Na luxuosa sede do grupo Alsaraiva no Morumbi, na zona sul de São Paulo, o médico Alberto Saraiva experimenta a novidade que começa a ser oferecida esta semana na sua rede de fast-food, o Habib’s: bolinho frito de bacalhau, cujo lançamento exigiu investimentos de R$ 20 milhões. O garçom oferece suco. Ele aceita, mas pede a versão light.

“Engordei quase meio quilo depois da degustação de ontem [dia 10]”, justifica. “Ficamos três horas provando novas versões da coalhada seca, feitas por meio de um equipamento que desenvolvemos para retirar o soro do produto”, diz ele, que faz questão de dar a palavra final sobre cada lançamento. “Eu era o cozinheiro da nossa primeira loja e essa tradição [de aprovar pessoalmente o produto antes de oferecê-lo] eu não deixei de lado”.

Aos 58 anos, o poder centralizador do “Dr. Saraiva”, como é chamado pelos funcionários na sede da companhia, vai muito além da cozinha. Médico, sem nunca ter exercido a profissão, Saraiva discorre com facilidade sobre o processo produtivo da coalhada ou do bacalhau norueguês, tal é o seu grau de envolvimento nos negócios, fruto de uma média de 16 horas diárias de trabalho. Mas sua especialidade está nos números: faz a negociação que for preciso para que os preços dos produtos carro-chefe das suas lanchonetes Habib’s (comida árabe), Ragazzo (italiana) e da novata Box 30 (salgadinhos) comecem com zero.

Foi a partir da esfiha vendida a menos de um real no Habib’s (a de carne custa hoje R$ 0, 85), que o médico nascido em Portugal construiu um grupo de empresas de alimentação e serviços que fatura entre R$ 800 milhões e R$ 1 bilhão, segundo estimativas de mercado. Só de esfihas, vendeu 635 milhões de unidades em 2010, ou 3,3 esfihas per capita.

“Só um produto que custa centavos pode ser socializado”, diz Saraiva, que tem esta mesma meta com o bolinho de bacalhau, sua maior aposta desde 2005, ano em que passou a oferecer outro item tipicamente português, o pastel de Belém, no Habib’s. Por quase um ano, Saraiva negociou com fornecedores portugueses de bacalhau, até conseguir que o preço do bolinho ficasse em R$ 0,95. Gastou outros três meses para ampliar em 22% o espaço da central de produção do Habib’s, em Itapevi (SP), que hoje soma 11,1 mil metros 2.

Além disso, precisou adaptar mais de 200 caminhões da frota da empresa para receber o bolinho de bacalhau. “A temperatura dos nossos caminhões frigoríficos era de 8º Celsius, mas o SIF [Serviço de Inspeção Federal, que atesta a qualidade dos alimentos] exigiu que essa temperatura fosse de 18º Celsius, sem negociação”. Dos R$ 20 milhões que estão sendo investidos no lançamento do produto, metade vai para a campanha publicitária, que começa em março.

No fim de 2010, a empresa importou 450 toneladas de bacalhau, montante suficiente para abastecer as atuais 330 lojas do Habib’s por três meses, com 45 milhões de bolinhos. A investida, diz Saraiva, elevou a rede de lanchonetes ao patamar dos maiores compradores de bacalhau do país. A Riberalves, fornecedora do Habib’s, atende varejistas como Pão de Açúcar, Walmart e Carrefour.

“Eu poderia ter comprado o bacalhau aqui no Brasil, mas a conta nunca iria fechar para que um bolinho de 30 gramas, com 45% de bacalhau na sua formulação, custasse centavos”, diz o empresário, adepto ferrenho da verticalização. Além das três bandeiras de restaurantes, o Alsaraiva é formado por nove empresas – desde fabricante de laticínios a escritório de arquitetura, passando por agência de propaganda. “É melhor ter o controle sobre tudo, para que o nosso lucro não vá embora em cada etapa do processo”, diz Saraiva, cujas indústrias de laticínios, pães, massas, doces, sorteves e sobremesas congeladas produzem itens de marca própria para terceiros. Em serviços, a Voxline, de contact center, atende o mercado.

“A verticalização custa mais, mas garante maior controle sobre o processo”, diz o consultor Eugenio Foganholo, da Mixxer. “Especialmente no ramo alimentício, em que é preciso assegurar ainda mais a qualidade, não há nada de errado em um modelo verticalizado”, diz.

Mas não é preciso muito capital para manter esta estrutura? “Não devemos nada aos bancos”, diz Saraiva, que tem metade dos pontos de venda como franquia. “O nosso lucro é reinvestido na empresa e mesmo o candidato a franqueado precisa provar que tem recursos próprios para bancar o negócio, não queremos ninguém pendurado em empréstimos”, diz ele, que aprova pessoalmente cada um dos franqueados. O modelo foi desenvolvido em 1992, apenas quatro anos depois do início da primeira rede, o Habib’s.

Na época da faculdade, enquanto precisava se desdobrar entre o balcão e os livros de anatomia, Saraiva abriu meia dúzia de negócios diferentes. “Tive padaria, pastelaria, lanchonete, casa do nhoque, bar… Tinha uma ideia, abria um negócio, quando o movimento da loja estivesse bom, eu passava o negócio para frente”, lembra ele, que adotava essa estratégia porque não tinha capital de giro nem tempo para expandir a operação. “Tinha até corretor de imóveis que me acompanhava, sabia que depois de eu trabalhar um ponto ele poderia vendê-lo com lucro”.

