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Futuros Digitais 2024: a obsolescência jantando CEOs desatentos todas as noites

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Setor de Saúde vai evolucionar como nunca

Há um ano, uma grande empresa de consultoria californiana foi chamada de madrugada por um de seus principais clientes na área de Educação com a seguinte pergunta: “Devo me preocupar com esse ChatGPT?” A ferramenta havia surgido há poucas semanas, estávamos no fim de 2022, com todos em clima natalino, e a resposta foi seca: “É bolha, relaxe”. Em dezembro de 2023, essa mesma editech havia eliminado um quarto de sua força especializada de trabalho, saído do top-five desse mercado na Costa Leste e perdido dois de seus principais fundos mantenedores. Certamente vai se recuperar em 2024, mas perdeu um ano.

Fenômenos como esses são comuns e já devíamos estar acostumados com eles. Em agosto de 2020, dois terços dos provedores de saúde dos EUA não sabiam nada sobre Telemedicina ou Consultas Virtuais. Perderam dois anos para aqueles que estavam antenados e atentos ("attendere" significa literalmente "esticar-se para alcançar algo que só poucos enxergam"). Em 2012, o elétrico Tesla causou o mesmo susto na indústria automobilística tradicional. O smartphone em meses mudou o significado do contexto de mobilidade e a Netflix reinventou a indústria cinematográfica em menos de 2 anos, mudando a maneira como as pessoas se relacionam com as telas. A história do mundo se confunde com a história da disrupção. Ocorre que hoje esta é mais rápida, mais globalizada, menos percebida e muito mais ubíqua.

Nesse contexto, vamos refletir aqui sobre o Futuro 24/25 e o que ele reserva para a Saúde em termos de “disrupção nativa”, ou seja, aquelas tecnologias repentinas, emergentes, não-latentes, ou não detectáveis sem uma assídua e regular prospecção. Alguns CEOs entendem e acompanham as mudanças com lupa. Outros não as percebem, ou fingem não vê-las, ou desconsideram a sua implicação nos problemas econômico-setoriais. Muitos não identificam o que ocorre nas fronteiras de seus negócios, na “borda de sua estrutura transacional” (onde a disrupção surge e domina). São pegos desprevenidos pela “subversão-digital”, capaz de destruir ou potencializar ofertas, mercados e organizações. E há os que transferem a responsabilidade para os demais níveis da empresa, como se não coubesse ao CEO a máxima incumbência nas decisões transformacionais. A Saúde Suplementar nunca precisou tanto de seus CEOs como agora. A Saúde Pública nunca dependeu tanto de seus faroleiros” como nos dias hoje. Mas eles precisam subir ao topo do farol, manter-se ao pé da lanterna, onde a luminosidade e a altitude os obriga a enxergar à frente; à frente de todos os que estão no solo. Na Saúde, as lideranças perderam essa característica, não vigiam mais o horizonte, ficaram acrofóbicos, sentem vertigem e não desgrudam do solo, onde só acontece o esperado e o provável. 

Não estamos falando de “inovações que surgem aqui e ali”, com baixo impacto setorial. Ou de novos elementos inovadores centrados em determinadas franjas da Cadeia de Saúde. Estamos falando da disrupção subversiva, aquela capaz de promover em pouco tempo (meses ou anos) “um giro de 180º nos Sistemas de Saúde”. Nosso alvo aqui é a vertical techno-digital, mas as transformações disruptivas vão muito além das inovações tecnológicas e de suas ferramentas (a “mudança de comportamento de consumidores e fornecedores” pode ser muito mais disruptiva, como escreveu Peter Drucker).

Abaixo, seguem quatro dessas disrupções notáveis, que de uma forma ou de outra vão impactar a Saúde.

GenAIs: Guinada na Medicina Diagnóstica

Nenhuma novidade aqui. Todos percebem o “cometa GenAI” rasgando as estepes das Cadeias de Saúde. Espera-se que as Inteligências Generativas produzam 10% de todos os dados até 2025 (fonte: Gartner). Já deu grandes saltos em 2023, mas nada comparado ao que vem pela frente em 2024, seu ano-zero na Saúde. Serão meses fascinantes, difíceis e transformadores para a Economia da Saúde. Precisamos dos faroleiros. Cada médico, gestor, líder e demais profissionais de saúde ganharam um “assistente pessoal sagaz e disciplinado, atuando 24 horas por dia e tornando-os mais eficientes, rápidos e produtivos mesmo em tarefas complexas”. Essa assistência é o mínimo a se esperar das LLMs nos próximos meses.

