Mesclar o respeito pelas áreas que “veem os olhos” do cliente final com a função de desenvolver alternativas de abastecimento mais econômicas não é uma tarefa simples. Porém, as dificuldades não devem inibir a criação de processos eficazes que regulem novas padronizações, postos os ganhos financeiros e assistenciais que estas alternativas podem gerar.

Muito se fala sobre a importância da habilidade negocial dos compradores. Porém, não há melhor negociador do que a livre concorrência entre marcas de equivalência técnica comprovada.

Se uma empresa vendedora se sente confortável na relação de compra e venda, não há motivos para que reduções de custos sejam oferecidas. Seus serviços periféricos aos produtos são básicos ou nulos. Seu ímpeto para desenvolvimento de melhorias de processos internos é  pífio.

Ao incluirmos um novo agente nesta relação, as coisas rapidamente mudam. Quantos de nós não convivemos com um fornecedor cuja redução de preços era impossível em um momento e, após a entrada de um concorrente, ofereceu descontos acima do que pleiteávamos em uma primeira solicitação?

Por mais que isso faça compradores “subirem pelas paredes” de revolta, devemos compreender este movimento como uma regra de mercado. E para fazer frente a ela, nada melhor de que uma metodologia muito bem implantada de pesquisa e desenvolvimento de alternativas. A seguir descrevo alguns pontos relevantes na construção desta metodologia.

Pesquisa e Desenvolvimento 
 Não se tem por hábito discutir a função de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) como estratégica para Compras. Muitas vezes ela é uma atividade complementar de cada comprador, feita entre uma e outra requisição ou às pressas quando um fornecedor costumeiro e exclusivo não pode atender nossas demandas.

Independentemente da forma de divisão de tarefas existentes em seu departamento (famílias de produtos, valores, unidades, fornecedores, etc) é essencial que a prospecção de produtos e fornecedores tenha a mesma nobreza das tratativas concedidas a itens da curva A. Verdadeiramente, dados os resultados em curto prazo desta ação, bem como a nota de segurança que esta função traz ao setor, melhor é dedicar um profissional para coordenação dos processos em tempo integral.

Além de se tornar um facilitador das implantações, agindo como uma espécie de orientador para a equipe, este comprador de P&D vai também atuar como instrumento de monitoramento do ciclo de vida dos produtos e fornecedores durante seu uso na companhia. Ele poderá coletar avaliar e catalogar informações sobre o nível de satisfação da relação comercial ou sobre avaliação técnica dos itens após sua padronização.

Equipe multidisclipinar 
Um dos trabalhos mais exaustivos é convencer os pares profissionais de que o desenvolvimento de alternativas não necessariamente reflete uma redução proporcional de custo e qualidade. Indiretamente, opções de abastecimento reduzem os riscos de faltas de produtos, uma vez que há sempre uma nova fonte de atendimento disponível.

Assim sendo, é preciso estimular clientes internos a formarem um comitê  avaliador de novos itens, posta na mesa sua necessidade na prevenção de riscos. Nesta equipe, da qual devem fazer parte os profissionais tecnicamente capacitados para avaliação de novos produtos, os representantes de Compras precisam se comprometer com uma regra: nada será comprado sem a validação de quem utiliza o item.

Guardado o interesse em não influenciar testadores com percepções prévias, é recomendável, ainda, que se combine com o grupo o sigilo sobre preços dos itens durante seu processo de avaliação.

Por último, a proximidade de Compras com a alta direção deve ser utilizada para divulgar os ganhos financeiros obtidos pelo comitê. Isto fortalecerá  o envolvimento dos membros através do reconhecimento do tempo e esforço dedicado às atividades de padronização.

Definição do Processo 
A equipe multidisciplinar deverá combinar uma janela única de entrada de novos itens. Mesmo porque, além das demandas apresentadas por Compras, todas as necessidades de desenvolvimento convergirão naturalmente para avaliação do grupo.

Muitas vezes, os usuários finais têm contato com novas opções através do trabalho da equipe de vendas de fornecedores, de congressos especializados ou por indicações de colegas de mercado ou mesmo clientes.

