A informática na saúde no século 21 será tão essencial quanto o estetoscópio no século 19. Atraído por este pensamento, Antoine Geissbuhler mergulhou no tema TI em saúde e hoje acredita que a tecnologia tem impacto transformador no setor. O executivo é presidente da Associação Internacional de Informática Médica (IMIA, da sigla em inglês) e professor do departamento de tecnologia do Hospital Universitário de Genebra, na Suíça.,13,O suíço, nascido e criado naquela cidade, onde atualmente vive, passou cinco anos de sua vida nos Estados Unidos para se aprimorar no desenvolvimento de sistemas e soluções tecnológicas para a saúde mundial. Um de seus projetos inclui a Telemedicina em diversas regiões da África. Geissbuhler conversou com a FH sobre esta experiência e o cenário mundial da saúde. Veja os principais trechos a seguir.,13,
Quem

Presidente da Associação Internacional de Informática Médica (IMIA, da sigla em inglês)

O que faz
? Professor de Informática Médica da Universidade de Medicina de Genebra, na Suiça, onde é presidente do departamento de Radiologia e Informática Médica. Também é diretor do Serviço de TI em saúde dos hospitais universitários da região

? Autor de mais de 50 publicações científicas em revistas e jornais especializados, sua pesquisa atual concentra-se no desenvolvimento de sistemas de informação baseados em computador para melhorar a qualidade e eficiência dos processos de atendimento

