Com uma marca tão forte que continua sendo chamado de “Laboratórios Fleury” mesmo depois de mais de dez anos sem usar essa expressão, o Grupo Fleury transformou-se em um grande centro de medicina diagnóstica e abraçou novos negócios na área de saúde. Além de mais de 30 especialidades médicas e um hospital-dia o grupo passou a atuar como consolidador de mercado. No início dos anos 2000, começou um processo de aquisições de empresas focadas na área de medicina diagnóstica que resultou na incorporação de 21 empresas em diferentes regiões do País.
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Com essas aquisições, o Fleury deixou de ser uma companhia paulistana, ganhou abrangência nacional e ampliou sua atuação – antes mais restrita aos segmentos A e B da população – passando a atender também as classe C e D. Para viabilizar esse processo, criou a empresa NKB para ser o veículo jurídico dessas aquisições. Esse dinamismo deverá mostrar seus resultados no faturamento deste ano, previsto em R$ 720 milhões, um crescimento próximo a 24% sobre os R$ 581 milhões faturados no ano passado.
À frente de todas essa mudanças está Mauro Figueiredo, um médico de 47 anos que começou no grupo, há 12 anos, atuando em uma área técnica, de biologia molecular. Em 2005 assumiu a presidência do Grupo Fleury. Na sede da empresa, ele concedeu uma entrevista exclusiva à Gazeta Mercantil para falar sobre os planos de crescimento do grupo.
Gazeta Mercantil – Por que o Fleury não quer mais ser chamado de laboratório?
O grupo, que este ano completou 82 anos, por muitas décadas restringiu-se à atividade de medicina laboratorial, com foco em exames. Daí surgiu a marca, que é forte até hoje, conhecida como Laboratório Fleury, mas há mais de dez anos nós não usamos mais essa marca em nenhum material. Há mais de 20 anos a empresa não é mais só um laboratório, ela expandiu suas atividades.
Gazeta Mercantil – Como foi esta evolução?
A partir da década de 80 o Fleury começou a desenvolver conceitos novos e a se transformar em um grande centro de medicina diagnóstica, onde se encontrava qualquer tipo de procedimento que tenha alguma relevância na área diagnóstica. Temos um hospital-dia e uma área de gestão de saúde, por exemplo. Nos anos 80 e 90 houve uma expansão da rede, com aumento e diversificação de testes diagnósticos oferecidos. No início dos anos 2000, como parte do planejamento estratégico nos moldamos em dois sentidos. Um deles foi começar a atuar também como consolidador de mercado e iniciamos um processo de aquisição de empresas focadas em medicina diagnóstica. De 2002 até hoje, foram realizadas 21 aquisições em diferentes regiões do País. Hoje estamos em Pernambuco, Bahia, Rio de janeiro, São Paulo. Paraná e também no Distrito Federal. Atuamos desde o segmento A até o D.
Gazeta Mercantil – Como o Fleury está organizado?
Hoje somos um grupo, organizado em unidades de negócios. Temos a unidade de medicina diagnóstica, que atende diferentes segmentos da população, com diferentes marcas em todo o País, e temos outras duas unidades de negócios: o hospital-dia, para os procedimentos médicos de baixa complexidade e a área de gestão de saúde. Eram quatro unidades, porque a área de diagnóstico era dividida em duas, mas elas estão sendo fundidas numa grande unidade de medicina diagnóstica que abriga diferentes marcas, inclusive a Fleury, que é a marca premium.
Gazeta Mercantil – A decisão de adquirir empresas voltadas para as classes C e D está relacionada ao aumento de renda desses segmentos?
Não. Tem a ver com o fato de que tínhamos condição de suprir soluções, produtos ou serviços para as diferentes camadas da população. Não havia razão para ficarmos restritos a um único segmento. E nos pareceu mais rápido, mais ágil e mais interessante, fazer isso através da aquisição de empresas que já atuavam nesse setor, e trazê-las para dentro do grupo, mantendo o que seria a proposta de valor para essas marcas.
Gazeta Mercantil – Como funciona o hospital-dia?
É um hospital para procedimentos de cirurgias de média e baixa complexidade. Esse conceito é muito maduro, muito consolidado nos Estados Unidos e na Europa, onde é possível, com as novas tecnologias médicas, realizar procedimentos cirúrgicos cada vez menos invasivos, cada vez mais seguros e que permitem ao paciente uma rápida recuperação. Essa combinação de fatores leva a um menor risco para o paciente. É para procedimentos que não necessitam de uma internação prolongada, que podem ser feitos e levar a uma saída do hospital em menos de 24 horas. Hoje, com as novas tecnologias, se encaixam nessa situação cerca de 80% de todos os procedimentos cirúrgicos realizados.
Gazeta Mercantil – Quanto foi investido nesse empreendimento?
