Temos discutido muito a avaliação do desempenho ou performance dos médicos e prestadores, mas e dos pacientes? É indiscutível que o paciente deve ser o foco de qualquer programa de saúde. E então, por que não criar um modelo onde consigamos responsabilizar e incentivar os pacientes pelas suas ações positivas que levem a uma utilização adequada do sistema de saúde em que esteja inserido associado a ações preventivas e de mudança de estilo de vida?Evidentemente será um desafio, mas me parece bastante profícuo trazer este tema à discussão, principalmente porque hoje é o dia mundial da saúde. Tenho pensado e discutido esta possibilidade com meus pares e tenho sido surpreendido com as idéias e possibilidades que são trazidas à discussão. O ponto principal que temos refletido diz respeito ao fato de que todos os grandes pensadores do tema P4P sempre argumentam a importância de indicadores de desfecho ou resultados. Até mesmo Porter fez uma grande crítica aos modelos de P4P nos EUA visto que grande parte dele avalia somente indicadores de processos.Os indicadores de resultado ou de desfecho são um grande desafio de serem monitorados, avaliados em curto prazo e de estarem positivamente ou negativamente relacionado diretamente ao desempenho do médico assistente. Claramente isso não acontece com indicadores de processos.É no mínimo injusto atribuir a responsabilidade pelo controle da pressão arterial ou dos níveis de hemoglobina glicada somente ao médico. Já falamos sobre isso no artigo passado. Já está mais do que provado que a ação médica tem pouca ação direta sobre muitos indicadores de resultado. Portanto dizer que um médico tem péssimo desempenho caso seus pacientes diabéticos não controlam seus níveis de glicemia, a meu ver, é no mínimo injusto. O paciente tem uma grande responsabilidade sobre isso e deve participar ativamente das ações de promoção e prevenção. É importante reforçar novamente que não sou contra o monitoramento de indicadores de resultados, o que defendo é uma avaliação de desempenho abrangente onde, também, indicadores de estrutura, processos e a percepção do cliente sejam avaliados. A boa performance está no conjunto da obra e não apenas em indicadores isolados. A pergunta que coloco para meus colegas é se seria viável envolver o paciente nestas ações e incentivá-lo a melhorar. Claro que a orientação médica é fundamental, afinal de contas o paciente procurou o médico para receber estas orientações. Mas sabemos que boa parte de nossos pacientes não segue as orientações na íntegra por razões diversas. Muitos não usam adequadamente nem o medicamento que foi prescrito, quem dirá seguir as orientações verbais de mudanças de estilo de vida, por exemplo.Não seria possível criarmos incentivos positivos para estimular o comprometimento do paciente? Até agora só temos visto, na prática, incentivos negativos, a exemplo da co-participação, onde o paciente paga uma parte do valor da consulta ou exame. Em estudo feito foi comprovado que os pacientes são avessos ao pagamento para utilização de serviços médicos preventivos. Se já é difícil convencer os pacientes das ações preventivas, quanto mais fazê-lo pagar para ter este tipo de serviço. Agora, se fosse possível criar incentivos positivos no cumprimento de metas relacionadas, por exemplo, à idade, ao sexo, às doenças crônicas já instaladas, a participação de screenings para avaliação de doenças crônicas ou a outras ações que estimulassem o uso do serviço de saúde e não a inibissem, será que não conseguiríamos incentivar com mais veemência as mudanças de estilos de vida e, conseqüentemente, evitar ou reduzir substancialmente as complicações por hábitos inadequados? A tecnologia para este controle já temos disponível. O modelo e o software P4P© que disponibilizamos para hospitais, operadoras de planos de saúde e para o SUS tem o foco da avaliação e dos incentivos nos prestadores, mas já está perfeitamente adaptado para que este foco seja redirecionado ao paciente. Basta termos a coragem e a ousadia para inovarmos com esta proposta.Penso que os desafios estariam muito mais na quebra de um paradigma existente hoje onde temos operadoras de saúde e médicos focados essencialmente na assistência, no volume e complexidade dos serviços, e muito pouco nas ações preventivas. Outro desafio também está na área legal. Como incentivar ou recompensar pacientes por estarem seguindo as recomendações definidas sem ferir as questões de regulação e de valores praticados no mercado? As operadoras se preocupam em ter um índice de correção das mensalidades dentro de cálculos genéricos de uma determinada carteira (quando falamos em clientes pessoa jurídica) ou em índices definidos pela ANS (quando falamos de clientes pessoa física), mas não existe nada específico para aquele paciente que tem um hábito saudável ou que é estimulado a mudar e, de forma comprovada, muda seu estilo de vida. Um círculo virtuoso da qualidade em saúde poderia ser criado, onde também os pacientes seriam incentivados a uma utilização adequada do sistema de saúde e de cumprimento de metas específicas; o custo seria controlado; o nível de informação aumentaria substancialmente; o paciente estaria adequadamente monitorado e controlado; os profissionais seriam avaliados por critérios onde tenham 100% de responsabilidade; e o poderíamos ter até um preço justo do plano de saúde.Paradigmas existem para serem quebrados e este é um deles: devemos deixar de ter apenas o médico como o grande responsável pelo custo de um sistema de saúde. Sem dúvida alguma ele tem a caneta, mas o paciente tem o papel. As ações de melhoria na saúde dos beneficiários a um custo compatível devem ser sistêmicas e abrangentes a todos os atores partícipes do sistema de saúde.No próximo artigo retomaremos os conceitos do modelo P4P©. Tenham uma boa semana!