? Coordenador do projeto de Telemedicina na África

? Participou do desenvolvimento de sistemas de informação clínica e de gestão do conhecimento na Vanderbilt University Medical Center,13,Revista FH: Em sua visão, como está a saúde global e como a informática médica pode ajudá-la a se transformar para melhor?
Antoine Geissbuhler:
Os sistemas de saúde estão enfrentando grandes dificuldades em todo o mundo por causa do financiamento insustentável ou em razão do acesso desigual aos cuidados de saúde. Assim, a informática médica pode ajudar a melhorar a eficiência, a qualidade e a segurança dos sistemas de saúde, fornecendo ferramentas capazes de aprimorar a circulação da informação, tornando-a disponível onde e quando for necessário, além de fornecer conhecimento adequado para ajudar os profissionais a tomarem melhores decisões, principalmente em questões clínicas e gerenciais. O advento da conectividade móvel acessível está ampliando o papel das tecnologias de informação e comunicação (TICs) e também permitindo que outros interessados ??participem mais ativamente, incluindo doentes e cidadãos.,13,FH: Mas como enfrentar os obstáculos políticos, financeiros e de abastecimento para o acesso às informações em saúde?
Geissbuhler:
Conforme a informática em saúde aumenta a disponibilidade e transparência das informações, a confiança torna-se uma questão-chave para a superação dos obstáculos de acesso. O cidadão tem de confiar nos profissionais de saúde e nos governos. Assim como os profissionais de saúde têm de confiar uns nos outros. E as instituições precisam implantar ferramentas para aumentar a confiabilidade das informações de saúde, como a HONcode fornecida pelo Health On the Net Foundation, que ajuda os usuários da web a entenderem o quanto eles podem depositar sua confiança em um determinado site médico.,13,FH: Incentivar a comunidade global a criar uma mudança transformacional, reivindicando soluções inovadoras e parcerias público-privadas, que coloquem a saúde no coração da equação, pode ser outra solução?
Geissbuhler:
As parcerias público-privadas podem desempenhar um papel significativo para o desenvolvimento de soluções inovadoras, desde que as respectivas funções de cada parceiro sejam bem compreendidas. Em particular, os parceiros públicos devem assumir a responsabilidade de construir a confiança e assegurar o acesso equitativo a essas soluções.,13,FH: O Brasil ainda pode ser muito explorado na questão de sistemas de informação para saúde. Mas a questão da convergência de sistemas sempre acaba sendo a grande culpada pela falta de avanço. Qual a sua opinião sobre isso?
Geissbuhler:
Interoperabilidade é uma das questões fundamentais que os sistemas de informação de saúde estão enfrentando. É essencial que mais trabalho seja feito para promover qualidade e padrões abertos. E, ainda, usar esses sistemas desde o início dos projetos pode ser fundamental. Em paralelo, as instituições, independente da região e país, devem desenvolver quadros de interoperabilidade como parte de sua estratégia eHealth, a fim de garantir que os vários componentes do sistema sejam capazes de trabalhar em conjunto, nos níveis técnicos e semânticos.,13,FH: Quando os temas são mídias sociais e mais acesso à informação, você acredita em uma revolução na saúde? Esse acesso é realmente para todos?
Geissbuhler:
As mídias sociais estão dando um novo lugar para os pacientes e os cidadãos. Essas ferramentas permitem mais eficiência, uma comunicação direta de paciente para paciente e, assim, promovem a sabedoria coletiva, como um desafio às fontes de conhecimento estabelecidas. Isto é tanto uma grande oportunidade para que os pacientes sejam ? e se sintam- mais envolvidos nos seus cuidados quanto um desafio para os profissionais de saúde, que precisam entender como lidar com estes novos canais.,13,FH: A saúde tem sido cada vez mais alvo de sites, comunidades e grupos em mídias sociais, como Facebook e Twitter. Se, por um lado, as pessoas se sentem mais preparadas e esclarecem mais suas dúvidas, por outro, isso pode induzir ao erro do autodiagnóstico, a automedicação e ,em alguns casos, colocar o médico em uma situação delicada. Qual sua opinião sobre isso?
Geissbuhler:
Assim como a maioria dos espaços de informação não é regulamentado, a internet também não é, além de ser a casa da melhor e da pior informação. É difícil para os usuários da internet conseguirem algum tipo de orientação e essa é nossa responsabilidade como profissionais de saúde: garantir que os pacientes não fiquem prejudicados por informações inadequadas. As informações da internet devem ser levadas a sério e discutidas com os pacientes durante suas consultas. Estamos também trabalhando no conceito de “receita de informação”, em que os profissionais de saúde “prescrevem” informações aos seus pacientes, a fim de ajudá-los a aprender mais sobre sua condição ou tratamento, a partir de fontes consideradas confiáveis pelos cuidadores.,13,FH: Sem esses consideráveis benefícios da informática médica, você acredita em uma possível saúde global?
Geissbuhler:
Embora eu acredite que as ferramentas de informática médica são essenciais para construir sistemas de saúde sólidos, a verdade é que as evidências do impacto dessas ferramentas ainda são poucas. Nós, como uma comunidade profissional, devemos fazer mais para avaliar e documentar o impacto da informática médica e do eHealth nos resultados do setor.,13,FH: O fato de escolher a informática para trilhar a medicina tem a ver com a sua forma de pensar a saúde do presente e futuro? O que o influenciou a seguir este caminho?
Geissbuhler:
Ao testemunhar o rápido crescimento na quantidade de informação, conhecimento médico e complexidade dos sistemas de saúde, ficou claro para mim que a informática seria essencial para os cuidados profissionais no século 21, assim como o estetoscópio tornou-se essencial para os médicos no século 19. Precisamos construir uma ponte sobre o mundo da informática com o mundo da medicina, a fim de criar sinergias entre aquilo que os humanos fazem melhor e o que os computadores fazem bem. Isto é, na sua essência, o papel da informática médica.,13,FH: Uma de suas 100 publicações científicas destaca o desenvolvimento de soluções inovadoras, sistemas de informação baseados em conhecimentos habilitados e ferramentas baseadas em computador para melhorar a qualidade, segurança e eficiência dos processos de atendimento ao paciente. Sem falar do desenvolvimento de uma educação à distância e grande rede de telemedicina em países em desenvolvimento. Todo esse esforço já tem resultado?
Geissbuhler:
Nós desenvolvemos sistemas de informação avançados em hospitais de países desenvolvidos, tecnologias que os usuários não aceitariam mais ficar sem, depois do experimento. Nesse meio tempo, percebeu-se que esse potencial também se aplicaria a países em desenvolvimento, onde a capacidade de mover a informação sem ter de deslocar pacientes ou especialistas poderia fazer uma enorme diferença para uma prestação de cuidados de saúde de melhor qualidade.,13,FH: Você esteve envolvido na coordenação do desenvolvimento de uma rede de telemedicina na África. Conte um pouco mais sobre essa experiência e como ela pode ajudar a saúde global.
Geissbuhler:
Educação continuada dos profissionais de saúde e acesso a aconselhamento especializado são as chaves para melhorar a qualidade, eficiência e acessibilidade do sistema de saúde. Nos países em desenvolvimento, essas atividades são geralmente limitadas às capitais regionais, e os profissionais deslocados não têm acesso a essas oportunidades, nem mesmo ao material didático adaptado às suas necessidades. Isso limita o interesse desses profissionais em permanecerem ativos na periferia, onde são mais necessários para implementar estratégias eficazes para a prevenção e cuidados de saúde de primeira linha.
A fim de atender a estas necessidades, os hospitais universitários de Genebra (Suíça) desenvolveram uma rede de telemedicina na África, chamada de RAFT, Réseau en Afrique Francophone pour la Télémédecine,primeiro em Mali, em seguida na Mauritânia, Marrocos, Camarões e, desde 2004, em Burkina-Faso, Senegal, Tunísia, Costa do Marfim, Madagascar, Níger, Burundi, República do Congo, Argélia, Chade, Benin, Guiné e República Democrática do Congo.,13,A atividade principal do RAFT é o webcasting de cursos interativos destinados a médicos e outros profissionais de saúde, com temas propostos pelos parceiros da rede. Os cursos são semanais e gratuitos, acompanhados por centenas de profissionais que podem interagir diretamente com o professor. Cerca de 70% desses cursos são agora produzidos por especialistas da África. A banda larga de 30 kbits por segundo, a velocidade de um modem analógico, é suficiente e permite a participação de hospitais remotos ou mesmo cibercafés.,13,Outras atividades do RAFT incluem teleconhecimento médico, teleultrassonografia e desenvolvimento colaborativo de material educacional online.,13,FH: A telemedicina tem atraído empresas para o Brasil, por ser um país de grande extensão e pouco explorado nesse aspecto. Se comparado a outros países emergentes, como o Brasil está em relação à telemedicina?
Geissbuhler:
Vários projetos brasileiros de telemedicina têm sido bem sucedidos, eles estão crescendo e alcançando escalas significativas, às vezes servindo vários milhões de cidadãos. Comparado com outros países, com resultados muito menos significativos, este sucesso pode ser explicado pela qualidade da infraestrutura de TI existente, o dinamismo da economia e o empreendedorismo, além da presença de profissionais de informática médica bem treinados. Para a telemedicina, o Brasil não é apenas um exemplo a ser seguido por países em desenvolvimento, mas também uma fonte de inspiração para as nações mais ricas.