Formas de suprir a carência de médicos no Brasil, principalmente no interior e em periferias de grandes centros urbanos, estão em estudo pelo Ministério da Saúde. E a contratação de médicos estrangeiros para atuar na atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS) aparece entre as possibilidades.
Recentemente a atração de profissionais da Espanha e Portugal veio à tona ? por meio de um programa com período de tempo pré-determinado e restrito às áreas carentes, periferias das grandes cidades e municípios de interior. A ideia seria fazer intercâmbios com os dois países europeus, que possuem grande quantidade de profissionais qualificados e desempregados em razão da crise econômica. Apesar de Cuba também ter ficado sob os holofotes em relação ao tema, o Ministério não confirmou negociações com a ilha.
O Brasil conseguiu avançar mais com a Espanha, tendo visitado algumas províncias, como Catalunha e Andaluzia, no mês de maio. Ficou claro que há interesse de intercâmbio de profissionais. O governo espanhol estima que pode ter 20 mil médicos desempregados, contando com quem já está no sistema público e aqueles que estão para se formar neste semestre.
A pasta ainda não definiu como será o processo de implantação deste programa, portanto não fez nenhuma previsão quanto aos impactos na legislação. Entretanto, o Ministério da Saúde tem deixado claro que não haverá validação automática de diploma, que não serão admitidos profissionais vindos de países com menos médicos que o Brasil e que só serão atraídos formados em instituições de ensino autorizadas e reconhecidas por seus países de origem.
Ônus
Na opinião do conselheiro do Conselho Federal de Medicina (CFM) pelo Mato Grosso do Sul, Mauro Ribeiro, interiorizar profissionais médicos é uma ?pseudo-assistência?. ?Não adianta interiorizar médicos a força. O que regula o trabalho é o mercado, com economia e estrutura adequadas. Cabe ao governo interiorizar o médico, trazendo um plano de carreira de estado nos mesmos moldes que existem para juízes e procuradores, por exemplo?.
Segundo Antonio Carlos Lopes, diretor da Faculdade de Medicina da Unifesp, os médicos estrangeiros não estão preparados para atuar no Brasil. ?Isso envolve formação e educação médica, para que haja humanismo na prática da medicina. Uma saída é que seja feito um estágio prévio para se atualizar. Além disso, quem está bem em seu País de origem não se submete a dificuldades em outro. Atrair profissionais que não foram retidos em seus países, não trará a nata dos profissionais médicos ao Brasil. Antes de revalidar o diploma, é preciso fazer um exame psicotécnico para avaliar condições morais, éticas, religiosas, senso de humanismo, relação médico e paciente?, critica.
Para o acadêmico, o principal impacto da atração de médicos estrangeiros ao Brasil será sentido pela própria população. ?Para ter um médico mal formado atuando aqui é melhor não ter. O governo brasileiro precisa de uma política pública que contemple áreas carentes e não uma medida emergencial?, argumenta.
Na mesma linha, o CFM é contra a medida, apontando que existe uma falta de infraestrutura de saúde generalizada. ?O médico é um profissional importante, mas existe toda uma equipe multiprofissional, além de postos de saúde, hospitais, laboratórios, equipamentos de diagnóstico, sistema de referência, transporte. Senão você coloca um médico em uma cidade do interior sozinho, que não terá condição de oferecer uma assistência digna ao cidadão?, pontua o conselheiro Ribeiro.
Questionado pela FH quanto a outras medidas para sanar o problema da falta de mão de obra médica em regiões carentes do Brasil, o Ministério informou que, em parceria com o Ministério da Educação, está desenvolvendo um conjunto de ações voltadas para esta questão, como a abertura de vagas de graduação em medicina, a ampliação das bolsas de residência médica e o desenvolvimento de programas como a Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab).
A segunda edição do Provab, lançado em dezembro de 2012, oferece curso de especialização em Saúde da Família, bolsa federal no valor de R$ 8 mil mensais e bônus de 10% em provas de residência para médicos interessados em atuar em localidades com dificuldade de prover profissionais. Atualmente, cerca de 4 mil médicos estão atuando pelo programa em todo o país.