Como os procedimentos desenvolvidos deverão mencionar os requisitos mínimos para a introdução de um item em teste (inclusive, legais), este canal pré-definido evitará que as áreas assistenciais ou de produção utilizem produtos que não tenham sido encaminhados pelas vias seguras de checagem.

Há  uma tendência de que, com o tempo, o comitê de padronização se torne um vetor de novas tecnologias na companhia, recebendo na mesma proporção demandas de Compras e de outras áreas.

Outro aspecto importante é atrelar o uso de itens a fornecedores devidamente homologados. Supondo que um determinado material tenha sido aprovado na fase de testes, uma efetiva aquisição só poderá ser confirmada caso a empresa vendedora também tenha sido avaliada, inclusive, com auditorias em suas instalações.

Um produto excelente depende de valores periféricos para que suas características o definam como homologado perenemente. Afinal, se no teste de campo ele foi bem recebido, critérios como armazenagem, transporte, rastreabilidade e respaldo em caso de problemas são pontos verificáveis somente através de um processo institucionalizado de qualificação e monitoramento de fornecedores.

Caso estes fornecedores utilizem-se de outros fornecedores terceirizados é bastante recomendável que a homologação não se atenha apenas ao representante direto. Visitar fábricas, distribuidores ou prestadores de serviços agregados garante uma qualificação plena de toda a cadeia de suprimento.

Diplomacia e confiança mútua 
No início de minha carreira em Compras fui responsável pela aquisição de MRO”s (Manutenção, Reparo e Operações). No meu primeiro ano de atividade tracei um objetivo que começou como sendo profissional e se tornou, sem que eu percebesse, pessoal: desenvolver uma tinta alternativa ao padrão utilizado na empresa, cujo fornecimento era exclusivo de um determinado distribuidor.

Seu preço era 20% maior que a média de mercado e eu custava a acreditar que não houvesse opções de abastecimento. Remeti então amostras da tinta para 10 fornecedores diferentes, solicitando que desenvolvessem um produto com características idênticas aquele que comprávamos.

Para minha frustração, uma amostra após a outra foi reprovada pela equipe de pintores da Manutenção. Indignado, eu levava pedacinhos de madeira pintados a colegas, companheiros de escola e até familiares perguntando se eles viam alguma diferença entre as amostras. Quando alguém me dizia que eram iguais, eu reclamava do comodismo e preferência sem sentido dos usuários finais.

Então, no limite da minha paciência, deliberadamente enviei à avaliação a 11ª amostra exatamente com o mesmo padrão que habitualmente utilizávamos, obviamente sem identificação da origem. Para mim seria a prova dos nove de que as análises anteriores não estavam sendo feitas com o devido critério.

No dia seguinte recebi um pedaço de papel colorido com a tinta, acompanhado da seguinte inscrição: “Finalmente uma amostra aprovada.”

Este exemplo denota o comportamento de desconfiança que muitas vezes deixamos aflorar no relacionamento com as equipes técnicas responsáveis pela avaliação dos produtos. A implantação de uma sistemática de padronização só se torna viável a partir do momento em que respeitamos o parecer dos analisadores.

É essencial realizarmos um exercício de empatia neste caso: como nos sentiríamos se o gerente de TI nos impusesse a utilização de um software de gestão que não tivesse apresentado o desempenho esperado nos testes preliminares? Como resposta, muitos compradores diriam que ele está tomando uma decisão sem ouvir os principais interessados.

Mesmo após um parecer negativo, podemos utilizar nossa habilidade de negociação para identificar saídas que combinem ganhos financeiros sem prejudicar a assistência.

Através de uma tratativa diplomática podemos compreender as necessidades dos avaliadores pedindo a eles que descrevam a qualidade esperada sem vinculá-la a escolha de marcas ou modelos específicos.

Trocar o desejo de ter razão por uma abordagem centrada nos objetivos esperados requer competências emocionais. E o relato acima demonstra que a diplomacia pode virar jogos praticamente perdidos.

*Ronie Oliveira Reyes é gerente de compras do Hospital Nossa Senhora de Lourdes

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