A área da saúde tem algumas características únicas, especialmente em hospitais, que são determinantes para a rentabilidade das empresas que atuam no mercado. Vamos deixar combinado que o termo rentabilidade está sendo aplicado no sentido amplo: não só com foco no lucro das empresas privadas, mas também no resultado operacional das empresas públicas.

Falando de hospitais, uma destas características é o fato de termos dezenas de profissões, das mais diversas áreas do conhecimento, compartilhando os mesmos fluxos de atividades, disputando o mesmo espaço físico, e totalmente interdependentes umas das outras.

Você encontra médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e uma infinidade de profissionais assistenciais, todos envolvidos na mesma dinâmica da atenção dos pacientes. Raramente você encontra estes profissionais em outros tipos de empresa.

A diferença é que muitas das profissões que são associadas a outros tipos de empresa, você também encontra em hospitais: o engenheiro da indústria, também está no ambiente hospitalar … o economista do banco, o contador, o administrador … profissionais de segurança patrimonial, de logística, da higiene e limpeza, garçons, profissionais de TI, estatísticos, especialistas em processos, recepcionistas, telefonistas, da área comercial, da área financeira.

O hospital é uma universidade de disciplinas profissionais, que se esbarram uns nos outros o tempo todo: ao prescrever um médico aciona a nutrição, a farmácia, o laboratório, a radiologia, a enfermagem … e todas estas áreas não fazem seu serviço sem a hotelaria, a higiene, a logística, a lavanderia. Todos tentando agir de forma coordenada e convergindo para que o paciente seja o foco.

A grande particularidade é a diferença da capacitação dos profissionais assistenciais em relação aos, e é muito simples entender como a questão da capacitação é a linha que divide os hospitais rentáveis dos não rentáveis.

Um médico, um enfermeiro, um fisioterapeuta, um nutricionista, um farmacêutico … são profissionais assistenciais graduados (se formam) exatamente naquilo que vão fazer no hospital … nos raros casos em que a formação não é suficiente para atuar de forma satisfatória, ainda fazem uma especialização: residência, atenção intensiva, etc.

Estes profissionais têm um nível de capacitação mínimo, regulado por órgãos e entidades de classe, e suas atividades são normatizadas e fiscalizadas por padrões de qualidade cada vez mais rígidos, o que os obriga a atualização contínua. Ainda bem, porque não estão fabricando games … estão cuidando de pacientes, e isso não é brincadeira !

Já os profissionais da retaguarda, que não estão diretamente relacionados à atenção direta aos pacientes, podemos dividir em 3 grupos:

  • Alguns (minoria) são formados em disciplinas comuns, que acabaram gerando variações para o segmento da saúde. Por exemplo: existe administração e existe administração hospitalar. O administrador geral necessita de conhecimento adicional para administrar hospitais, e o administrador hospitalar necessita conhecimento adicional para gerir outros tipos de empresa – são disciplinas de mesma origem, mas na prática muito diferentes;
  • Outros são formados em disciplinas comuns. Por exemplo, contabilidade: o contador, na teoria, vai aplicar o mesmo conhecimento em qualquer tipo de empresa. Mas, sempre tem um mas, só quem é do ramo hospitalar sabe a dificuldade, e quanto tempo um contador necessita para entender e classificar adequadamente os eventos de um hospital. Demora muito tempo para entender a diferença entre um atendimento tipo SADT, e o serviço chamado SADT, por exemplo – enquanto não entende isso o Demonstrativo de Resultados indica que o hospital, no geral, dá lucro, mas não conseguimos avaliar se dá lucro o Pronto Socorro, a Internação, a Maternidade;
  • E outros, muitos, muitos mesmo em ambiente hospitalar, nem mesmo formação se exige. Um grande contingente de profissionais que quando muito tem segundo grau, e atuam como auxiliares de limpeza, segurança, cozinha, lavanderia, rouparia … uma infinidade.

