Com o surgimento de novas tecnologias, os tomadores de decisão de hospitais e outras instituições de saúde agora possuem uma demanda crescente de avaliação de novidades passíveis de serem adquiridas. A decisão se torna cada vez mais complexa e desafiadora e, nos casos de inovações disruptivas, que impactam a rotina clínica e o uso de outros equipamentos ou serviços da instituição, essa mudança é ainda mais complexa. Em um sistema altamente fragmentado, como é a saúde no Brasil, o impacto de decisões de tecnologia, se equivocados, podem ser prejudiciais ao desenvolvimento da medicina, por mais de uma década.

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No geral, as instituições tomam decisões sem processos estabelecidos e confiáveis. Segundo Gabriela Tannus, sócia-diretora da Axia Bio Life Sciences International, “pensando nos hospitais, ainda não

vemos muitos processos estabelecidos. Podemos encontrar mais desses processos em fontes pagadoras”. Alguns exemplos na área são hospitais considerados referência no País, como Sírio Libanês e Albert Einstein, e isso ocorre por terem institutos de pesquisa e serem filantrópicos, com relacionamento próximo ao subsistema público de saúde do País. Em instituições públicas, a criação de Núcleos de Avaliação de Tecnologia em Saúde (NATS), em locais como o Hospital das Clínicas, permite o fomento da área e a formalização de avaliações cientificamente baseadas.sb_nati2

Por si só, as pesquisas em formas de revisões sistemáticas já trazem dados relevantes sobre uma nova tecnologia, mas se limitam a um contexto controlado e sob condições específicas. Pensando assim, as instituições de saúde têm um papel crucial, que é a geração do conhecimento prático sobre aquela tecnologia. “A instituição é que pode dar a informação. Principalmente na área de dispositivos médicos, que são técnico-dependentes, os hospitais têm um papel muito importante e já vemos instituições se movimentando neste caminho”, diz Gabriela.

A saúde brasileira pode apresentar três problemas decorrentes da falta de avaliações apropriadas. São eles: o uso de tecnologias sem eficácia constatada; o baixo uso daquelas que apresentam alta eficácia e, por último e talvez mais perigoso, o uso de tecnologias sem efeito ou com resultados deletérios. Seja esta tecnologia um medicamento, equipamento ou procedimento técnico, no fim, o paciente é o mais prejudicado por não receber um atendimento de qualidade que poderia mudar o destino de sua condição de saúde.

A concentração do conhecimento em instituições de referência e órgãos específicos, como a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e o CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), freia visões diferentes sobre o uso de novas tecnologias. Muitos locais acreditam que é necessário um time de especialistas científicos e que somente a parte científica é importante. Para Gabriela, isso é uma questão de criar processo. “Não necessariamente precisamos de uma equipe com 25 especialistas para que as instituições consigam fazer, no mínimo, uma peneira. Não

é só a informação científica que pesa, é preciso olhar para o perfil da população atendida, o perfil dos profissionais, o financiamento, o impacto na rotina médica e a opinião do paciente sobre a nova tecnologia”.

Alguns autores sugerem uma lista de 20 a 25 perguntas, conhecidas como mini-HTA (Health Technology Assessment), que consiste em um checklist desenvolvido para auxiliar decisões baseadas em evidência dentro de organizações ou sistemas de saúde. Envolve questões referentes à eficácia, segurança, custos e consequências organizacionais e éticas na adoção tecnológica. No geral, seu preenchimento é realizado pelo corpo clínico, podendo haver suporte técnico relacionado à Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS).

Outra opção é o Multi-Criteria Decision Analysis, que já é usado em outras áreas da economia, mas vem ganhando bastante força na área da saúde. Neste modelo, os critérios recebem pesos e ponderações, criando uma visão bastante transparente e prática sobre o que pesa para a adoção tecnológica. Neste caso, o corpo clínico é de extrema importância, mas um apoio técnico maior se torna necessário.

É importante lembrar que as instituições têm naturezas diferentes, algumas mais tecnológicas e inovadoras e outras mais tradicionais. E, mesmo sem adotar uma tecnologia, elas podem validá-las. “Você pode avaliar sem adotar”, completa Gabriela.

“Sir Michael Rawlins, criador do National Institute for Health and Care Excellence (NICE), faz uma discussão muito interessante sobre ATS. Os dados na avaliação não são substituíveis, mas complementares. Quando falo dos dados científicos e dos dados ‘de vida real’, eles se complementam,

porque o processo de decisão em saúde é um processo multifatorial, multicritérios. Não estamos substituindo nada, estamos complementando e, no final, quem tem que ganhar é o paciente”, finaliza Gabriela.

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A incorporação de tecnologia passa por um ciclo que agrega diferentes fases. São elas: pesquisa e desenvolvimento; regulação; acesso e; monitoramento e gestão. As instituições de saúde têm papel claro em cada uma dessas fases, trazendo a visão clínica e de vida real para os resultados encontrados nas pesquisas.

*Esta reportagem está na edição de outubro-novembro-dezembro da revista Saúde Business