Mas é no arco clínico-diagnóstico que os impactos serão mais notáveis. O nível de automação decisória das GenAIs deve levar o desafio diagnóstico a desempenhos nunca antes estabelecidos pela sociedade médica. Graças ao Aprendizado de Máquina e as Ganerativas, uma simples imagem oftálmica da retina, por exemplo (como na figura abaixo), já pode diagnosticar hoje: (1) diabetes (desde 2018); (2) doença renal (2020); (3) doença do fígado e da vesícula biliar (2021); (4) pontuação de cálcio no coração (2021); (5) Alzheimer (2022); (6) prevenir ataque cardíaco e acidente vascular cerebral (2022); (7) identificar altos níveis de gordura no sangue (2023); e (8) doença de Parkinson (2023). Nos próximos anos, imagens como essa vão abrir portas para vários outros diagnósticos, produzindo um incalculável valor preventivo e preditivo.

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Da mesma forma, um simples cardiograma já pode gerar feedbacks de AI para diversos diagnósticos, como mostrado na figura abaixo, com as respectivas datas dos Estudos Científicos confirmando essas possibilidades.

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(ambas as telas acima foram geradas e cedidas pelo prof. Eric Topol).

Ou seja, em 2024 as plataformas de GenAI estarão saindo cada vez mais da “conversa de bar” e entrando na implementação, principalmente na vertical diagnóstica. Há inúmeros desafios à frente, sejam éticos, regulatórios e procedurais. Mas, tanto provedores quanto fontes pagadoras globais querem eliminar ‘estágios custosos’ na jornada do paciente, como, por exemplo, o ‘segundo e terceiro diagnósticos’. Assim, eles estarão usufruindo largamente das GenAIs para apoiar a tomada de decisão clínica.

O estudoFrom Google Gemini to OpenAI Q* (Q-Star): A Survey of Reshaping the Generative Artificial Intelligence” publicado em dezembro/2023, avaliou criticamente o “estado atual e a trajetória futura das GenAIs”, incluindo na avaliação o ChatGPT (OpenAI); o Gemini, um ‘modelo-fundacional’ que o Google está integrando às suas plataformas de busca; e o projeto OpenAI Q* (Q-Star, ou Q-Learning), centrado em um algoritmo de aprendizagem mais inteligente e mais “agressivo”. A conclusão do trabalho destaca “a mudança crucial de paradigmas impulsionada pelo avanço dessas ferramentas, que sinalizam para um futuro em que os sistemas de IA ampliarão significativamente nossas capacidades de raciocínio, compreensão contextual e resolução criativa de problemas”. Da mesma forma, o estudo ressalta a necessidade de impedir a iniquidade e a injustiça social, carecendo essas plataformas de vigilância nos aspectos bioéticos e regulatórios. O CEO que está no topo do farol já percebeu o tsunami à frente, provavelmente o que está no solo ainda busca explicações nos balanços da empresa.

Fenômeno da Semaglutida: biotecnologia na contenção da obesidade global

O medicamento semaglutida, para perda de peso, comercializado sob a marca Wegovy, disparou à frente do mais difícil desafio humano-metabólico-nutricional deste século: conter a epidemia de obesidade. Seu sucesso foi de tal ordem, que a própria farmacêutica dinamarquesa que o lançou (Novo Nordisk) tem dificuldade de atender às demandas, devendo se tornar em 2024 a empresa mais valiosa da Europa. Aprovado pelas principais agências regulatórias mundiais (inclusive pela ANVISA), a droga tem como princípio ativo a semaglutida

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que a semaglutida é um elemento sintético, produzido em laboratório, e, portanto, deve ser considerada uma tecnologia, ou como gostamos de chamar, uma biotecnologia. Assim sendo, ela tornou-se uma “biotecnologia disruptiva”, pois, em se constatando a sua eficiência e baixa colateralidade, possui o poder de reduzir no curto espaço de décadas a complexa epidemia de obesidade (há mais pessoas com excesso de peso no mundo do que abaixo dele). A OMS a qualifica como a principal epidemia a ser enfrentada, a mais devastadora e a mais difícil de ser eliminada. O excesso de peso está muito próximo de se tornar insustentável: 1,5 bilhão de adultos e 400 milhões de crianças, sendo que em uma década a obesidade custará 3% do PIB mundial. Na Europa, um em cada seis indivíduos é obeso, sendo que mais de 50% da população adulta tem excesso de peso. No Brasil, 56% da população está em sobrepeso ou obesidade (Fonte: dados Covitel 2023). Enquanto não percebermos o alcance pessoal e mundial da prevalência do excesso de peso, não entenderemos o que significa a “disrupção biotecnológica da semaglutida”.

