Grande parte da produção de programas para computadores converteu-se, nos últimos anos, numa atividade banal. Ela praticamente tornou-se acessível a leigos. Mas o que dizer do uso das mesmas ferramentas do mundo digital para a criação de softwares vivos? Sim. DNAs, os códigos da vida, estão sendo construídos a partir de bits, como sistemas operacionais biológicos, que transformam microrganismos em verdadeiros robôs. Parece inacreditável? Pois então bem-vindo ao século 21. Bem-vindo à Synthetic Genomics. Fundada em 2005, a empresa com sede em La Jolla, no litoral sul da Califórnia, tem como meta reprogramar o genoma de algas, bactérias, fungos e vírus para obter, com eficácia inédita, produtos como biocombustíveis, vacinas, alimentos e fertilizantes, além de biodispositivos que recuperam recursos naturais como a água. Ou seja, a jovem companhia americana pretende simplesmente virar de ponta-cabeça, na próxima década, indústrias que vão do petróleo à farmacêutica, passando por setores como a agricultura. Embora tal plano pareça mirabolante, pelo menos três fatores o tornam exequível. Vejamos.
Quem pilota a trajetória comercial dessa Microsoft dos micróbios é a brasileira Fernanda Gandara, 34 anos, vice-presidente para desenvolvimento de negócios da Synthetic Genomics. Formada em engenharia química pela Faculdade Mauá, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, ela desembarcou nos Estados Unidos há sete anos para cursar um MBA na Universidade de Stanford, um dos maiores polos de inovação e empreendedorismo do planeta e berço do Vale do Silício. Posteriormente, participou de um programa para estagiários na BP (ex-British Petroleum), onde foi contratada em 2005. Ali, começou a trabalhar com as chamadas tecnologias limpas, um campo que exerce uma atração natural sobre jovens executivos. Além de crescente volume de dólares, essa indústria movimenta ideais. “É fascinante trabalhar num ramo que pode melhorar a vida no planeta”, disse Fernanda a Época NEGÓCIOS. Na BP, ela também participou de um grupo de capital de risco (venture capital). Tinha como tarefa descobrir start ups promissoras. E descobriu. Em 2007, foi contratada por Craig Venter.
Hoje, pode-se dizer que o trabalho da executiva consiste em aterrissar uma tremenda nave tecnocientífica no mundo concreto do mercado. Para isso, a empresa utiliza uma estratégia marcada pela extrema maleabilidade, que começa pela administração de um conflito em potencial. Normalmente, essa disputa opõe pesquisadores e investidores. Os primeiros apaixonam-se por suas descobertas e se esquecem das prateleiras. Os outros, após o primeiro aporte de capital, cobram resultados num estalar de dedos. Nesse caso, o ideal é encontrar um ponto de equilíbrio entre as duas forças. Deve-se acelerar os cientistas, mostrando que o tempo é um fator essencial para a sobrevivência desse tipo de empresa. Assim, transmite-se certo sentido de urgência aos laboratórios. Mas, paralelamente, é necessário escolher os financistas corretos. “Somos muito seletivos”, diz Fernanda. “Não buscamos apenas investidores, mas parceiros que entendam o processo de maturação das nossas tecnologias.”
Numa companhia que parece ter emergido de uma obra de ficção científica, uma boa dose de realismo também é fundamental. A empresa sabe que detém uma tecnologia disruptiva, mas não espera que esteja 100% desenvolvida para ouvir o dinheiro pingar no caixa. Em muitos casos, é possível ingressar em setores como a agricultura ou a recuperação de recursos naturais sem produzir os tais softwares vivos. Para isso, basta empregar microrganismos com DNA parcialmente modificado – algo que a biotecnologia já permite há pelo menos três décadas. Os micróbios podem ser usados em estado zero-quilômetro, exatamente na forma como são encontrados na natureza. Para fincar com maior firmeza os pés no chão, a start up estabelece ainda limites claros de atuação. Quem explica é Fernanda Gandara: “Por exemplo, em vez de concorrer com os gigantes do petróleo, preferimos estar ao lado deles. Esse é um mercado imenso. Para nós, a conquista de uma participação de 1% já seria excepcional”.
Nesse ponto, é ilustrativo o acordo firmado em meados do ano passado entre a Synthetic Genomics e a Exxon Mobil. Ele tem como foco a produção de uma nova geração de biocombustíveis, o que inclui a gasolina, o diesel e o querosene para aviões, feitos a partir de algas (photosynthetic algae). Esses organismos são máquinas eficientíssimas de fotossíntese. Para crescer, exigem insumos modestos: luz solar, dióxido de carbono, água e alguns nutrientes. Estão, porém, entre os principais responsáveis pelos estoques de oxigênio existentes na hidrosfera e na atmosfera. A Exxon investirá uma quantia que pode atingir US$ 600 milhões no empreendimento. Metade do valor será desembolsada na primeira fase do trabalho e o restante, à medida que as pesquisas prosperem. Observe-se que o dinheiro financiará uma pesquisa. Não se trata de investimento de curto prazo.
Mas a iniciativa embute desafios consideráveis. O desenvolvimento do biocombustível não exige somente a criação do melhor software para algas. Pressupõe a construção de uma linha de produção eficiente. Para isso, uma estufa foi montada ao lado da sede da Synthetic Genomics, em La Jolla, um balneário repleto de mansões ao norte de San Diego. Esse criadouro de algas, inaugurado em julho deste ano, compõe uma das áreas mais intrigantes da empresa. Tem quase o tamanho de duas quadras de basquete. Abriga 20 pesquisadores. Totalmente envidraçado, tanto o teto quanto as paredes, as pessoas que circulam por ali esquecem que estão num ambiente fechado. É claríssimo, o que é natural – na verdade, desejável – num espaço que se pretende propício à fotossíntese. Mas a luminosidade é tão intensa que a estufa se torna inóspita para quem não usa óculos escuros. Ela pode ser definida como um protótipo das fábricas de combustíveis do futuro.
Fonte: Época Negócios, 02/12/2010
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