Pensando em promover uma rotina de atividade física aos funcionários, uma grande companhia resolve instalar uma academia dentro da própria empresa. O espaço é moderno, com equipamentos de última geração e acompanhamento de profissionais de primeira linha. Dentro de três meses, os gestores do projeto observam que os frequentadores são aqueles que já dedicavam parte do dia a tal rotina. Gente que, ao invés de deixar o escritório, pegar o carro e correr para a aula de ginástica, trocou isso por alguns lances de escada para chegar ao andar de baixo. Novos adeptos? Não. A academia permanecia vazia durante todo o horário comercial e sofria com a concorrência por aparelhos depois do expediente. Quem não tinha afinidade com os exercícios e passava longe de uma esteira, continuou distante. O sedentarismo da população da multinacional não diminuiu. O plano foi considerado ineficiente. Com esses e outros exemplos, de programas contínuos de redução do tabagismo a ciclos de vacinação, agentes que trabalham na gestão da saúde populacional (GSP) estão vendo a necessidade de uma troca de experiências para a criação de métodos mais eficientes e planos mais eficazes do ponto de vista do custo-benefício para a empresa. ?O último lugar para tratar um crônico é no pronto-socorro, porque tudo que você fez, fez errado. O que fazer com quem tem obesidade, com um tabagista, um sedentário é gestão de saúde. Não é assistência médica?, afirma o presidente da Aliança para a Saúde Populacional (Asap) , Fábio Abreu. ?Essa nossa percepção de que ou a pessoa tem saúde ou está doente é uma grande mentira. Saúde se perde todo dia, e é com isso que a gente trabalha para conscientizar as pessoas?, complementa. Abreu ainda classifica como ?heróis? aqueles que trabalham no gerenciamento e na coordenação dos programas dentro de uma empresa. ?Isso pode melhorar, ser feito medindo resultados, com uma visão integrada?. Por fim, ele reconhece o esforço das companhias que se dedicam à gestão da rotina dos colaboradores, mas mantém clara a necessidade de um aprofundamento nos métodos usados para trazer os funcionários para os projetos e na maneira de lidar com cada um dos perfis. ?Temos de entender que a população é formada por pessoas diferentes. Você só vai conseguir fazer a gestão de sua população quando entender esses grupos. A nossa proposta é olhar também as mudanças de comportamento, os hábitos?. Dentro das empresas Maria Cristina Nader é gerente de medicina da Siemens desde 2005. A empresa tem 10 mil funcionários e mais 3,5 mil terceirizados. É formada por uma população jovem, entre 30 e 40 anos, e apesar da grande quantidade de engenheiros, tem ainda uma classe de trabalhadores braçais na linha de produção de equipamentos. Perguntada sobre qual seria um case de sucesso dentro dos programas e projetos implementados pela empresa nos últimos anos, a médica destaca o ?Boa Visão?, que levou um oftalmologista para dentro da Siemens. Se os pacientes não vão até o consultório, ele vai até eles, conta. ?Tivemos cerca de 1400 consultas realizadas e verificamos que 92% das pessoas precisavam mesmo da consulta porque tinham algum ajuste de lente, ou deveriam começar a usar lente, ou até tinham a pressão do olho alterada. São esses programas paralelos que são importantes?, explicou. Maria Cristina prefere não entrar em valores absolutos, mas fala em proporções: o convênio de assistência médica custa 9% da folha de pagamento, enquanto o orçamento que ela tem para promover planos ? entre eles o Boa Visão – é de 10% do que a empresa gasta com o seguro de saúde. ?Nesse exemplo do oftalmologista: se você for ver, os 1400 acabariam indo ao médico mais cedo ou mais tarde, então o custo da consulta é o mesmo. Mas aí você precisa calcular a produtividade. Do salário médio por dia, sabe que se perde uns 10% de produtividade quando se trabalha com um óculos fora do grau correto e vê quanto a empresa está perdendo?, acrescenta. Dentro da Siemens, os projetos são feitos, nas palavras da gerente, por demanda. Precisam ser concentrados no que exatamente acontece com o corpo de funcionários. Alguns são terceirizados, e o relato da especialista diz que a principal questão colocada pela diretoria da empresa é o absenteísmo. ?Eles querem saber o porquê de tantas faltas por determinado motivo. E às vezes isso mostra que não é colocando uma especialidade médica dentro da empresa que vai reduzir o problema?. Alguns dos programas envolvem dependentes, já que os filhos, por exemplo, também são considerados fatores que podem reduzir o desempenho profissional. A Siemens tem, inclusive, uma ginecologista que já fez 40 partos de colaboradoras ? um caso de sucesso na visão da empresa, que conseguiu enquadrar um profissional de confiança dentro de uma relação delicada na gravidez em meio ao ambiente corporativo. Conscientização Na convivência com o corpo de funcionários, Maria Cristina não acredita na eficiência ao oferecer benefícios para quem participa de determinados projetos. É contra. Diz que o benefício tem de estar ligado ao bem estar pessoal, e não condicionar o paciente a ter um bônus por buscar uma vida mais saudável. E apesar do otimismo mostrado pelo sucesso de diversas ações ? ela lembra, por exemplo, que quando começou na Siemens os diretores fumavam em plena sala de reuniões, e hoje o tabagismo atinge apenas 7% da companhia, que oferece um apoio psicoterapêutico aos fumantes ? há também um constante processo de conscientização que ainda esbarra em algumas dificuldades de mobilização das pessoas. ?A gente vai e faz um grupo de corrida e caminhada, paga camiseta, incentiva, faz consultoria, cria um grupo na Universidade de São Paulo (USP) outro no Parque do Ibirapuera, outro no Parque Villa-Lobos. Mas acaba indo só gente que já faz isso e que se saíssem da empresa estariam correndo, pedalando. É um desafio trazer os sedentários?. De acordo com a executiva, no programa contra o tabagismo, chamado Inspiration, há um prontuário específico, com atendimento médico. ?Mas aí o funcionário diz que hoje não pode ser atendido, no outro (dia) diz que tem uma reunião. Por que permite uma reunião no horário da consulta? São formas de fuga de tratamento que precisam ser trabalhadas, pensadas?, analisa a médica. Ainda assim, Maria Cristina defende as ações dentro da própria companhia pelo fato de facilitarem a adesão. Destaca, como favoritos, os programas de vacinação, ?forma mais barata de se prevenir doenças?. E vislumbra uma mudança de comportamento de quem negligencia a saúde. ?Imagina que um carro chegue a 100 mil km rodados sem nenhuma manutenção. Ninguém pensa nisso, mas acha normal a ideia de ir até os 70 anos sem complicações?. Talvez não por muito mais tempo. *O evento foi promovido pela Aliança para a Saúde Populacional (Asap), no dia 25 de abril, em São Paulo (SP)