A semeadura da transformação em curso começou em 2017, quando a Novo Nordisk lançou o Ozempic, uma injeção semanal para tratar a diabetes tipo 2. Seu ingrediente ativo (semaglutida), imita o GLP-1, um hormônio que o intestino produz naturalmente para ajudar a equilibrar o açúcar no sangue. Seja produzido pelo corpo ou por uma dose como a do Ozempic, o GLP-1 pode ajudar a “acalmar a voz em nosso cérebro dizendo para eliminarmos aquela batata-frita a mais, ou a sobremesa de 2000 calorias que você insiste em não resistir, ou todas aquelas guloseimas que comemos entre uma refeição e outra”. O medicamento também retarda a digestão, fazendo com que as pessoas fiquem mais tempo “saciadas” (física e mentalmente). Funcionou para a diabetes.

Ocorre que nos ensaios clínicos do Ozempic, os pacientes perdiam quantidades inimagináveis de peso corporal (10% em questão de semanas ou meses). Era a ignição para a colossal perspectiva em curso: teríamos conseguido eliminar o desejo compulsivo de comer a mais do que nosso corpo carece? Teríamos vencido essa guerrilha entre “cérebro e corpo”? Aprovada pela FDA em 2017, o Ozempic causou entusiasmo na comunidade médica dos EUA. Ele foi aprovado apenas para tratar diabetes, mas médicos têm discricionariedade para prescrever medicamentos para usos "off-label" não aprovados, se acharem adequado. Confortados por mais de uma década de pesquisas mostrando que essa linha medicamentosa tem baixo risco, a ‘cadeia prescritiva’ começou a receitar a droga uma vez por semana. Daí para o lançamento de uma medicação específica para controle de peso foi um pulo. Nascia a Wegovy, cujo princípio ativo é o mesmo do Ozempic, a semaglutina.

Certamente que existem efeitos colaterais, como qualquer dipirona. Também está claro que existe uma tendência de voltar os níveis de peso terminada a dose prescrita. Mas, diante do quadro de insustentabilidade da obesidade, o medicamento se transformou num “11º. mandamento”.  Não faltam testemunhos de inúmeros médicos e cientistas sobre a medicação. "A Semaglutida é um avanço importante no tratamento da obesidade, com resultados sem precedentes em termos de perda de peso e benefícios cardiometabólicos", explicou Francesco Rubino, professor de Medicina e Cirurgia Metabólica na Universidade de Roma. Ou: “A Semaglutida é um tratamento promissor para a obesidade, especialmente para aqueles que não responderam a outras opções de tratamento", reforçou Fatima Cody Stanford, professora de Medicina na Harvard Medical School. Assim, é provável que estejamos diante de uma tecnologia pragmática e utilitarista, capaz de transformar o quadro civilizatório dietoterápico. Ainda há muito o que se identificar em relação aos ganhos e perdas de seu uso. Da mesma forma, seu alto preço aciona mecanismos de ampliação do abismo social para combate a obesidade. Mas, que venham os competidores, os genéricos, a alfabetização em saúde e mais ciência-médico-disruptiva, que, vale ressaltar, está sendo impulsionada pela disrupção descrita acima (GenAI). Essa guinada endocrinológica terá impacto em toda a Cadeia de Saúde, desde o primary care até a formação médica.

Computação em Nuvem: Simplificada, Serverless e Edge

O uso de dados clínicos em Nuvem precisa chegar à Saúde. A tecnologia cloud computing amadureceu, tornando-se mais robusta, escalável e flexível, ainda que pouco utilizada no trato de dados clínico-assistenciais. A “computação em nuvem simplificada”, por exemplo, permite que pessoas que não possuam conhecimentos técnicos avançados possam utilizar esse serviço. Ferramentas de baixo código/sem código estão cada vez mais disponíveis em ambientes de cloud, permitindo que usuários criem aplicações usando interfaces visuais (drag-and-drop), em vez da escrita manual de código. Fornecedores de serviços em nuvem aproveitam essas interfaces em conjunto com e as ferramentas de linguagem natural (LLMs), eliminando a necessidade de competências técnicas avançadas.