Foi investido no hospital-dia em torno de R$ 20 milhões ao todo, considerando estrutura física e equipamentos. Ficou pronto no final de 2005, operando ainda em fase de ajuste. A partir de 2006 começou a operar plenamente. O hospital está em seu terceiro ano e nossa previsão é de que a receita cresça a um ritmo de 80% a 120% ao ano e que em 2009 ele atinja o ponto de equilíbrio operacional.
Gazeta Mercantil – O grupo decidiu atuar também fortemente na área de medicina preventiva. Por que tomou esse caminho?
Com o mesmo objetivo do hospital-dia, de atuar de maneira mais expandida, criamos uma outra área de negócio que chamamos de gestão de saúde, com o propósito justamente de lidar com a área de prevenção, com programas de promoção de saúde. Esta área é mais voltada para gerar produtos e serviços para empresas, para os grandes empregadores. Mais recentemente, no segundo semestre deste ano, lançamos o serviço de gestão de doenças crônicas. Também neste caso nosso País é incipiente. Em outros países é um conceito já mais que consagrado.
Gazeta Mercantil – O Fleury vai manter as marcas originais das empresas adquiridas ou a intenção é converter todas para uma única marca?
O fato de termos adquirido 21 empresas não significa que temos 21 marcas. Quando adquirimos três ou quatro marcas em uma determinada região, fazemos um trabalho de avaliação dessas marcas. Quando há sobreposição, acabamos eliminando algumas. Hoje são 15 marcas ativas, incluindo a Fleury, nos cinco mercados em que atuamos, mais o Distrito Federal. Somente neste ano, fizemos quatro aquisições: duas pequenas empresas no Paraná (Laboratório Champagnat e Laboratório GR), e em São Paulo fizemos a aquisição do Campana e a do Biesp.
Gazeta Mercantil – Como está a concorrência para aquisições de laboratórios?
Basicamente, as duas empresas mais ativas nesse processo são o Fleury e o Dasa (Diagnósticos da América). São os que mais consistentemente têm realizado aquisições. Mais recentemente as operadoras começaram a atuar, porém ainda de uma forma discreta. São as operadoras que têm intenção de se verticalizar, de serem o máximo possível auto-suficientes na prestação de serviços para sua rede. Recentemente, foi feita uma aquisição pela Medial, mas a Amil também realizou compra nessa área. Cada uma deve ter feito umas duas aquisições. Diferentemente do Fleury, que fez 21 aquisições, e da Dasa que fez 19 ou 20. Então a disputa maior acaba se dando entre estes dois. Também começamos a ver a atuação de alguns fundos de private equity, porque com o fechamento do mercado de capitais o setor tornou-se uma opção interessante. Isso repete um pouco a história do que eles já fizeram com Dasa e com Odontoprev, quer dizer, entram com uma parte, injetam capital para permitir um rápido crescimento, depois saem em algum momento.
Gazeta Mercantil – E ainda há muita empresa de medicina diagnóstica em condições de ser comprada?
O que acaba acontecendo é que o mercado é muito pulverizado, não se tem o número exato mas a estimativa é algo em torno de 15 a 20 mil empresas de medicina laboratorial. Se juntarmos as empresas de imagem, que agora também são alvo de aquisição, é possível que nós ultrapassemos 30 mil empresas. Por isso, digo que é um segmento muito pulverizado. O grande problema hoje é que quando se analisa o número de empresas que têm faturamento relevante para a receita, tanto do Fleury quanto da Dasa, esse número fica extremamente reduzido. Porque a Dasa deve ter um faturamento este ano pouco acima de R$ 1 bilhão e nós devemos fechar o ano um pouco acima de R$ 700 milhões. Para que se faça uma aquisição relevante, com uma probabilidade maior de gerar valor, é preciso falar em empresas com faturamento entre R$ 30 milhões a R$ 50 milhões. Nessa linha existem poucas, talvez três ou quatro, não muito mais do que isso nesse universo de 20 mil empresas.
Gazeta Mercantil – Isso alavanca o preço das empresas?
O preço acaba subindo pela disputa, mas na situação atual de mercado, em que o crédito está escasso, as alternativas para essas empresas, como, por exemplo, buscar o mercado de capitais, estão mais comprometidas. Se por um lado ficaria mais caro pela disputa, por outro lado, o próprio mercado se incumbiu de reduzir o valor de todas as empresas.
Gazeta Mercantil – Sai mais barato comprar laboratórios do que montar novos?