Exemplo do Pará
O Hospital Regional do Marajó, localizado no município de Breves (PA), é um caso típico da falta de acesso à mão de obra qualificada. O acesso de Belém para o Hospital só é possível via barco, mas esse trajeto leva 12 horas. Na cidade não existem médicos. Portanto, não há como contratar mão de obra local. Mesmo os profissionais contratados de Belém precisariam fazer esse trajeto e o acesso por barco inviabiliza o trabalho, em virtude do tempo desperdiçado. ?A dificuldade é encontrar profissionais que aceitem viver em locais e cidades tão distantes. Por exemplo, no caso de Breves, um médico experiente, portanto com mais de 30 anos, casado com filhos, pensará duas vezes em fixar residência numa ilha que fica a 12 horas de barco da capital?, pondera o diretor geral do Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano (INDSH), José Cleber do Nascimento Costa.
Por esse motivo, o Instituto responsável pela gestão do hospital, encontrou uma solução: criar condições de trabalho interessantes para fixar esses profissionais. ?O que oferecemos é o transporte aéreo, o alojamento para os médicos no próprio hospital e plantão concentrado em uma semana. Assim os profissionais são levados semanalmente para o hospital de avião, prestam atendimento por uma semana e depois voltam para os locais de origem?, conta Costa.
De acordo com o executivo, em todos os hospitais gerenciados pelo INDSH existe a tentativa de manter o mesmo padrão de profissionais e atendimento dos hospitais dos grandes centros. ?Só aceitamos médicos titulados. Para isso, investimos em infraestrutura para que os profissionais tenham condições de trabalho para exercerem sua função com segurança; esse é o primeiro ponto. Depois analisamos a quantidade a ser contratada de forma a garantir a demanda de atendimento. Posteriormente analisamos como pode ser feito o plantão dessas equipes e a questão salarial?, conta Costa.
O diretor acredita que seja louvável a medida do governo federal de atrair médicos estrangeiros, afinal ?há países na Ásia, como o Butão, que enfrentam a falta de médicos e aceitam profissionais vindos de outros lugares e essa tem se revelado uma boa saída para garantir uma assistência de saúde para os habitantes, melhorando inclusive o IDH do país?.
Como administrador, Costa acredita que é preciso estudar e avaliar bem o perfil da instituição e buscar alternativas para conseguir contratar e reter profissionais competentes, de forma que o custo disso não inviabilize a saúde financeira da instituição e no caso do Brasil.
Infraestrutura Hospital Regional do Marajó
? 17 especialistas são levadas semanalmente para darem atendimento no Ambulatório, internação, UTI Adulto, Pediátrica e Neonatal do Hospital Regional do Marajó, localizado no município de Breves, localizado no Pará;
? Especialidades: são 2 cirurgiões, 2 ortopedistas, 2 anestesistas, 2 pediatras (sendo um neonatologista), 2 clínicos, 2 intensivistas, 1 nefrologista, 1 cardiologista, 1 oftalmologista, 1 radiologista e 1 infectologista + coordenações médicas;
? Origem dos médicos: 60% dos médicos são de Belém, 20% de cidades do Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 20% são do Sudeste;
? Tempo instalados no Hospital: Focam por 7 dias em esquema de plantão 24 horas, lembrando que o hospital é de referência;
? Custo médio com mão de obra: os profissionais recebem cerca de R$ 2.000,00 por plantão;
? Custo médio com o fretamento: o contrato é de R$ 60 mil/mês para o transporte semanal dos profissionais.
O Revalida hoje
Atualmente, no Brasil, a revalidação de diplomas estrangeiros pode ser feita pelo Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), exame nacional realizado em diversas capitais do país, ou por processos próprios de universidades públicas que optaram por não aderi-lo. Desde que foi criado, em 2011, 37 universidades participam. Com o Revalida, o médico pode passar a atuar na profissão de seis meses a um ano no país. A prova ocorre anualmente em duas etapas, objetivas e discursivas.
O exame é conduzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, em colaboração com a subcomissão de Revalidação de Diplomas Médicos, da qual participam representantes dos ministérios da Saúde, da Educação e de Relações Exteriores, além da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais do Ensino Superior (Andifes) e também do Inep.
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