Por outro lado, o modelo Serverless, que nasceu junto com o conceito de Nuvem, vem crescendo em popularidade e adoção nos últimos anos. Trata-se da ‘computação sem servidor’, um modelo de desenvolvimento de aplicações que abstrai o gerenciamento da infraestrutura do desenvolvedor. Empresas do setor de Saúde, em busca de transformação digital, precisam ativar soluções (desenvolver, testar, rever, lançar) que permitam o seu lançamento seguro e rápido. O serverless simplifica o processo e reduz o tempo de provisionamento e gerenciamento da infraestrutura, como oferece o AWS Lambda; o Azure Functions; o Google Cloud Functions, etc. O modelo permite: (1) a redução de custos (paga-se apenas pelos recursos que utiliza); (2) escalabilidade automática (as aplicações escalam automaticamente para atender às demandas de carga); (3) centralização de foco no desenvolvimento (a empresa usuária se concentra na aplicação sem se preocupar com infraestrutura); (4) aprimoramento da Segurança (provedores de nuvem oferecem recursos cada vez mais robustos na proteção dos dados); etc.

Mas é na Edge Computing (computação de borda) que os ganhos são mais claros. Trata-se de um modelo que “aproxima o processamento e a análise de dados das fontes de dados”. Em vez de enviar todos os dados para um data center nuclearizado, a edge computing processa os dados localmente, em ‘dispositivos de borda’, como smartphones, sensores IoMT ou micro data centers. Exemplo análogo são os carros autônomos, que para navegar precisam processar grandes volumes de dados em tempo real. A edge computing processa esses dados localmente, no próprio veículo. Na Saúde, a edge já é usada para monitoramento remoto de pacientes (devices, vestíveis e smartwatches coletando dados em tempo real e os enviando para análise na nuvem). Também já é usado para o rastreamento de doenças infecciosas, monitorando a localização e o estado de saúde do paciente. Nesse sentido, as ferramentas de GenAI entram no jogo como facilitadoras, transformando dados-não-estruturados em dados-estruturados.

Atenção, faroleiro: todo movimento da Cadeia de Saúde em direção a nuvem será quadruplicado regionalmente a cada antena 5G instalada. Qualquer Transformação Digital em Saúde só é factível em Nuvem. O surgimento de novos processadores de maior eficiência energética, algoritmos de alta eficácia e redes avançadas (5G) dependerão cada vez mais de nuvem simplificada, serveless e edge. A saber: uma plataforma é necessariamente um “elemento em nuvem”. Fora disso não é plataforma, mas um simples “sítio para criação e alimentação de códigos”, que só existe em função da competência do “granjeiro”. Só a nuvem permite a onipresença da computação de ponta.

Computação Quântica: chegam as primeiras aplicações práticas

O biênio 24/25 pode ser o início da mais vigorosa transformação na infraestrutura computacional desta primeira metade de século: a Computação Quântica (acompanhe aqui seus efeitos na medicina). 2024 deve trazer os primeiros benefícios quânticos tangíveis para a infoesfera. A IBM apresentou seu processador quântico Heron em 2023, talvez o mais poderoso e o primeiro ‘computador quântico modular’, com 133 qubits (IBM Quantum System Two). No mesmo dia (dezembro/2023), anunciou também o processador Eagle de 1121 qubits, previsto para ser operacional em 2024. Alguma noção do que isso significa? Respire fundo e entenda: uma máquina computacional quântica é cerca de 2⁵⁰ (2 elevado a potência 50) vezes mais rápida do que o melhor computador existente hoje. Exemplificando: o “tempo de processamento para fatorar o número 15”, por exemplo, seria de alguns milissegundos na computação tradicional. No processador quântico é cerca de 1000 vezes mais rápido.

Em novembro de 2023, a Amazon também lançou o Braket Direct, uma plataforma que expande a forma de explorar o armazenamento quântico em nuvem. Trata-se de um serviço de computação quântica totalmente desenvolvido para acelerar a pesquisa científica e o desenvolvimento de software. A plataforma fornece todas as ferramentas necessárias para criar, testar e executar algoritmos quânticos na nuvem AWS. O Google prepara uma avalanche de anúncios e lançamentos quânticos, tendo declarado que “a competição entre a computação tradicional e a quântica chegou ao fim: o poder dos processadores quânticos já supera os supercomputadores mais modernos”. Segundo a empresa, seu protótipo quântico possui um total de 70 qubits operacionais, superando o Frontier (considerado hoje o computador mais poderoso do mundo), que levaria pouco mais de “47 anos para processar os mesmos números que num computador quântico levaria poucos segundos”.