O empresário começou no ramo de alimentação por uma tragédia familiar. O pai, português, comprou uma padaria na Penha, zona leste de São Paulo, onde acabou sendo assassinado durante um assalto. Aos 19 anos, como filho mais velho, Saraiva assumiu o negócio. “A faculdade de medicina me consumia o dia inteiro e eu tinha que levantar de madrugada para aprender a fazer pão”, diz ele, que se lembra de ter pelo menos quatro fortes concorrentes na região.

Mas o pão do seu estabelecimento não tinha apelo, por causa de um padeiro não comprometido com o trabalho. “Ele saía no meio do expediente para ver se a mulher o estava traindo”, lembra. Foi então que Saraiva colocou literalmente as mãos na massa e, depois de várias tentativas e erros, o movimento do estabelecimento deu um salto. “A nossa padaria se tornou a maior padaria do bairro e eu vendi o negócio”, diz ele, que chegou a trancar a faculdade por dois anos enquanto ziguezagueava entre diferentes ramos de alimentação.

Foi quando abriu uma lanchonete na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, que um dia foi procurado por um velho cozinheiro desempregado, que havia trabalhado por anos na Rua 25 de Março, tradicional meca de comércio popular da capital paulista. Paulo Abud lhe pediu emprego e Saraiva perguntou o que ele sabia fazer. “Ele me ensinou todos os pratos árabes que conhecia e morreu dois anos depois de eu criar o Habib’s, em 1998”, afirma.

Com o sucesso do novo empreendimento, Saraiva pendurou o diploma de medicina na parede. Hoje são 330 lojas Habib’s, que devem aumentar em 45 pontos de venda este ano; e a Ragazzo, criada em 2005 e dona de uma rede de 21 lojas, terá mais dez em 2011. A Box 30 – a nova bandeira que só vende salgadinhos e sorvetes, em um espaço de 20 a 80 m2, bem menor que o do Habib’s, de 400 m2 – ainda está em testes, com uma loja na zona sul de São Paulo. Outros cinco pontos de venda da Box 30 serão abertos este ano, antes de a marca se tornar um modelo de franquia. “A cada 30 salgados comprados, o cliente ganha mais 30 e isso não é promoção, é a proposta da loja”, diz ele.

As investidas do “rei da esfiha” não se restringem ao ramo de alimentação. Saraiva se associou há dois anos a uma empresária do ramo de turismo, Eunice Schleier, e lançou a Bib’s Tur, que tem uma loja em São Paulo. Nos últimos anos, ele tentou diversificar mais ainda e anunciou a abertura de postos de combustível. “Mas descobrimos que os pontos que estávamos negociando tinham processos por problemas ambientais, e não fomos adiante”, diz Saraiva que, no entanto, garante não ter desistido do projeto.

Mas uma frustração que o médico carrega é não ter levado a bandeira do Habib’s para fora das fronteiras nacionais. No início da década passado, ele tinha um projeto para desembarcar em Miami, nos Estados Unidos, que foi abortado devido aos ataques de 11 de setembro, em 2001. “Não cairia bem abrir uma rede de comida árabe naquele momento”, conclui. Em seguida, foi a vez do México, lugar onde o próprio Saraiva morou durante um ano, para apoiar a instalação das sete lojas no local. “Mas enfrentamos uma série de problemas de adaptação e decidimos que, no exterior, nunca mais montaremos sozinhos uma operação própria”, diz ele.

Foi por isso que a terceira tentativa de internacionalização da rede, na China, em 2009, não vingou. Na época, Saraiva chegou a anunciar um plano de instalar 500 lojas no maior país do continente asiático. “Estávamos negociando com um grupo de investidores locais, mas o processo foi mal conduzido e eles não concordaram que a nossa participação seria apenas de transferência de know-how, queriam que tivéssemos loja lá”, diz Saraiva. “Mas isso seria um projeto de alto risco”.

Teimoso por convicção, Saraiva garante que agora está mais próximo de fazer o Habib’s atravessar a fronteira. “Estamos negociando a chegada da bandeira ao Equador e a operação deve ser concluída este ano, com terceiros”, afirma.

Inquieto, o “Dr. Saraiva” garante que as 16 horas que passa por dia trabalhando não o fazem relegar a família a segundo plano. “Sou casado há 22 anos com a mesma mulher, que eu namorei por seis anos”, diz Saraiva, para elencar outros números prodigiosos. “Temos cinco filhos – a mais velha, Bruna, já está sendo preparada para assumir o grupo um dia. E agora Cláudia, minha mulher, está esperando o nosso sexto filho, uma menina”, conta orgulhoso o palmeirense, que na sexta-feira passada recebeu na sede da empresa o novo presidente do Palmeiras, Arnaldo Tirone.

Fonte: Jornal Valor Econômico, 18/02/2011

Vídeo com Alberto Saraiva:

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Atenciosamente,

Fernando Cembranelli

Equipe EmpreenderSaúde