Quem se lembra dos danos causados pelo caos aéreo sabe que o colapso da saúde será pior.
Todos os indícios de que já estamos vivendo o caos e que em breve chegaremos ao colapso estão bem á vista ? só não vê quem não quer.
As origens do colapso são bem conhecidas ? nada de novo no ?front?:
- O poder aquisitivo da população cresceu trazendo mais pessoas para a saúde suplementar, mas a oferta de serviços de saúde não acompanhou, e a cada dia se distancia ainda mais da demanda;
- Os médicos já perderam a paciência de trabalhar com remuneração injusta, e vão ficando cada vez mais seletivos em relação aos seus contratos com as fontes pagadoras;
- A população geral se multiplicou e a rede de atendimento SUS não acompanhou o crescimento;
- Os planos de saúde vendem mais serviço do que têm a oferecer, e ninguém controla o overbook;
- Mesmo que a população não tivesse crescido, está envelhecendo, o que aumenta a ?freqüência per capita? no serviço de saúde.
Os primeiros reflexos nós vemos diariamente no SaudeWeb e na mídia em geral, aponto de já haverem chamadas do tipo ?Quadro da Saúde Pública no DF é alarmante?, ?Ginecologistas param de atender planos em setembro?, etc.
Quem acha que estamos no caos se engana, como se enganavam os que achavam que o caos aéreo já havia chegado antes do grande colapso.
Os gestores da saúde não estão preparados para lidar com o ?upgrade da escala?, e estão tratando o crescimento como algo que pode ser resolvido com aritmética:
- Se tínhamos 10 pacientes atendidos em uma sala, necessitamos de 100 salas para atender 1.000 pacientes;
- De 10 para 1.000 temos uma mudança de escala, e só para gerir 1.000 salas (sem contar os pacientes) o modelo deve ser outro !
Os gestores de saúde se acostumaram a utilizar médias históricas para dimensionar o crescimento futuro, como sempre fizeram:
- Esta técnica sempre conduziu ao erro ? a saúde sempre esteve devendo vagas devido ao cálculo com base na média histórica;
- Considerando o aumento e a média histórica os gestores ?erravam no varejo? ? agora com a mudança de escala estão ?errando no atacado?.
Quem trabalha em hospital como eu, de vez em quando recebe pedido de um amigo ?pra ajudar a conseguir uma vaga, ou um médico para fazer um procedimento para fulano?: esta é a situação do caos atual, mas quando chegarmos ao colapso imagino que isso vai acabar virando ?pedágio?, porque a cada dia que passa é mais difícil poder ajudar o amigo.
As regras da ANS estabelecendo tempo mínimo de atendimento na saúde suplementar são absolutamente elogiáveis ? quem, como eu, sempre critica a ANS quando edita normas que só burocratizam o atendimento tem que elogiar regulamentações como estas que contribuem para a melhoria do atendimento ao segurado.
Mas as normas da ANS não ajudarão a resolver o problema de dimensionamento geral do sistema, porque os hospitais atendem saúde suplementar, SUS e particulares, e a atribuição dela é regular planos de saúde.
O Ministério da Saúde deve chamar a responsabilidade de não apenas coordenar o crescimento da rede de hospitais públicos ? deve se preocupar em exigir que as empresas privadas que atuam no segmento da saúde contribuam efetivamente para a melhoria da saúde pública:
- Isso passa pela necessidade de não autorizar a expansão de serviços de saúde que não contribuem para o equilíbrio do sistema geral de saúde pública;
- É necessário mostrar para a população o plano de oferta geral de leitos de hospitais públicos e privados em relação à demanda por região, para que toda a sociedade possa contribuir e se preparar para a dificuldade.
Nós precisamos que isso ocorra agora ? já que não pudemos evitar o caos, quem sabe não conseguimos minimizar o estrago do colapso.