos bastante caros para boa parte da população que deles necessita.
Mão de Obra Especializada – Um fator essencial para o êxito do Projeto Solar Ear é a contratação e profissionalização de jovens surdos para fabricação dos equipamentos e multiplicação do conhecimento entre a população com deficiência auditiva. “As pessoas surdas têm uma habilidade motora mais desenvolvida devido à linguagem de sinais e à própria deficiência, então elas possuem também uma melhor capacidade para fabricar os aparelhos, que precisam de soldas apuradas. Elas têm o perfil ideal para esse tipo de trabalho!”, declara Weinstein.
Ao empregar apenas pessoas com deficiência auditiva em seu negócio, Weinstein garante não apenas a qualidade do seu produto, como a inclusão econômica de pessoas sem oportunidade de emprego. Além disso, comprova para outros segmentos empregatícios que as pessoas com deficiência possuem aptidões e capacidades igualmente importantes para a realização de um trabalho digno, já que muitas vezes no Brasil as empresas empregam pessoas com deficiência apenas por força da lei de inclusão (Lei 8213/91 de 24/07/1991), e não por investir em sua capacidade produtiva.
O Solar Ear está sendo reaplicado no Brasil desde 2006 em parceria com o Instituto Cefac. Atualmente, uma equipe formada por 15 jovens fabrica cerca de 750 aparelhos por mês, que são exportados para vários países, já que ainda não podem ser comercializados no Brasil. A equipe brasileira recebe treinamento constante e está sendo responsável pelo treinamento de outros jovens surdos da Índia e China, onde serão abertas novas sedes agora em 2012. A experiência garante ao jovem com deficiência auditiva aprender outra língua, a do país visitante, tornando-se bilingue na linguagem dos sinais. “É incrível e maravilhoso como esse processo é importante para a autoconfiança desses jovens”, resume Weinstein.
Solução que Cruza Fronteiras – O Solar Ear tem objetivos grandiosos: pretende abrir fábricas de equipamentos para surdez movidos a energia solar em mais 15 países, contratando duas mil pessoas com defificência auditiva. Com isso pretende ajudar três milhões de pessoas por meio da inclusão, principalmente crianças em fase escolar que ainda não frequentam as escolas abertas a toda comunidade. Permitir o acesso ao aparelho auditivo e bateria para a criança significa quebrar o silêncio desde a infância, assegurando, assim, um crescimento saudável e com igualdade de oportunidades.
Dentro dessa perspectiva, o Projeto Solar Ear representa uma solução permanente para um problema que acomete milhões de pessoas no mundo, uma vez que entende o desafio de maneira integrada, não focando apenas no desenvolvimento de um dispositivo mas tendo desenvolvido um novo sistema de produção, que transformou toda a cadeia, desde o momento de criação de seu produto. Se para cada doença busca-se uma solução, Howard Weinstein tem colaborado muito para um mundo melhor e mais justo. Ideias como essa traduzem bem o lema do Desafio Inovações para a Saúde: soluções que cruzam fronteiras, projeto realizado por meio de uma parceria entre o Ashoka Changemakers ® e a Fundação Robert Wood Johnson.
Fonte: Vanuza Ramos, Changemakers PT, 27/01/12