Depende, vai ficando cada vez mais difícil encontrar os critérios que justifiquem a compra porque nós olhamos três componentes importantes. O primeiro é o nível de receita que aquela aquisição traz. O segundo é se há um componente estratégico. Pode ser que estejamos dispostos a fazer uma aquisição de valor inferior, mas que nos permita entrar num mercado onde ainda não estamos ou pode ser o complemento de uma linha. Aqui em São Paulo fizemos duas aquisições importantes que, tanto a URP (URP Diagnósticos Médicos) quanto a Lego (Lego – Laboratório Especializado em Ginecologia e Obstetrícia), eram empresas mais voltadas para a área de imagem e nós não tínhamos uma presença muito forte dentro desse segmento. No segmento D, por exemplo, temos o Campana, mas nos segmentos B, C e D o Lego complementa. Já a URP pega um pouco da faixa do próprio Fleury, então neste caso era mais um complemento, um serviço com uma boa reputação, com um bom nome, para segmentos onde a gente não atuava. E o terceiro componente é a empresa em si, é a marca, é a reputação e a saúde financeira e jurídica. Somos bastante seletivos nas aquisições.
Gazeta Mercantil – Qual o tempo de retorno de uma aquisição? E qual a origem dos recursos?
A gente sempre olha um intervalo próximo de dez anos para buscar a recuperação através, não só de todas as sinergias que passam a ser exploradas dos ganhos, mas também das melhorias dos resultados. Os recursos para essas aquisições vêm basicamente de duas fontes: geração de caixa, ou seja, recursos próprios, e fontes locais, de instituições financeiras locais.
Gazeta Mercantil – Qual a estratégia de investimento do grupo?
Devemos fechar o ano em torno de R$ 100 milhões, um crescimento da ordem de 220 % em relação a 2007, quando foram investidos R$ 31 milhões. O grande investimento hoje é na adequação e reforma das unidades recém adquiridas, para receberem os serviços, e em equipamentos, além das aquisições.
Gazeta Mercantil – A crise financeira já atingiu o Fleury?
Nós temos uma preocupação como qualquer outra empresa responsável deve ter. Alguns impactos já são sentidos. Um deles é a pressão de custos por dois componentes: o primeiro é o aumento da inflação, o aumento do IGP e mesmo do IPC. Isso pressiona os custos porque temos muitos contratos em que o IGP acaba sendo um dos balizadores de reajuste. Isso acontece tanto para locação quanto para outros contratos de prestação de serviços. O outro componente é o dólar. Muitos dos insumos são importados e dolarizados, como os equipamentos. É quase impossível repassar para os preços o aumento que se tem de custos. A gente começa a ver as dificuldades, começa a deprimir as margens, então esse é um cenário não muito positivo nesse aspecto.
Gazeta Mercantil – Vocês já fizeram reajustes de preços?
Todo ano entramos em negociações, mas é muito difícil conseguir repassar sequer 40% ou 50% da inflação medida por qualquer um desses indicadores. O setor já é muito pressionado, é regulado lá em cima e ainda enfrenta a própria competição do setor. Provavelmente teremos as margens deprimidas ao longo do tempo. Vamos ter que buscar ganhos de produtividade, ganhos de outra natureza para tentar manter a lucratividade.
Gazeta Mercantil – Vocês farão demissões?
É muito cedo ainda. Mas é possível. Nós ainda estamos trabalhando com cenário em 2009 de redução de crescimento, quer dizer, o crescimento que se imaginava que aconteceria em 2009 provavelmente não se realizará no nível estimado, mas ainda trabalhamos com cenário de crescimento.
Gazeta Mercantil – Quais são os planos para 2009?
Crescimento, porém menor que o de 2008. É obvio que em função de todo esse cenário, pela escassez de crédito e pelo custo, nós também estamos exatamente agora em uma fase de revisão dos planos de investimentos. Haverá uma redução em relação ao plano de investimentos que se previa porque ele também estava atrelado a um crescimento muito mais agressivo para 2010. Não tenho esse número final, mas ainda teremos um investimento expressivo para o setor, porém, provavelmente, não nos níveis em que foram feitos em 2008. Mas ainda faremos um investimento forte porque há oportunidades para ocuparmos mais espaço.
Gazeta Mercantil – Os investimentos em aquisições serão mantidos?
Nos não costumamos dar um valor. Este ano fizemos quatro aquisições. As aquisições de 2008 gerarão uma receita adicional de R$ 80 milhões em 2009.
Gazeta Mercantil – Por que a empresa decidiu não abrir o capital?
Acho que é uma característica do Fleury, que sempre teve uma atuação muito cautelosa. Acreditamos que este é um excelente passo a ser dado e mostra uma maturidade da empresa, mas sempre houve o cuidado de se perguntar: é o melhor momento, ela está preparada? Por isso, nós investimos muito, esse tempo todo, para torná-la cada vez mais preparada. Mas ela só fará esse movimento se os acionistas e o conselho estiverem convencidos de que este é o melhor caminho para a perenidade da empresa. Mais do que a realização patrimonial, os acionistas têm um compromisso muito forte de levar por mais 80 anos tudo aquilo que eles ajudaram a construir até aqui. Mas a abertura de capital nunca foi descartada.
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