Somados, os profissionais com formação específica para a área hospitalar são a minoria esmagadora, e isso cria diversas situações que exigem dos gestores capacitações ainda mais específicas, que lidam com a necessidade de saber integrar processos e pessoas neste ambiente multidisciplinar, com pessoas de níveis acadêmicos tão diferentes.

Então chegamos ao ponto.

É pouco provável que em um ambiente hospitalar a competência (no sentido amplo) necessária para a assistência direta ao paciente não exista. Mas é muito provável, se a empresa não tiver isso na agenda, que os profissionais da retaguarda não sejam adequadamente capacitados. Como o foco do profissional assistencial é cuidar do paciente, e não rentabilizar a empresa, se os profissionais não assistenciais não estiverem capacitados adequadamente, a rentabilidade fica mais baixa que a camada do pré sal !!!

Para entender, exemplificando, dos cursos que ministramos (são dados tabulados a partir de informações obtidas com os próprios participantes dos cursos):

  • Todos (100%) os participantes de cursos de gestão de pessoas, nunca haviam feito curso de gestão de pessoas, e a maior parte deles atua em cargo de chefia (ou supervisão);
  • Mais de 90 % dos participantes do curso de Faturamento SUS, que já trabalhavam em alguma atividade de formação de contas, nunca havia feito curso sobre a Tabela SIGTAP;
  • Mais de 90 % dos participantes do curso de Gestão Comercial e Faturamento SS, que já trabalhavam em alguma atividade correlata, nunca havia participado de um treinamento formal sobre tabelas de preços (CBHPM, Brasindice, Simpro), Rol da ANS, checklists e kits de faturamento;
  • Todos (100%) dos participantes de cursos de gestão de custos, que já trabalhavam em análise de custo por procedimento, custo e rentabilidade de unidades de negócios, nunca havia feito um curso formal, com exercícios práticos e simulações de casos comuns em ambiente hospitalar.

Estes números mostram que na retaguarda, uma pessoa vai ensinando para a outra o que aprendeu de outro … neste cenário a perda é evidente.

Este tema não se limita a estes tipos de cursos e treinamentos: é comum nas consultorias notar que a maioria absoluta dos usuários de sistemas, nunca fizeram treinamento estruturado nas funcionalidades do sistema, para fazer proveito de tudo que o sistema tem de recursos – é comum notar reclamação de que o sistema não adere porque não tem uma funcionalidade, e verificar que o usuário não sabe que existe, ou não teve treinamento adequado para utilizar da forma adequada.

Aí a pessoa abandona o sistema e começa a usar o Excel onde não devia (ele deve ser usado em muitas situações – estou apenas citando os casos em que não devia) … e vai usar sem fazer curso de Excel. Nos cursos de informática essencial para gestores da saúde cansamos de ver pessoas com dificuldade de realizar operações matemáticas simples !

Então vivemos este paradoxo: profissionais assistenciais adequadamente capacitados para tratar o paciente, e a retaguarda não capacitada adequadamente para rentabilizar o hospital. Se puder servir de conforto, pelo menos, graças a Deus que não é o contrário … senão, coitado do Paciente … coitados de nós !!!

Os grandes hospitais brasileiros já acordaram para isso faz um bom tempo: você deve ter notado que ultimamente nem vê propaganda do hospital na mídia … mas vê propaganda da sua faculdade, do seu centro de ensino. Ao montar suas estruturas de ensino matam 2 cobras com uma paulada só: se colocam no mercado como centro de excelência, ao mesmo tempo que capacitam de forma adequada seu próprio contingente de colaboradores, em todas as áreas de conhecimento que necessitam.

Como sempre, onde tem gente chorando tem gente vendendo lenço !!!

Agora que exemplificamos hospitais, faço uma pergunta: você acha que nas pequenas empresas da área da saúde como clínicas, consultórios, centros de diagnóstico … este tema não se aplica ?