A América do Norte é considerada o epicentro do processamento quântico. Empresas norte-americanas desenvolvem novos elementos, numa corrida louca por ocupar espaços na quanticulândia (IBM, Amazon, Intel, Google, Quantinuum, IonQ, Microsoft, Quantum Computing Inc e Rigetti Computing, etc.). No Canadá, as pioneiras D-Wave Systems e a Xanadu Quantum Technologies recebem torrões de investimentos para participar da corrida. Sem falar na computação quântica asiática, notadamente chinesa (a Origin Quantum, por exemplo, lançou em 2022 o Wuyuan, um computador quântico de 24 qubits). Isso sem falar nas startups quânticas, como a Atom Computing, que anunciou em 2023 o primeiro computador quântico a superar a marca de 1000 qubits, com protótipo previsto para 2024 (superando os anúncios quânticos da IBM).

No segundo Quantum World Congress, realizado em setembro/2023 na Virginia (EUA), havia um entusiasmo evidente entre os conferencistas. A euforia parecia o lançamento da Apollo 11, que em julho de 1969 colocou uma tripulação na Lua. Em dezembro de 2023, a agência regulatória norte-americana NIST (National Institute of Standards & Technology) jogou lenha na euforia, informando: “em 2024 estará finalizando os três algoritmos PQC (criptografia pós-quântica) projetados para resistir ao rápido avanço dos computadores quânticos”. Em tese, todos os sistemas computacionais tradicionais são vulneráveis aos poderosos processadores quânticos, o que de certo modo “vem segurando a expansão quântica”. Assim, estamos no finger para embarque ao mundo quântico. É obvio que não se trata de algo simples, mas uma vez referenciada a chave PQC por todos os países membros do consórcio quântico, estaremos levando a computação para outro nível, que muda consideravelmente a forma atual da infosfera. “Isso é enorme! Essa migração [para PQC] deve ser a maior já realizada desde que existem criptografias de chave pública [décadas atrás]”, explicou Bill Newhouse, engenheiro sênior de segurança cibernética do NIST.

Boa parte dos países e das grandes empresas, notadamente do setor bancário, já estão realizando “inventários de seus softwares” para implementar os novos algoritmos PQC. Um memorando de Segurança Nacional da Casa Branca impôs que até 2035 todas as agências federais deveriam concluir a migração para a criptografia pós-quântica. Supunha-se que levaria muito mais tempo para que os computadores quânticos experimentais evoluíssem para máquinas “criptograficamente relevantes”. Erraram. Pesquisa recente, liderada por Harvard e financiada pela DARPA, mostrou que estamos muito mais adiantados do que se poderia imaginar. José Cerdán, CEO de Telefónica Tech, escreveu artigo no jornal El Confidencial em 28/12 último, destacando: “Acredito que 2024 seja o ano em que a promessa da computação quântica se cristalizará em benefícios tangíveis. Veremos uma maior aplicação dos processadores quânticos em vários campos onde são necessárias simulações muito avançadas e pesadas, como, por exemplo, na descoberta de novos medicamentos”. Esse dorme no cimo do farol.

Em 2024, um CEO do setor de Saúde deve lutar com todas as forças contra o FOMO (“Fear of Missing Out”), ou seja, o medo da obsolescência. Trata-se de uma condição psicológica que desconstrói as soluções dos problemas setoriais. Um pouco como a greve dos “profissionais da indústria cinematográfica” ocorrida em 2023 (Hollywood), tentando neutralizar o avanço das GenAIs no setor. Além de governar empresas, CEOs precisarão implantar, gerenciar e governar “sandboxes-playground”, algo como “parques de diversão” para estudar, ensaiar e identificar constantemente as inovações: uma incubadora estacionada nas bordas da instituição, na “fronteira que separa o seu lugar no mercado do lugar que estará sendo invadido naturalmente pela disrupção-exógena”.

As transformações citadas acima “não são eixos monolíticos independentes, autônomos ou excludentes das demais operações da instituição”. São esteio para quase todas as instâncias informacionais das organizações de saúde (infoesfera). Qualquer aplicativo ou modelagem, qualquer alteração de processos, de negócios, de linhas clínico-assistenciais, de marketing, vendas, delivery e, principalmente, quaisquer relações com os pacientes estarão impregnadas de inteligência artificial, computação em nuvem e até de computação quântica. CEOs serão cobrados por isso. Poderão ser demitidos ou promovidos pelo maior ou menor engajamento nas transformações em curso. Definitivamente está encerrada a ‘zona de conforto’.

 

Guilherme S. Hummel

Scientific Coordinator Hospitalar Hub

Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)